19 Agosto 2015
"Mas, vale lembrar, esta visita papal nunca quis introduzir o pontífice à realidade vasta e multitexturizada de um país que se estende por mais de 4.506 quilômetros ao longo de todo o continente norte-americano. Na verdade, esta visita nunca foi concebida como uma viagem pastoral aos Estados Unidos. Pelo menos não no sentido usual", escreve Robert Mickens, em artigo publicado pelo National Catholic Reporter, 17-08-2015. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Eis o artigo.
O principal motivo de o papa estar fazendo esta viagem é o de participar de um evento internacional (o Encontro Mundial das Famílias, na Filadélfia, organizado pelo Vaticano), e não o de encontrar uma parcela ampla e verdadeiramente representativa da Igreja americana e de seu rebanho. Isso parece ter sido uma ideia em segundo plano
Em todos os seus quase 79 anos sobre esta terra verde de Deus, o Papa Francisco nunca esteve nos Estados Unidos da América.
E quando fizer a sua primeira e breve visita ao país no próximo mês de setembro, ele verá apenas uma minúscula parcela desta imensa nação.
No todo, o papa ficará um pouco mais de cinco dias, restrito a apenas três regiões metropolitanas situadas a poucos quilômetros de distância entre si: do centro de Nova York até Washington, DC, tendo Filadélfia entre estas duas cidades.
Mas, vale lembrar, esta visita papal nunca quis introduzir o pontífice à realidade vasta e multitexturizada de um país que se estende por mais de 4.506 quilômetros ao longo de todo o continente norte-americano. Na verdade, esta visita nunca foi concebida como uma viagem pastoral aos Estados Unidos. Pelo menos não no sentido usual.
O principal motivo de o papa estar fazendo esta viagem é o de participar de um evento internacional (o Encontro Mundial das Famílias, na Filadélfia, organizado pelo Vaticano), e não o de encontrar uma parcela ampla e verdadeiramente representativa da Igreja americana e de seu rebanho. Isso parece ter sido uma ideia em segundo plano.
Foi Bento XVI que escolheu, em junho de 2012, a “Cidade do Amor Fraternal” (como é conhecida a cidade da Filadélfia) para receber o encontro mundial. Foi ele também quem disse “estar ansioso” em participar do evento.
Porém, depois que Bento renunciou ao papado menos de um ano depois, não havia garantias de que o seu sucessor assumiria o compromisso.
Foi somente em novembro de 2014, num congresso internacional em Roma, que Francisco encerrou o suspense: “Se Deus quiser”, disse ele, “eu vou ir para a Filadélfia participar do 8º Encontro Mundial das Famílias”.
Esse anúncio provocou alguns movimentos no sentido de seduzir o primeiro papa latino-americano da história a usar a sua viagem transatlântica como uma oportunidade de, também, visitar vários outros locais em todo os Estados Unidos. Autoridades religiosas do México e Canadá – os outros dois países que compõem a América do Norte – também esperavam que seus países pudessem ser incluídos no itinerário papal.
Mas, como se viu, assim que chegar aos EUA, o pontífice não irá a muitos lugares. Na verdade, a sua passagem por aqui não irá além dos 80 quilômetros de distância do litoral atlântico.
Esta é a distância aproximada da Filadélfia até costa leste americana. E, a propósito, esta também não é a única parte da viagem que tem um encontro internacional como o seu principal foco.
Acrescentemos a cidade de Nova York a essa lista: o principal motivo pelo qual o Papa Francisco está indo aí é o de discursar aos líderes mundiais nas Nações Unidas, e não o de se maravilhar com a restauração, de 175 milhões dólares, da Catedral de São Patrício, nesta cidade, ou o de passear pelo Central Park.
Francisco estará na sede da ONU em 25 de setembro, exatamente 50 anos depois que Paulo VI se tornou o primeiro papa a discursar a um organismo internacional, evento ocorrido em 4 de outubro de 1965, dia em que se celebra a Festa de São Francisco de Assis.
