17 Agosto 2015
Um bispo conservador destituído de seu cargo pelo Papa Francisco em setembro do ano passado – prelado que certa vez alegou estar sendo vítima de “perseguição ideológica”, mas que, depois, reconciliou-se com o pontífice – morreu na última sexta-feira (14 de agosto) aos 69.
Dom Rogelio Livieres Plano, argentino de nascimento, morreu em Buenos Aires de complicações relacionadas à diabetes. Ele havia sido o bispo de Ciudad del Estes no Paraguai antes de sua destituição em 25 de setembro de 2014.
Antes de morrer, Livieres conciliou-se com o papa.
A reportagem é de Inés San Martín, publicada por Crux, 15-08-2015. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Em julho passado, durante um encontro com os bispos locais em sua viagem ao Paraguai, Francisco leu uma carta que Livieres lhe havia escrito. Nela, o bispo expressava gratidão ao papa bem como a sua “plena comunhão” com Roma.
Segundo um comunicado do Vaticano datado de setembro de 2014, Francisco removeu Livieres de seu cargo por “sérias razões pastorais” não especificadas e “para o bem maior de preservar a unidade da Igreja local”.
Reportagens publicadas na época observavam o apoio declarado do bispo para com o Pe. Carlos Urrutigoity, colega argentino, a quem ele acolheu em sua diocese no ano de 2003, após Urrutigoity deixar a Diocese de Scranton, na Pensilvânia, em meio a acusações de abuso sexual.
Urrutigoity foi citado em uma ação judicial em Scranton relacionada a abusos sexuais, caso amplamente divulgado pela mídia em 2002. Na época, ele e outro sacerdote, Eric Ensey, foram suspensos pelo então bispo James Timlin em meio a acusações de terem molestado sexualmente alunos de uma escola católica local.
A diocese e as vítimas teriam chegado a um acordo na casa dos 450 mil dólares em 2006.
Uma nota de 2014, publicada no sítio eletrônico da Diocese de Scranton, identificava Urrutigoity como uma “ameaça grave aos jovens”. Mesmo assim, Livieres, que até o fim acreditou na inocência de Urrutigoity, fez dele vigário-geral de sua diocese, no Paraguai; com efeito, Urrutigoity tornou-se o segundo no comando da diocese.
O Vaticano, porém, negou ser esta razão da destituição de Livieres.
“Livieres não foi tirado de seu cargo por motivos de pedofilia”, disse o porta-voz do Vaticano, Federico Lombardi, à imprensa da época. “Este não foi o principal problema. Havia sérios problemas na administração da diocese, na formação do clero e nas relações com outros bispos”.
Lombardi não deu detalhes, mas mencionou diferenças com outros bispos quanto à formação oferecida no seminário e aludiu às observações de Livieres, feitas em entrevista a uma rede de televisão no início do ano passado, em que acusava de ser gay o agora arcebispo emérito Pastor Cuquejo, de Asunción, capital paraguaia.
Nascido em Corrientes, Argentina, e membro da Opus Dei – grupo católico com um perfil abertamente conservador –, Livieres esteve sob investigação vaticana por vários motivos.
Ele esteve em desacordo com seus colegas bispos paraguaios por se opor à candidatura presidencial do ex-bispo Fernando Lugo, representante de esquerda e simpatizante da Teologia da Libertação.
O Vaticano ordenou que Lugo não concorresse para presidente. Ele concorreu mesmo assim – e ganhou –, sendo em seguida expulso do sacerdócio. Lugo foi deposto do cargo de presidente em 2012.
Livieres opunha-se à candidatura de Lugo por dois motivos: discordava da “confusão entre religião e política” que fez com que Lugo deixasse a Igreja para se juntar às fileiras de um partido de esquerda local, e reclamava daquilo que chamou de irresponsabilidade “moral e administrativa” do candidato.
Depois que Lugo foi eleito presidente, tornou-se público que ele havia tido casos amorosos com várias mulheres e que era pai de mais de um filho. De acordo com Livieres, a hierarquia católica no Paraguai tinha ciência desta situação antes mesmo de apoiarem a candidatura.
Lugo não era o único membro da hierarquia local que Livieres criticava.
Em uma carta entregada por ele pessoalmente ao Papa Bento XVI durante uma visita a Roma e que posteriormente vazou para a imprensa, o argentino denunciava a “desordem doutrinal” e “falta de coerência entre a doutrina da Igreja, por um lado, e as ações dos bispos e sacerdotes, por outro”.
Em entrevista ao jornal local Última Hora, Livieres denunciou a Igreja paraguaia por estar tomando uma direção diferente daquela assumida pela Igreja universal. Essencialmente, dizia ele, neste país a Igreja se transformou numa “ONG na melhor das hipóteses” e “num instrumento de violência e luta de classes”.
No tocante a haver problemas na administração da diocese, Livieres estava sendo investigado, desde junho de 2014, por ter deixado um déficit próximo de 800 mil dólares.
Antes de destituir Livieres de seu cargo, o Papa Francisco enviou o cardeal espanhol Santos Abril y Castelló e o bispo uruguaio Dom Milton Luis Tróccoli ao Paraguai para investigar a diocese.
Como medida de precaução, Livieres removeu Urrutigoity de seu cargo na diocese poucos dias antes de a intervenção conduzida por Albril y Castelló começar.
No que foi visto como uma medida inédita, o Vaticano suspendeu, dias após a investigação terminar, a ordenação de novos sacerdotes do seminário de Ciudad del Este, seminário que Livieres tinha aberto logo depois que fora nomeado para a diocese por São João Paulo II.
Quando foi anunciada a suspensão das ordenações, Livieres confirmou a decisão do Vaticano.
“Estamos diante de uma medida de precaução tomada pelo Santo Padre até que esta situação seja esclarecida”, disse ele na época.
Segundo Livieres, a medida seguiu-se após histórias “injustas, infundadas e caluniosas” contadas tanto pela Conferência dos Bispos paraguaia quanto pela embaixada do Vaticano no país.
“Suspenderei, com toda a vontade, tudo aquilo que o Papa Francisco quer que eu suspenda, porque eu faço o que Deus quer – e o porta-voz de Deus é o papa”, disse ele.
O seminário de Ciudad del Este é um dos dois seminários diocesanos no país; o outro é fica em Asunción. A pedido Livieres, os futuros sacerdotes recebiam formação para celebrar a missa tanto no rito ordinário como no rito latino, e eram ordenados depois de quatro anos de formação apenas (seis é a exigência normal).
Depois ter sido destituído do cargo de bispo, Livieres escreveu um blog. Este teve curta duração.
Embora tivesse palavras rancorosas para com “os demônios humanos” que haviam fechado o seu seminário e rotulado a decisão do papa como sendo “infundada e arbitrária”, ele também escreveu que estava aceitando toda esta situação como um sinal de obediência e apelou aos que o defendiam dizendo que rezassem, fossem fiéis à sua vocação e obedientes ao novo bispo.
Dias antes de sua morte, Livieres recebeu em seu quarto de hospital, nos arredores de Buenos Aires, dois de seus colegas bispos paraguaios: Dom Edmundo Valenzuela (da Arquidiocese de Asunción) e Dom Guillermo Steckling (seu sucessor em Ciudad del Este). Pessoas que testemunharam o encontro o definiram como tendo sido “cheio de amor, calor humano, fraternidade e espiritualidade”.
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Morre polêmico bispo paraguaio Rogelio Livieres Plano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU