Por: Jonas | 26 Agosto 2015
Um ano depois (8 de agosto de 2014) que a coalizão de 19 países liderada pelos Estados Unidos iniciou, no Iraque, a campanha militar contra o Estado Islâmico (EI), este grupo sunita radical está longe de ter sido neutralizado. Inclusive, se no último dia 18 de agosto a aviação norte-americana matou o número dois do EI, Fadhil Ahmad al Hayali – também era conhecido como Abu Muslim al Turkmani ou Hajji Mutazz -, as forças deste movimento, que controla vastas regiões do Iraque e Síria e tem como objetivo instaurar um califado radical nessas áreas, não pararam de crescer. A Casa Branca considera um duro golpe a morte de Fadhil Ahmad al Hayali, pois o líder era um dos coordenadores centrais do EI e tinha sob sua responsabilidade a logística do transporte de armas, explosivos e pessoas entre o Iraque e a Síria. Porém, uma leitura mais estatística da realidade desautoriza qualquer ilusão otimista. Em primeiro lugar, a influência regional do EI e as repercussões que sua retórica e suas ações possuem na Europa são enormes.
A reportagem é de Eduardo Febbro, publicada por Página/12, 23-08-2015. A tradução é do Cepat.
O fracasso paira em todas as tentativas estadunidenses de fragilizar o EI. Em um ano, o EI se expandiu de maneira vertiginosa, ao mesmo tempo em que provocou uma onda de adesões constantes no mundo árabe e, na Europa, ativou um fluxo de jovens muçulmanos que se unem em centenas nas suas fileiras para combater no Iraque ou Síria. Segundo enumeram de maneira convergente os serviços secretos ocidentais, com mais de um ano de guerra, o EI mantém um núcleo de combatentes que não variou: 31.000 homens, dos quais 25.000 são estrangeiros. Destes 25.000, cerca de 5.000 são oriundos da Europa ocidental. Um relatório da ONU, de maio passado, observa que uns cem países, ou seja, a metade do planeta, alimentam com seus homens as fileiras do EI. As campanhas de recrutamento do EI são eficazes. Seus slogans, que apresentavam o califado como a “arca de Noé” que salvará os muçulmanos quando chegar o momento final, influenciaram os jovens destes países.
Além disso, o EI se dotou de uma estrutura de comunicação especialmente pensada para atrair combatentes, o Al Hayat Media Center. Al Hayat (A vida) publica três revistas, IS Report, IS News e Dabiq, e divulga vários vídeos por ano. Em um dos números, publicado quase em fins de 2014, Dabiq dizia: “Unam-se ao Estado Islâmico com seus pais, seus irmãos e irmãs, seus esposos e esposas e seus filhos. Venham participar da libertação da Meca, de Medina e de Jerusalém. Por acaso, vocês não querem chegar ao dia do julgamento final com grandes atos em suas balanças?”. Em um vídeo de Al Hayat, intitulado ‘Come my friend’, o EI apresentava uma montagem cheia de homens com armas e de imagens de vitória. O bando dizia: “A felicidade, hoje, pertence às pessoas de fé”.
O êxito dessas campanhas de sedução explica em muito a estabilidade do movimento. Washington afirma que, desde agosto de 2014, matou pouco mais de 10.000 combatentes. No entanto, isto não mudou nem a estratégia do EI, nem tampouco minou seu progresso. A chegada constante de combatentes estrangeiros, seduzidos pela aventura radical, alimenta as fileiras do EI com um exército em perpétua renovação, ileso diante das perdas que sofre. No que diz respeito à França, o Ministério do Interior revelou que do total de quase mil franceses que se uniram ao EI, desde o início do conflito, cerca de sete combatentes franceses morrem por mês. Em 2013, havia somente 86 franceses envolvidos em um ou outro ramo jihadista.
Hoje, são cerca de 2.000 franceses com manifestas intenções de se somar às fileiras do EI. O Estado francês procura frear o magnetismo da retórica jihadista, por meio de uma campanha nacional cujo principal enunciado diz: “Na realidade, você irá descobrir o inferno na Terra e morrerá longe do seu lar”. O EI, com suas atrativas retóricas, desestabilizaram por dentro as sociedades ocidentais. Somente na França, 19 pessoas morreram entre janeiro e julho de 2015, em diferentes atentados perpetrados por jihadistas nacionais.
