Por: Jonas | 29 Abril 2015
É certo que o tema deste post não é o mais importante a respeito da próxima beatificação de Dom Òscar A. Romero, no dia 23 de maio. Essa distinção provavelmente pertence à notícia de que as maras salvadorenhas poderiam renunciar o crime para esta ocasião. Alternativamente, o fato de que até 12 líderes latino-americanos, entre eles todos os presidentes centro-americanos (e talvez Joe Biden), participarão, poderia ser a notícia mais importante. Outras notícias, como os 1.400 jovens que compareceram no domingo a uma reunião de voluntários para o evento, ou a reivindicação do Núncio Apostólico para que Ciudad Barrios seja declarado um lugar de peregrinação pela Conferência Episcopal, podem ser mais interessantes para os peregrinos que vem à beatificação.
Fonte: http://goo.gl/MBPBRB |
A reportagem é publicada por Super Martyrio, 27-04-2015. A tradução é do Cepat.
Nenhuma destas histórias, no entanto, foi o assunto mais comentado entre os seguidores de Romero, nesta semana. O assunto mais popular e polêmico foi o novo jingle para a beatificação. Na quarta-feira, 15 de abril de 2015, um conjunto de artistas comerciais salvadorenhos revelou o conteúdo de som genérico, que lembra uma propaganda comercial dos anos 1980 (pense naqueles da Coca-Cola), com uma letra que procura ser, sobretudo, inofensiva e sem polêmica. Uma mostra:
Um só El Salvador cantando a uma voz,
Não há esquecimento, nem rancor,
Do pobre foi a voz, fez isso com amor,
Um legado nos deixou,
Ao homem devolveu direito e dignidade,
Amar a vida até o Final. Romero, mártir por Amor!
As reações chegaram com velocidade e fúria. Embora tenha se ouvido um defensor ocasional, a maioria das opiniões foi categoricamente negativa e algumas completamente mordazes. “Cinco jingles melhores que o deMonsenhor”, dizia um editorial, enquanto outro arremetia contra um “Romero atenuado”. Uma usuária do Twitter publicou: “Há um lugar no inferno para o ‘talento’ que escreveu a letra e a música” do jingle.
Uma das críticas mais criativas foi uma variação do meme “Hitler fica sabendo” (baseado em uma cena do filme alemão de 2004, Der Untergang - A Queda -, na qual o ditador se enfurece quando percebe que a contraofensiva final contra os soviéticos, que ele havia ordenado, não foi colocada em andamento), cuja falsa premissa é que até Hitler contesta veementemente o jingle.
As críticas do jingle seguem três linhas: (1) objeções aos produtores e elenco por trás da canção; (2) objeções à mensagem/letra; e (3) objeções à qualidade da canção. Por trás de tudo, no entanto, a controvérsia diz respeito a quem tem ou não o direito de definir Romero. Os críticos mais severos alegam que artistas comerciais que nunca deram a cara quando Romero precisava do apoio deles foram referendados com toda a atenção no projeto do jingle, ao passo que outros artistas menos conhecidos, que cantavam a Romero de coração, antes que estivesse na moda agir assim, foram injustamente excluídos. Do mesmo modo, há acusações de que a Telecorporación Salvadoreña (TCS) obteve um monopólio sobre a cobertura da beatificação e que sua sensibilidade excessivamente comercial ditou as opções estilísticas e de produção que cercam o jingle. Algo totalmente contrário a Romero.
As duas primeiras críticas (sobre a produção e o conteúdo) parecem errar o alvo. Para os críticos, a campanha publicitária pretende celebrar que Romero é um mártir, ocultando a razão disto (ou seja, a campanha procura encobrir a discórdia social). Contudo, o outro lado da questão é que uma beatificação não é, como o postulador de Romero já destacou, para o bem de Romero (ou de seus seguidores), mas, sim, para o bem de toda uma sociedade. Consequentemente, é importante para a beatificação de Romero evitar, como diz o velho refrão, pregar ao coro (neste caso, literalmente), pelo contrário, deve-se procurar ampliar e aprimorar o apelo de Romero para que sua mensagem chegue aos que nunca chegou anteriormente. O argumento a respeito da injusta exclusão dos artistas fiéis a Romero tem seu mérito, mas, em última instância, uma beatificação não é a comemoração de uma vitória.
Em um editorial no semanário da arquidiocese, monsenhor Jesus Delgado tratou filosoficamente sobre quem tem o direito de falar em nome de Romero.
Delgado destacou que até mesmo os fiéis seguidores de Romero podem projetar, muitas vezes, sem pretensão, seus próprios pontos de vista e agendas sobre Romero e fez uma comparação com os divergentes pontos de vista a respeito de Jesus nos quatro Evangelhos, que às vezes refletem a tese teológica dos escritores dos Evangelhos. “Corremos o risco”, adverte Delgado, “de ter milhares de retratos de Dom Romero que são muito diferentes e talvez até contraditórios, quando não falsos”. Apesar de Delgado não citar a polêmica a respeito da canção, sua afirmação de que os admiradores de Romero podem pintar uma imagem imprecisa, coloca por terra o argumento de que apenas eles podem cantar seus louvores.
Estas considerações também atingem o último ponto da questão: se, na análise final, a canção simplesmente não está boa. Perguntas sobre um comercialismo excessivo podem ser filtradas na consideração dos méritos. Quando um grupo de 44 artistas estadunidenses se reuniu, em 1985, para gravar o single benéfico “We Are the World’, o jornalista Greil Marcus se queixou que a canção soava como um anúncio de bebidas de cola. “No âmbito da contextualização”, escreveu, “‘We Are the World’ diz menos sobre a Etiópia do que sobre a Pepsi”. Destacou que a constante repetição de frases como “Estamos fazendo uma opção”, junto com o fato de que o conjunto incluía artistas contratados pela Pepsi, resultou em uma mistura de valores caritativos com interesses comerciais.
Em uma “união de artistas” – como “We Are the World” e o jingle sobre Romero – em que todos provêm de vários conjuntos, tocando em gêneros diferentes, para públicos diferentes, o estilo dessa colaboração é tipicamente neutro e nada excepcional. Consequentemente, o problema maior do jingle de Romero é o fato de não possuir uma alma. É por isso que soa tíbio e sem compromisso; inclusive, carece de coincidência temática com Romero, que falou com clareza, inclusive até de maneira estridente, muitas vezes. As inquietações pelo comercialismo e a exclusão, na medida em que são válidas, pioram as coisas, mas o problema principal é que a canção é, pelas razões expostas, inferior.
Nota posterior. Se o escritório de canonização anda procurando uma substituição de último momento, há uma canção que é comercialmente viável e tem muito coração. Está disponível em inglês e espanhol e há uma gravação de áudio, inclusive com um vídeo. “Romero” por The Project, não traz a bagagem de guerras culturais salvadorenhas e conta com milhares de acessos na Internet. Foi compartilhada favoravelmente por numerosas revistas, centenas de blogs (incluindo este) e foi tocada pelo rádio e podcasts, incluindo RomeReports.com. Mais recentemente, foi destacada e fez parte das celebrações sobre Romero, em Londres, das quais o cardeal Vincent Nichols participou.
Também foi tocada pela rádio e televisão em El Salvador.
{youtube}21CN815v2G0{/youtube}