Por: André | 26 Agosto 2015
A entrevista acontece no saguão do Hotel Terra Brasilis, no alto de Santa Teresa, um dos antigos bairros do Rio de Janeiro. Do terraço avista-se a parte da cidade conhecida como o centro. Durante a conversa reiteradamente vemos o centro financeiro da cidade, os prédios da Petrobras e os arranha-céus, assim como os grandes edifícios do governo brasileiro. Os símbolos do poder do Estado oferecem a paisagem da conversa sobre a situação atual dos povos indígenas no país e em particular do povo terena.
A entrevista é de Dolores Camacho Velázquez e Arturo Lomelí González e publicada por La Jornada, 08-08-2015. A tradução é de André Langer.
Lindomar Terena, acompanhado de Mario Ney Rodrigues Salvador, diz que os terena são cerca de 30.000 pessoas que vivem no pantanal do Mato Grosso do Sul. Como a maioria dos povos indígenas brasileiros, sobrevivem apesar de toda uma história de ataques por parte do Estado, que apoiou primeiro os fazendeiros e atualmente as empresas de monocultivo, e tudo isso em nome do desenvolvimento. A resistência do povo terena está baseada na luta por seu território, do qual foram expulsos durante o século XIX.
Assim como em outras partes da América Latina, foi no final da década de 1980 que o governo brasileiro começou a colocar em prática algumas modificações constitucionais que reconheciam parcialmente o direito das populações indígenas ao seu território. Em 1988, estabeleceu-se que em um prazo de cinco anos seriam reconhecidos os territórios pertencentes a todos os grupos indígenas que os reclamavam e que têm o direito porque historicamente são habitados por eles. Mas apenas alguns territórios foram reconhecidos. Os terena não foram beneficiados, apesar de terem comprovado com documentos e estudos antropológicos que sua demanda territorial tem fundamento. Portanto, continuam a luta exigindo a aplicação das leis, tomando terras e exercendo pressão internacional. Neste momento, utilizam as instituições supranacionais, como a Organização das Nações Unidas (ONU).
Lindomar Terena é membro do conselho do povo terena e também coordenador executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB). Segue o que Lindomar disse ao Ojarasca, suplemento mensal do jornal mexicano La Jornada:
O povo terena luta pela recuperação do seu território, que é o principal problema que tem, e os maiores inimigos são as grandes fazendas de plantações de monocultivo, e outros, como a própria instituição do Estado, que nos quer manter sob o controle através da repressão da polícia, que em conjunto com os pistoleiros nos ameaçam de morte.
O território terena é uma terra pantaneira. Antes da guerra contra o Paraguai o território era livre, os indígenas se deslocavam de um lugar a outro sem obstáculos. Mas, no século XIX, os terena foram à guerra contra o Paraguai, e quando voltaram suas terras tinham sido ocupadas por grandes latifundiários que criavam gado apoiados pelo governo para ocupar as nossas terras e para que fossem legalizadas ao seu favor, no processo chamado de grilagem. Isso quer dizer que a gente chegava às terras, achando que eram desocupadas, tomava posse delas, mas o governo dizia que já tinham título. Mas essas terras eram e são nossas. A história demonstra isso.
Quando retornaram da guerra já não permitiram que circulassem livremente por suas terras. Eles se depararam com o fato de que suas terras estavam ocupadas por outros. Diante da sua reivindicação, o governo concedeu entre dois mil e três mil hectares para cada grupo de indígenas, mas nunca quis reconhecer a eles o direito sobre o seu território. Por isso nós continuamos lutando para recuperar a liberdade e o território. Lutamos para que nos reconheçam 36.000 hectares. O nosso povo não está em um só território; estamos em vários lugares. Só na minha comunidade somos 8.000 pessoas.
Dentro do povo terena, há uma unanimidade em torno da luta pelo território. O nosso inimigo comum é o sistema que nos persegue, nos oprime e nos criminaliza. Sempre nos coloca contra a sociedade. No Brasil, não existe vontade para resolver os nossos conflitos. Vivemos ameaçados e perseguidos porque continuamos exigindo o reconhecimento do território. Nossa gente entende que a solução para acabar com a ameaça, com as perseguições, será quando o Estado resolver e cumprir a Constituição do país. Mas não há interesse político para resolver os nossos conflitos.
Assim que só vemos a possibilidade de nos unir com outros grupos, fazer alianças com outros povos indígenas da América do Sul, uma vez que somos todos afetados. A iniciativa tem que partir de nós mesmos; temos certeza de que o governo não vai resolver o nosso problema. Precisamos romper os limites que nos separam a nós mesmos.
Antes da Copa do Mundo, a propaganda oficial dizia que 95% dos conflitos dos povos indígenas estavam resolvidos. Diante dessa notícia, as organizações internacionais retiraram os apoios e começaram a ir para outros lugares do mundo. Nós denunciamos que as afirmações do governo não eram verdade, que foram demarcadas apenas algumas terras na Amazônia e em outras regiões mais fáceis de resolver. Mas as nossas terras não foram devolvidas.
Recentemente, estivemos na ONU e denunciamos que aquilo que o Brasil declara não é verdade. O governo leva à ONU pessoas que representam a instituição governamental. Por isso a ONU não conhecia a verdade. Agora que fui, denunciei o que realmente estava se passando. Para a ONU foi uma novidade saber que o problema persiste. O relator dos direitos humanos foi convidado para vir e ver que não é tudo bonito, que deve ir aos acampamentos onde estão os indígenas que lutam por seu território.
Diante destas denúncias foram tomadas algumas medidas. A OEA tentou intervir para que o governo brasileiro resolva a situação denunciada. Mas o governo respondeu que retiraria o apoio econômico à OEA caso fizesse essas exigências. Então a OEA se retratou, disse que estava tudo bem no Brasil com os indígenas, e já não intervém mais.
A relação com os governos de esquerda é a pior possível. Para os povos indígenas havia a esperança de que um governo de esquerda resolveria seus problemas, porque eram trabalhadores que haviam sofrido. Mas o governo do Partido dos Trabalhadores nunca olhou para os povos indígenas, nem criou uma mesa de negociação; o governo de esquerda tem outros interesses. Com os governos de esquerda foi quando se fizeram menos devoluções de terras aos povos indígenas. O principal motivo que gera o conflito é esse desinteresse em reconhecer os direitos dos povos indígenas. Esta falta de reconhecimento propicia maior criminalidade contra nós.
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“Os governos de esquerda são os que mais decepcionaram os povos indígenas”. Entrevista com Lindomar Terena - Instituto Humanitas Unisinos - IHU