15 Junho 2015
É difícil pensar em um documento papal recente que tenha produzido tanta expectativa e ansiedade antes de sua publicação como a encíclica do Papa Francisco sobre o meio ambiente, a sair nos próximos dias. Os ambientalistas que vinham, há muito, falando sobre os perigos das mudanças climáticas estão felizes em saber que um papa capaz de falar a toda a humanidade está emprestando a autoridade de seu ofício para o que é, sem dúvida, o maior desafio da humanidade desde o início de industrialização. Pela mesma razão, os críticos e os céticos que há tempos denunciam o alarmismo relativo às mudanças climáticas como cientificamente duvidoso e ideologicamente motivado têm soado o alarme para aquilo que dizem ser uma intervenção equivocada e que só poderá rebaixar a autoridade papal. Quatro elementos, em particular, têm contribuído para elevar os ânimos aqui.
A reportagem é de Austen Ivereigh, publicada por OSV Newsweekly, 27-05-2015. A tradução é de Isaque Gomes Correa. Austen Ivereigh é o autor do livro The Great Reformer: Francis and the Making of a Radical Pope” (Henry Holt, 2014).
Quatro temas-chave
Como um dos autores do esboço inicial da próxima encíclica sobre o meio ambiente, o Cardeal Peter Turkson, do Pontifício Conselho “Justiça e Paz”, fez em março um discurso que serviu como uma prévia detalhada do que se pode esperar dela. Em sua alocução, o cardeal delineou “quatro temas que são tecidos através do ministério e do ensinamento do Papa Francisco sobre a ecologia integral”.
1. O chamado para sermos os protetores é integral e abrangente.
2. O cuidado da criação é uma virtude em seu próprio direito.
3. Iremos e devemos cuidar daquilo que prezamos e reverenciamos.
4. O chamado para o diálogo e uma nova solidariedade global.
Momento crítico
O primeiro é que esta encíclica – carta papal contendo um ensinamento de autoridade, dirigida aos católicos do mundo bem como às pessoas de boa vontade – tem o objetivo específico de influenciar um processo político. Os próximos meses são fundamentais para as negociações tensas que aconteceram durante anos sobre a redução de emissões de carbono.
Uma reunião no mês de julho, em Addis Abeba, na Etiópia, sobre o financiamento internacional, um encontro em setembro da Assembleia Geral das Nações Unidas para discutir metas de desenvolvimento sustentável até 2030 e, sobretudo, as promessas feitas pelos países ricos na Conferência do Clima, em Paris, no mês de dezembro, fazem, segundo os ativistas das mudanças climáticas, deste momento um “tudo ou nada”. Ao mobilizar a comunidade católica em todo o mundo, o Papa Francisco está tentando influenciar, de forma decisiva, em favor da ação, transformando a Igreja num ator-chave na questão.
A par com a ciência
Ciente de sua ousadia e ambição, os críticos se alinharam para deslegitimar a encíclica com antecedência, fazendo lobby junto ao Vaticano e dizendo que as advertências sobre as mudanças climáticas se baseiam em ciência dúbia.
Este é o segundo aspecto incomum desta encíclica, que tomará uma posição a favor do consenso científico das conclusões de 2014 alcançadas pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas – IPCC. O IPCC diz que o clima se aqueceu em grande parte devido ao que os 800 cientistas chamam de um “aumento antropogênico” – ou seja, causado pelo homem – “nas concentrações de gases de efeito de estufa”, a saber: uma concentração de dióxido de carbono em níveis sem precedentes nos últimos 800 mil anos. Se essa tendência continuar, diz o arcebispo argentino Marcelo Sánchez Sorondo – presidente da Pontifícia Academia de Ciências e assessor importante na produção da encíclica –, então “o século testemunhará uma mudança climática e uma destruição do ecossistema sem precedentes, com consequências trágicas”.
O Papa Francisco, que tem formação em Química Alimentar, dará o seu melhor para apresentar a melhor ciência disponível: “Neste tipo de encíclica, que tem de ser magistral, só se pode trabalhar com dados sólidos, com coisas que são de confiança”, disse ele a jornalistas em agosto de 2014. Mas o pontífice sabe que vai enfrentar os críticos da ciência, e que os católicos são livres para questioná-los. No entanto, qualquer posição que as pessoas adotem quanto à ciência, a encíclica irá argumentar que a natureza mostra sinais inequívocos e ameaçadores de uma degradação humana, ambiental e relacional, resultante do desrespeito humano à terra, e que ser um protetor da criação faz parte essencial do que que significa ser cristão. Em suma, o posicionamento moral do cuidado da criação não depende do posicionamento científico sobre o aquecimento global.
