Por: André | 29 Junho 2015
Após um longo período de incerteza política, as autoridades dominicanas se dispõem agora a expulsar milhares de pessoas de ascendência haitiana, após decidir que já não são consideradas dominicanas nem que lhes é permitido morar no país. As expulsões em massa poderão começar a qualquer momento. Em 2013, a máxima instância judicial do país decidiu que os filhos e filhas de estrangeiros indocumentados, nascidos após 1929, não tinham direito à nacionalidade dominicana. A grande maioria das pessoas atingidas por esta decisão é dominicana de ascendência haitiana. Da noite para o dia viram-se privadas da sua nacionalidade e convertidas em apátridas.
A reportagem é de Robin Guittard e publicada por Anistia Internacional, 19-06-2015. A tradução é de André Langer.
Maritza é uma jovem dominicana típica. Com seus 26 anos, tem os mesmos sonhos e esperanças que qualquer outra pessoa compatriota. Gostaria de estudar e proporcionar uma vida melhor para a sua filha.
Os sonhos de Maritza estão se desvanecendo rapidamente. Hoje está com medo em relação ao futuro da sua família. Embora sempre tenha vivido na República Dominicana, devido a uma peculiaridade da legislação dominicana é possível que em apenas poucos dias seja obrigada a sair para sempre do seu país.
Conheci a Maritza esta semana, no segundo dia da visita que a Anistia Internacional está fazendo à República Dominicana. Mora em El Seibo, região de ondulantes colinas que se erguem, cobertas de exuberante vegetação tropical, na parte oriental da ilha. A paisagem está salpicada de inúmeras plantações de cana de açúcar. A vida parece amável aqui, mas não para todos. Em meio a tão maravilhosas vistas, noto muito medo e vejo alguns dos aspectos mais tenebrosos da realidade da República Dominicana.
Falei com muitas pessoas que, como Maritza e sua filha, são de ascendência haitiana e temem pela sorte que espera por elas nos próximos dias e semanas.
Incerteza política
Após um longo período de incerteza política, as autoridades dominicanas se dispõem agora a expulsar milhares de pessoas de ascendência haitiana, após decidir que já não são consideradas dominicanas nem que lhes é permitido morar no país. As expulsões em massa poderão começar a qualquer momento.
Em 2013, a máxima instância judicial do país decidiu que os filhos e filhas de estrangeiros indocumentados, nascidos após 1929, não tinham direito à nacionalidade dominicana. A grande maioria das pessoas atingidas por esta decisão é dominicana de ascendência haitiana. Da noite para o dia viram-se privadas da sua nacionalidade e convertidas em apátridas.
A mãe de Maritza veio do Haiti e seu pai é dominicano. Embora não seja migrante, a jovem nunca teve acesso a nenhum documento de identidade na República Dominicana. Sem prova de ter nascido no país, encontra-se em uma situação sumamente vulnerável. Sabe que no dia 17 de junho foi concluído um plano de regularização de migrantes indocumentados que se estabeleceram no país e que quem, como ela, não conseguiu se regularizar será expulso na sequência. Caso os funcionários da migração forem até sua casa, poderá ser presa e expulsa do país em que sempre viveu.
“O que vou fazer amanhã se me mandarem para o Haiti?” Ouço com frequência esta pergunta ao longo do dia em El Seibo. Maritza e as outras pessoas se sentem como se estivessem vivendo um pesadelo num filme de ficção científica. Mas, como vão as autoridades dominicanas expulsá-las do país? Lamentavelmente, não se trata de uma apaixonante produção de Hollywood, nem são elas atrizes; a ameaça é real e iminente.
O governo dominicano não deixa de fazer declarações tranquilizadoras, pois sabe que é objeto de observação internacional, mas não deu nenhuma garantia de que não se vá expulsar ninguém nascido no país. Na realidade, na República Dominicana não há um procedimento claro de expulsão. Por conta disso, o risco de que se cometam arbitrariedades e novas violações de direitos humanos é enorme.
Famílias destroçadas
“Não sou estrangeiro. Meu pai veio do Haiti; eu, não”, me disse Franklyn Alcino, jovem de 19 anos, cujo desespero e exasperação eram evidentes e cuja família ficaria dividida.
A República Dominicana destruiu sua família com uma multidão de tormentos jurídicos. O irmão maior de Franklyn não teve problemas para obter o documento de identidade dominicana, mas sua irmã Yenni e seu irmão Wilson não o conseguiram.
Todos os irmãos Alcino são filhos da mesma mãe e do mesmo pai, mas a arbitrariedade da política dominicana sobre a nacionalidade faz com que alguns corram o risco de serem expulsos e terem que viver no outro lado de uma fronteira internacional, em um país que não conhecem e onde nunca estiveram, a centenas de quilômetros do seu lar em El Seibo.
O responsável por esta situação é, em última instância, o Estado dominicano. Por isso, quando o presidente Medina se dirigiu à Nação na quarta-feira à noite, às vésperas da retomada das expulsões, eu esperava, assim como muitas outras pessoas, que instaria a respeitar os direitos humanos e a dignidade de cada uma das pessoas que moram no país. No entanto, parecia estar mais interessado em seu próprio futuro do que na sorte de Maritza, de Franklyn e dos milhares de dominicanos e dominicanas de ascendência haitiana que correm agora o risco de expulsão. Dedicou 20 minutos para apresentar a campanha para a sua reeleição em 2016 e em nenhum momento mencionou a sorte incerta que correm milhares de pessoas em seu país.
O que acontecerá com a família Alcino? Que solução as autoridades podem oferecer a pessoas como Maritza e sua filha, que já não podem ter esperanças? Como o governo do presidente Medina vai garantir que as pessoas que nasceram e se criaram na República Dominicana não serão expulsas para o Haiti?
A Anistia Internacional pede ao presidente Medina para que garanta o pleno respeito dos direitos humanos durante as expulsões. As autoridades dominicanas são obrigadas a examinar cada caso em separado e a respeitar o direito de apelação contra toda ordem de expulsão em um tribunal de Justiça. Estes direitos são os mesmos em todas as partes do mundo, independentemente da nacionalidade ou da condição migratória da pessoa.
Não obstante, o presidente Medina também deve garantir com urgência que as famílias de filhos nascidos na República Dominicana, como os Alcino e Maritza e sua filha, não serão expulsos de seu país.
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“Aqui, todo o mundo tem medo”. A iminente crise de expulsões em massa da República Dominicana - Instituto Humanitas Unisinos - IHU