Visto ser quase inconcebível que um papa visite um país pela primeira vez sem ao menos ir à sua capital nacional, Washington é onde Francisco começará a sua estada aqui. Das três regiões metropolitanas a serem visitadas, a que ele irá permanecer por mais horas (48 ao total) será Washington. (Em Nova York ele ficará um pouco mais de 39 horas e, na Filadélfia, por apenas 34,5 horas.)
Washington vai ser o único lugar que terá uma audiência quase exclusivamente local em todos os ambientes visitados. Não só o papa irá à Casa Branca para se encontrar com o presidente Obama, mas também discursará a reunião conjunta do Congresso.
Tem havido muita especulação de que Francisco irá criticar severamente os legisladores federais. O seu discurso a eles no dia 24 de setembro e a sua alocução aos líderes mundiais no dia seguinte nas Nações Unidas serão cuidadosamente elaborados com a ajuda de seus principais assessores. Cindy Wooden, do sítio Catholic News Service, oferece um excelente resumo das problemáticas que o papa provavelmente trará diante dos políticos e estadistas. [1]
Um dos momentos mais interessantes e importantes de sua estada em Washington pode vir na manhã de 23 de setembro, quando Francisco falará aos bispos americanos na Catedral de São Mateus. Provavelmente ele apresentará os seus comentários francos sobre o tipo de bispos e de foco pastoral que a Igreja deste país necessita hoje.
Se há algum elemento polêmico nesta visita papal, ele é a canonização de Junípero Serra, sacerdote franciscano espanhol que fundou uma série de missões na Califórnia no século XVIII. Alguns grupos indígenas locais têm protestado contra esta canonização, dizendo que o legado deste religioso está contaminado pelo tratamento duro que seus antepassados indígenas recebiam.
Mas talvez o que é mais lamentável é que o primeiro santo na história a ser canonizado em solo estadunidense foi nascido e criado na Europa; e que algumas pessoas continuam afirmando, erroneamente, que ele é o primeiro santo latino-americano para um país com uma crescente população latina.
Em cada cidade visitada pelo Papa Francisco nesta sua vinda ao país, ele celebrará pelo menos uma missa pública. Na Filadélfia e em Nova York, o papa rezará as Vésperas com o clero, religiosos e seminaristas locais; também irá se reunir com imigrantes nestas duas cidades, enquanto que, em Washington, encontrar-se-á com um grupo de sem teto e pessoas empobrecidas. Visitas a uma escola primária católica no bairro East Harlem e a uma prisão na Filadélfia completarão o itinerário do papa.
Mas, no todo, Francisco verá muito pouco da realidade diversa da vida católica nos Estados Unidos. Na verdade, ele não se fará presente em nenhum dos lugares onde a Igreja está mais viva e atuante. Este seu itinerário geograficamente restrito e as medidas draconianas de segurança que estão sendo postas em prática por autoridades paranoicas (infelizmente, estas pessoas têm razão em assim proceder) garantem isso.
Ah, e você pode ter ouvido que o Papa Francisco decidiu, no último minuto, acrescentar uma rápida escala em Cuba nesta sua excursão. Na verdade, ele irá à ilha caribenha antes de vir aos EUA. E ficará aí por dois dias e meio (mais precisamente 68,5 horas).
Esta escala marca a terceira vez que ele visitará a América do Sul desde que se tornou papa. Além disso, ele tem programado viajar para esta região novamente no próximo ano, voltando à sua terra natal, a Argentina, pela primeira vez e passando por, pelo menos, dois outros países.
Por ora, parece pouco provável que ocorra outra visita dele aos Estados Unidos, dada a sua idade e outras prioridades globais. Visto a forma como esta visita foi traçada, estamos diante de uma verdadeira vergonha.
Nota:
[1] Confira o artigo intitulado “Ideals worth sacrificing for: Pope to challenge U.S. Congress, U.N.” aqui.
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O Papa Francisco está realmente vindo aos EUA? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU