28 Abril 2015
Há poucos meses, nos mesmos dias em que o Santo Padre abria os trabalhos da assembleia sinodal fazendo uso de um tweet com o qual pretendia explicar a hashtag “#prayforsynod”, lançada antes da missa solene de 05 de outubro, foi colocada sobre a minha mesa uma reportagem realizada pelo jornalista e vaticanista Ignazio Ingrao, com o título “O amor e o sexo nos tempos do Papa Francisco”. Lendo a escrupulosa análise escrita por Ingrao, lembro de ter parado numa frase peculiar retratada no texto e pronunciada pelo pontífice: “Devemos olhar a tudo como realmente é. E não como deveria ser. A Igreja quer estar entre as pessoas e não pode ignorar a realidade”.
A reportagem é de Alessandro Notarnicola, publicada por Il sismografo, 27-04-2015. A tradução é de Ivan Pedro Lazzarotto.
Após a leitura, amiúde, interroguei-me sobre a mensagem que o Papa transmite constantemente há dois anos e que Ingrao explicou profundamente na raiz da recente questão jornalística voltada ao Sínodo sobre a família.
Depois de alguns meses da leitura, para o meu prazer e não pouca vergonha, estive com Ignazio Ingrao. Atualmente chefe e vaticanista da revista semanal italiana Panorama e autor de várias obras literárias e de pesquisas sobre o Vaticano, Ingrao aceitou conversar com a equipe do Sismografo para aprofundar “como leigo católico que vive a sua profissião de jornalista mas também como alguém que participa de quem se sente parte da Igreja Católica, essa mensagem específica do magistério bergogliano e as específicas temáticas ligadas ao mundo da informação que interessam à comunicação da Santa Sé com as mídias, e consequentemente, o que não é menos importante, com o povo fiel.
Mesmo lugar, diferentes protagonistas. Sala de imprensa da Santa Sé. Poltronas azuis. Num vai e vem caótico de colegas com o objetivo de seguir ao vivo as atividades do Santo Padre. E por fim, Ignazio Ingrao, apresentando-se no horário exato com um jornal apertado embaixo do braço direito, típico daqueles que por fazer jornalismo não se esquecem de colocar-se sempre do lado do leitor. Em resumo, um profissional distinto.
“Geralmente se fala muito em reformas que se esperam deste pontificado”, iniciou o vaticanista Ingrao respondendo de imediato a uma pergunta que fiz para entender melhor a personalidade da Igreja “bergogliana” – eu acredito que na realidade a reforma já esteja sendo realizada por algumas linhas essenciais: se trata – explicou, mantendo um tom de voz carinhoso e uma expressão reconfortante – de uma reforma de estilo e de linguagem e também de uma Igreja que abriu as portas para todos. Somos filhos de uma época, os últimos dois anos do pontificado de Bento XVI, foram muito angustiantes, porque parecia que a Igreja estava fechada numa corte envenenada por fofocas e situações desagradáveis. Acredito que ver a capacidade de virar a página é algo extraordinário. Essa extraordinariedade deu vida a um percurso que foi em parte marcado pelo Conclave e pelas Congregações preparatórias e em parte responde às exigências do coração do Papa Francisco, às suas aspirações e ao seu estilo”.
Segundo o vaticanista de Panorama, por isso a Igreja católica está hoje empenhada na renovação da linguagem e do estilo que não está somente presente no coração do Papa, mas representa a reforma principal deste pontificado que ainda está dando os primeiros passos.
“É uma igreja profundamente diferente da Igreja de João Paulo II e de Bento XVI”, prossegue o vaticanista. Segundo ele, “o pontificado de Bento XVI foi de natureza pedagógica, propôs novamente temas centrais ao mundo. A Igreja do Papa Francisco por outro lado é uma Igreja que deseja ser companheira de caminhada, uma Igreja que tem um perímetro aberto como aquele desenhado pela Evangelii Gaudium, com uma abertura e uma disponibilidade de acolhimento. Não há duvida de que seja uma Igreja com identidade”.
A coerência de vida do Papa Francisco se coloca entre a própria vida e a palavra, por essa razão segundo Ignazio Ingrao, que durante toda a entrevista se mostrou à vontade e ansioso em atender as curiosidades de um novato como eu, o Santo Padre não utiliza instrumentos particulares ou segredos ou ainda registros de comunicação intencionalmente procurados e, esse caráter específico é frisado pelo fato de que ele somente se apresenta como um Chefe da Igreja católica que usa poucos idiomas (espanhol e italiano), sendo que, porém, não encontra dificuldades em dialogar.