No plano estritamente militar, exceto em um caso, os Estados Unidos fracassaram em todas as suas tentativas de recuperar as regiões nas mãos dos homens que respondem ao chefe do EI, Abubaker al Bagdalí. Os números são impressionantes: no Iraque, o Pentágono empregou 3.500 assessores, ao passo que, desde 2014, foram realizadas mais de 6.000 ações militares. Foi como se não fosse nada. A única conquista territorial da coalizão ocidental é Tikrit, no Iraque. O fracasso mais categórico foi a falida operação para recuperar a cidade iraquiana de Mossul. Ao contrário, o EI se deu ao luxo de invadir e controlar Ramadi, a estratégica capital da província iraquiana, na província de Anbar.
Na Síria, os bombardeios dos Estados Unidos e de seus aliados árabes atenuaram as posições do EI na fronteira com a Turquia. Em inícios de agosto, Washington colocou aviões F16 na base turca de Incirlik, situada na fronteira com a Síria. A autorização dada por Ancara, para que a primeira potência mundial se instalasse em seu solo, desencadeou uma incalculável resposta política por parte do EI. Em meados de agosto, o EI divulgou um vídeo, em turco, com claras ameaças a Turquia e um chamado à rebelião contra seu presidente, Recep Tayyip Erdogan. O chefe do Estado é acusado de “traidor” e de “Satanás” por ter permitido aos Estados Unidos operar em seu território. “Conquistaremos Istambul porque o traidor Erdogan está tratando de entregá-la aos cruzados”, disse no vídeo um barbudo com armas. Além disso, o EI começou a adotar na Turquia o mesmo perfil estratégico comunicacional que utiliza no restante do mundo. Começaram a aparecer, com suas marcas, revistas de propaganda como Konstantiniyyé com uma retórica apimentada e abertamente hostil, dirigida às atuais autoridades.
Do seu jeito deslocado e permanente, não passa um mês sem que o EI consiga realizar ações tão horripilantes como eficazes. A última foi a decapitação de um homem de 81 anos, Jaled Asaad, um dos mais prestigiosos arqueólogos da cidade síria de Palmira. O sítio arqueológico de Palmira está catalogado como Patrimônio Mundial da Humanidade pela UNESCO. Em finais de maio de 2015, os homens do EI tomaram o controle desse local, situado a 250 quilômetros de Damasco. O discurso oficial da coalizão continua sendo alentador, os resultados, menos. Cada golpe recebido não coloca o EI de joelhos, mas, ao contrário, é como se tivesse uma lâmpada de Aladim, modificou sua estratégia e ampliou suas bases. O general John Hesterman, chefe da força aérea do comando militar norte-americano no Oriente Médio, declarou: “Os bombardeios aéreos tiveram um efeito profundo sobre o inimigo”. Porém, o mesmo general esclareceu que 75% dos aviões regressam de sua missão sem ter lançado as bombas. Nesta guerra assimétrica, liderada por um Estado-Nação – Estados Unidos – contra um movimento de jihadistas insurgentes, que nasceu com o desmembramento do Iraque, provocado por Washington e seus aliados em 2003, nem tudo está muito definido. Na coalizão atual, há cinco países árabes e, entre eles, alguns como o Qatar foram reiteradamente acusados de ter financiado grupos sunitas radicais.
A CIA afirmou, em inícios do ano, que o EI recebe aproximadamente três milhões de dólares por dia, o que faz do EI uma das organizações terroristas mais ricas da história. Uma boa parte desses fundos provém de riquíssimos doadores dos países do Golfo, os mesmos que, em maior ou menor medida, fazem parte da coalizão. Estas estranhas dualidades remetem aos tempos de Osama Bin Laden. O fundador da Al-Qaeda havia se aliado aos Estados Unidos para combater a invasão soviética no Afeganistão. Depois, seu país de origem, a Arábia Saudita, aliou-se com Washington e permitiu que os Estados Unidos instalassem suas bases para responder a invasão do Kuwait (1990) por parte do finado presidente iraquiano Saddam Hussein. Bin Laden rompeu seu pacto com os Estados Unidos e se tornou o seu principal inimigo. As mesmas sementes oscilantes crescem nas terras do Estado Islâmico. Um ano depois, a capacidade operacional do EI está intacta e seus braços irrigam o Ocidente e também semeiam a destruição em outros países. Em junho passado, no mesmo dia, o EI realizou uma ofensiva destruidora contra a cidade curda de Kobane, na Síria, perpetrou um atentado contra turistas ocidentais na praia tunisiana de Sousse, fez voar uma mesquita no Kuwait, ao mesmo tempo em que, na França, um terrorista filiado ao EI, Yassin Salhi, decapitou uma pessoa quando tentou explodir um depósito de distribuição de gás. A geopolítica das bombas não fez mais que acelerar o circuito da geopolítica do terror.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Um ano depois, Estado Islâmico cresce e floresce - Instituto Humanitas Unisinos - IHU