29 Julho 2015
Se a economia abrisse mão do ser humano, não estaríamos mais diante de uma ciência, mas sim da prática de um culto extravagante qualquer, cuja liturgia se manifestaria na solução de sofisticados exercícios matemáticos; e esse é o foco do "paradigma tecnocrático".
A opinião é do economista italiano Flavio Felice, professor da Pontifícia Universidade Lateranense, diretor da Área Internacional de Pesquisa “Caritas in Veritate” para o Estudo da Doutrina Social da Igreja e presidente do Centro de Estudos Tocqueville-Acton. O artigo foi publicado no jornal Avvenire, 23-07-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
A encíclica do Papa Francisco Laudato si', como afirmado por Stefano Zamagni justamente nas colunas deste jornal, se coloca em continuidade com o magistério social e, ao mesmo tempo, representa um desafio muito interessante: repensar algumas categorias econômicas e políticas à luz do primado da pessoa e promover a implementação de uma economia de mercado dinâmica e inclusiva, contra a lógica predatória-extrativa da renda e do monopólio. Dada a vastidão do documento, vou me deter por referência a duas categorias: o ambiente como "bem comum" e o "paradigma tecnocrático".
A referência ao "clima" como "bem comum" (n. 23) parece ser extremamente interessante. Se por "bem público" se entende um bem que apresenta as características de não rivalidade e de não exclusividade, com o adjetivo "comum", identifica-se um particular regime proprietário (sociedade civil) para a sua alocação.
Desse modo, o Papa Francisco parece cruzar uma interpretação muito significativa na literatura das ciências sociais, que tenta superar a dicotomia "Estado-mercado", também no campo das políticas ambientais.
Considere-se, por exemplo, a teoria não convencional dos Commons, desenvolvida nas últimas décadas pelo prêmio Nobel de Economia Elinor Ostrom, dirigida à busca de uma solução alternativa para essa dicotomia para o governo dos recursos comuns, em realidades sociais complexas.
Trata-se de dar origem a instituições da sociedade civil próximas territorialmente aos problemas que esperam ser resolvidos. Tal abordagem também iria ao encontro da noção de "via institucional da caridade", apresentada por Bento XVI na Caritas in veritate, n. 7, e nos protegeria de uma ideia de "bem comum" que se resolve na pretensão monopolista da política e vê no "Estado" a cúpula sintética para a qual toda atividade humana deveria tender. Visão que se opõe à poliárquica do "bem comum", que, ao contrário, surge desde a Gaudium et spes e da Dignitatis humanae.
Em segundo lugar, a referência ao "paradigma tecnocrático" (n. 106 e ss.) é de grande interesse, porque nos diz que a economia, naturaliter, é para a pessoa, porque, no âmbito do que diz respeito aos assuntos sociais, não existe senão a pessoa. Só a pessoa age, só a pessoa pensa, sofre, espera, alegra-se, em última instância, só a pessoa escolhe.
Se a economia abrisse mão do ser humano, não estaríamos mais diante de uma ciência, mas sim da prática de um culto extravagante qualquer, cuja liturgia se manifestaria na solução de sofisticados exercícios matemáticos; e esse é o foco do "paradigma tecnocrático".
Os economistas se transformam em improváveis Dr. Frankenstein, que, em nome de poucas, aproximativas e supostas leis econômicas, pretendem dominar o mundo. Seria interessante comparar a crítica que o Papa Francisco move ao "paradigma tecnocrático" com a mesma crítica movida pelo economista alemão Wilhelm Röpke, quando estigmatizava os ensinamentos de Keynes e dos seus seguidores, que haviam levado a ignorar a realidade em contínuo movimento do mercado na sua pluralidade (preços, salários, juros etc.), substituindo-a por "uma espécie de engenharia econômica, cada vez mais adornada com equações matemáticas".
Ao lado disso, acredito que outro possível verbete do "paradigma tecnocrático" pode ser identificado no "consumismo". É justamente próprio do velho neoliberalismo keynesiano, intervencionista e dirigista, e que não tem nada a ver com a "economia livre" descrita por João Paulo II no parágrafo 42 da Centesimus annus, enfatizar o consumo como motor da economia.
Uma reflexão mais atenta nos ajudaria a redescobrir uma realidade extravagante: o motor do sistema é a poupança e as virtudes que isso implica; a poupança investida em projetos empresariais de alto valor agregado, que só o são se se cruzam com uma alta produtividade do trabalho.
Concluindo, uma análise que não seja meramente quantitativa do crescimento econômico, mas atenta ao autêntico desenvolvimento humano e integral, nos diz que, enquanto a poupança representa o motor das economias de mercado, a qualidade do consumo indica a direção que está tomando uma determinada economia; em última análise, se estamos levantando a cabeça ou se estamos tristemente nos suicidando.
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Papa Francisco arquiva o velho Keynes. Artigo de Flavio Felice - Instituto Humanitas Unisinos - IHU