“O que impacta– ressaltou Ignazio Ingrao – é a sua coerência de vida e o seu testemunho. Francisco tem uma grande capacidade de convocar a Igreja, mesmo se em algumas ocasiões sua forma de se comunicar se iguala a um pároco do interior e lhe tenha causado problemas”.
Neste sentido, a utilização das redes sociais por parte do Pontífice mostra todos os dias, cada vez mais, a sua facilidade de comunicação que adquiriu num tempo breve que o fez obter um consenso e uma popularidade enormes: “Existe um grande uso na comunicação das redes sociais por parte da Igreja, mesmo que ainda seja parcial, pois o Twitter é utilizado como um canal voltado aos jovens e a todos os destinatários, mas faltando diálogo este canal fica limitado: no entanto, o fato é que ele é um grande exemplo para muitos”.
Apesar das observações citadas, segundo Ingrao, estes instrumentos digitais não seriam muito próximos ao Papa uma vez que sua comunicação é de caráter pessoal (com o povo de Deus), onde por “pessoal” se deve entender também o caráter ecumênico que Jorge Mario Bergoglio leva consigo desde a distante Argentina.
Mas a quem se reporta especificamente esse Pontífice?
“Eu acredito”, responde Ingrao, “que Bergoglio não se reporta somente aos fiéis, mas ao mundo todo. Essa é a marca do seu pontificado, reportar-se a todos. Uma Igreja que se abre e que chama a todos, este seria o Jubileu da Misericórdia.
Veja: a diplomacia vaticana estava parcialmente embaçada na fase final do pontificado de Bento XVI, hoje reencontrou o seu brilho: todos os líderes do mundo procuram se encontrar com o Papa Francisco porque ele tornou-se um líder. Ele não se ocupa unicamente da Reforma da Igreja mas, desde a viagem apostólica ao Rio de Janeiro, se apresentou ao mundo como um líder mundial.
No discurso que fez ao corpo diplomático definiu suas linhas e então a justiça, da igualdade, luta contra a pobreza, direitos dos cristãos como minorias que sofrem este grave conflito intra-islâmico, o Papa redefiniu algumas linhas, que são os migrantes, os direitos humanitários no âmbito dos conflitos, os direitos humanos, escolheu portanto estas linhas que está seguindo e que levará para as Nações Unidas”.
O Papa Francisco, conservador revolucionário ligado à ortodoxia, como o nosso comentarista gosta de defini-lo, age com sabedoria e rigor. Para Ingrao ele não faz política, mas procura transmitir, através dos seus métodos franciscanos, uma mensagem específica e clara, exatamente como fez, por exemplo, tratando a polêmica questão do genocídio armênio, “para ele a reconciliação está no coração”.
Voltando ao ecumenismo, o vaticanista, ex redator chefe da editora SIR e ex diretor do bimestral Coscienza, que iniciou sua profissão antes de completar 18 anos, desejou deixar claro de que forma a realização do Jubileu extraordinário da Misericórdia tenha feito tremer muitos no interior da própria Igreja, correndo o risco de ser uma pedra lançada sobre o diálogo inter-religioso, mesmo porque a escolha do tema conjugada à decisão de iniciá-lo no próximo dia 08 de dezembro tem um significado histórico pois comemorará o 50° aniversário do início do Concílio Vaticano II. “Ele é um pioneiro, é também consciente que não pode completar essa obra, mas existirão outros que sistematizarão esse trabalho”, acrescenta Ingrao.
Todavia, Ignazio Ingrao não economiza críticas a seus colegas. O jornalista sustenta que em várias ocasiões o sistema de informação se concentra totalmente na figura do Papa Francisco, criando uma antinomia entre o Papa bom e a Igreja má.
“É um esquema errado – explica acentuando o seu discurso sobre a Igreja ‘bergogliana’ – construído sobre a figura do Papa: no centro não deve estar colocada a batalha, porque se difunde uma mensagem distorcida. Não existe uma batalha mas se trata de um diálogo genuíno entre homens de Igreja que tem opiniões difetentes e que discutem o futuro da Igreja. Não é uma batalha de poder, mas de convicções, então é errado alimentar este quadro distorcido. A Igreja não se resume somente ao Papa: alimentar a papolatria faz mal à Igreja e vai na contramão da tendência do atual pontificado.
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“A Igreja católica está envolvida numa revolução de linguagem e de estilo", constata jornalista - Instituto Humanitas Unisinos - IHU