30 Julho 2015
Naeem, um bebê afegão, respira agitadamente enquanto dorme. Sua mãe o envolveu em vários panos para proteger seu corpinho dos mosquitos, que já deixaram marcas em suas bochechas, vermelhas como brasa por causa dos 38 graus de temperatura ambiente. Naeem dorme em uma barraca de campanha, transformada pelo calor em um forno.
A reportagem é de María Antonia Sánchez-Vallejo, publicada pelo jornal El País, 29-07-2015.
Os cerca de 50 iglus de plástico enfileirados no Campo de Marte, um parque central de Atenas, são o lar precário de umas 50 famílias (aproximadamente 200 pessoas) que sobrevivem há dias nessa inclemente etapa final de sua viagem à Europa --os mais pobres dos pobres, sem dinheiro para seguir o trajeto depois de ter pago os últimos dólares, mil euros por cabeça, para cruzar da Turquia, onde Naeem nasceu há um mês, à ilha grega de Lesbos.
Dali, como outros milhares de refugiados e solicitantes de asilo chegados desde janeiro às ilhas gregas do mar Egeu, uma balsa os transportou ao porto de Pireu, perto de Atenas. Centenas de sírios e afegãos perambulam por várias praças da cidade ou sobrevivem no parque sem água, sem condições de higiene, sem comida. Os centros de acolhimento estão lotados, e os de detenção de estrangeiros do Ministério do Interior, vazios desde fevereiro, enquanto a Europa se inibe na hora de aliviar suas penosas condições de vida e a pressão agoniadora sobre os principais países receptores: Grécia, principalmente, e Itália.
Até 17 de julho, 101 mil estrangeiros (60% sírios e 20% afegãos) tinham chegado à Grécia desde janeiro, 600% a mais que em igual período de 2014. Com exceção de mil, que o fizeram por terra, os demais entraram por via marítima, segundo a delegação local da Acnur, a agência da ONU para os refugiados.
"Muitos moradores nos ajudam, algumas ONGs e afegãos que vivem em Atenas e nos trazem frutas ou arroz. Não há água, só um pouco para nos refrescarmos, mas não sabemos se é potável. Não temos dinheiro para dormir em um hotel, só alguns euros para leite e bolachas, e as crianças têm problemas de pele por causa dos mosquitos, além de vômitos e diarreia", explica Bilak, da etnia tayika, que afirma que o inferno do parque é preferível "à insegurança da guerra" em seu país. "Os talebans entravam nas casas, confiscavam a comida e ameaçavam nossas mulheres. Aqui pelo menos não há violência", afirma, enquanto mostra os papéis que a Acnur lhes entregou. "Se não pedirmos asilo, temos um mês para sair da Grécia. Não queremos ficar, mas tampouco temos dinheiro para continuar, os traficantes cobram caro."
Em plena crise econômica, com controles de capital que frustraram inclusive uma remessa urgente de 300 milhões de euros da Comissão Internacional da Cruz Vermelha, muitos cidadãos --ativistas, voluntários, moradores-- lutam desesperadamente para aliviar esta crise humana, enquanto as autoridades estão limitadas material e administrativamente. O Ministério da Imigração tenta estabelecer um centro de dia onde os imigrantes possam se lavar ou fazer uma refeição; a região da Ática assumiu a coordenação dos trabalhos de emergência. "É um problema de tal magnitude que nos supera, tudo o que fizermos será um remendo. Estamos acostumados a que cheguem refugiados, mas nunca vivemos nada semelhante", explica o também afegão Nasim Lomani, presidente da Rede de Imigrantes, uma associação local que "coordena as doações de particulares, especialmente de água e comida, e produtos higiênicos como fraldas".
"São refugiados de guerra, não têm nada e não querem ficar na Grécia, para eles este deveria ser um país de trânsito. Mas o ritmo das chegadas, cerca de 600 por dia, às ilhas [Lesbos, Samos, Quios, Leros e Kos] é insustentável", explica Dimitra Koutsavli, porta-voz da Médicos do Mundo-Grécia, que tem um pequeno albergue com capacidade para 70 pessoas em sua sede central, "sobretudo famílias monoparentais e refugiados doentes, todos solicitantes de asilo, é a condição para ficar".
As ONGs também prestam ajuda em campo, em Lesbos e Quios, onde vários centros de recepção se encarregam, "com a ajuda de muitos voluntários", de orientar os recém-chegados sobre a burocracia do asilo e lhes dá "kits sanitários, roupa e sapatos".
A entrega desses pacotes de emergência também pende de um fio, se prosseguirem os controles de capital, "cujas penosas consequências estamos começando a sofrer", salienta Koutsavli, "porque não podemos mais financiar alguns programas, e nossos doadores também congelaram suas remessas devido às limitações bancárias. Ainda temos um certo estoque de kits sanitários e de alimentos, mas, se continuarem os controles, logo ficaremos sem nada".
Nos pórticos da praça Omonia, um dos pontos nevrálgicos de imigrantes em Atenas, um casal de sírios recém-casado, que não quer dar seu nome e afirma que deseja chegar à Suécia, suporta à sombra a inclemente onda de calor. De noite, dormirão ao ar livre, em um saco, no centro da praça, em companhia de dezenas de seres tão despossuídos quanto eles. A jovem, com um véu decoroso e o rubor do sol na fronte, esconde-se atrás do marido para confessar, timidamente, que esta viagem é o mais parecido que tiveram com uma lua-de-mel, "mas nunca sonhei que fosse assim, ao ar livre". "Pelo menos podemos ver as estrelas, e não as bombas", diz com ênfase seu marido, de 20 e poucos anos, como ela.
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Antes local de passagem, Atenas se transforma em ratoeira para refugiados - Instituto Humanitas Unisinos - IHU