O impacto sobre os pobres
O terceiro elemento nevrálgico da encíclica reside no que [o papa] considera como sendo o responsável pela atual situação: um modelo de crescimento econômico e de consumo frenético que tem criado pobreza, desigualdade e destruição ambiental. Ainda que este pensamento vá ser tachado como uma crítica de esquerda, ele é na realidade um tanto conservador: contrariamente ao que muitos ambientalistas afirmam, a encíclica dirá que não são as grandes famílias (a “superpopulação”) o que causa a pobreza, mas uma cultura econômica que coloca o dinheiro e o lucro à frente das pessoas.
Francisco argumentará que são, sobretudo, os pobres os que pagam o preço pela ganância do consumo ocidental, sofrendo os impactos dos rios poluídos, do desflorestamento, da perda da biodiversidade, da insegurança alimentar e da água, e tendo de viver em condições meteorológicas extremas. O Papa Francisco acredita que os países ricos serão julgados por seus esforços ou fracassos em nome dos pobres. A encíclica pode não especificamente ensejar o que o chefe do Conselho dos Cardeais, o hondurenho Óscar Rodríguez Maradiaga, chamou recentemente de “uma visão de capitalismo que não quer renunciar os danos ao meio ambiente por causa dos lucros”, mas é certo que ela vai advertir contra o que Francisco chamou, na Evangelii Gaudium (“A alegria do Evangelho”), de o mito da economia do gotejamento.
Um chamado à mudança
Embora haverá muitos elementos na encíclica para enfurecer os céticos das mudanças climáticas e os defensores do livre mercado, ela será, não obstante, em vários sentidos, um documento um tanto conservador, sustentando que o respeito pela ordem natural – linguagem normalmente associada com o conservadorismo – se faz necessário na ecologia tanto quanto nas relações humanas. A encíclica argumentará a favor da “ecologia integral” como uma mentalidade necessária para se enfrentar os desafios comuns do desenvolvimento e do meio ambiente, defendendo que, embora a ação do governo possa ajudar, somente uma conversão moral – levando à disciplina e à autolimitação – é, finalmente, capaz de encarar o desafio.
Como disse São Papa João Paulo II, a “conversão ecológica” – uma transformação radical e fundamental nas nossas atitudes para com a criação, para com os pobres e no tocante às prioridades da economia global – se faz necessária: uma conversão que tem os seres humanos como parte de um cosmo divinamente ordenado.
Tendo esta verdade presente, os seres humanos se veem como administradores da criação, sim, mas também como parte integrante dela – uma verdade que também tem implicações na forma como vemos, por exemplo, as relações humanas. Defendendo o casamento como uma união vitalícia entre um homem e uma mulher, o Papa Francisco disse na conferência “Humanum”, em novembro do ano passado, que a crise da família tinha produzido o que ele chamou de “uma crise ecológica humana, pois os ambientes sociais, assim como os ambientes naturais, precisam de proteção”. Ele reuniu estas duas ideias em sua denúncia à “cultura do descartável”, em que o homem se sente, cada vez mais, à vontade para descartar os idosos e os nascituros assim como o faz com o papel e o plástico.
Esta encíclica irá olhar quase certamente para São Francisco de Assis – inspiração para a escolha do nome papal feita por Jorge Bergoglio – como um modelo para um sentido renovado de interdependência e solidariedade enraizada num sentido bíblico de admiração. Assim como São Francisco precisou se despojar para alcançar uma maior unidade com Deus, com a natureza e com os outros, também o Papa Francisco vai chamar os católicos a viverem de forma mais simples, para que outros possam simplesmente viver. Talvez mais do que qualquer outra encíclica nos últimos tempos, esta pedirá a nós católicos que façamos mudanças significativas na nossa forma de comer, vestir e viajar, abrindo uma nova era de testemunho e de ortodoxia cristã.
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O que torna incomum uma encíclica ambiental? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU