27 Abril 2015
"O Estado do Maranhão fez muito bem em lembrar a desproporção escandalosa existente entre o PIB per capita de lá e o da média nacional. Demonstrou assim o quanto a concentração de riqueza em outros Estados comprova uma das mais importantes finalidades do direito de tributar", escreve Jacques Távora Alfonsin, procurador aposentado do estado do Rio Grande do Sul e membro da ONG Acesso, Cidadania e Direitos Humanos.
Eis o artigo.
Entre as muitas infidelidades do Congresso Nacional à Constituição Federal de 1988, o descumprimento da sua obrigação, prevista no artigo 153 inciso VII é um dos sinais mais claros do domínio sobre ele exercido pelo poder econômico imperante no país.
O artigo 153, inciso VII, dispõe:
Compete à União instituir imposto sobre:
VII - grandes fortunas, nos termos de lei complementar.
A Constituição está em vigor há quase vinte e três anos. Faz mais de duas décadas, portanto, que o Poder Legislativo da União não vota nenhum dos projetos de lei oferecidos por parlamentares à sua deliberação, visando cumprir essa determinação de fazer cair o peso do imposto, também, sobre grandes fortunas.
Uma das formas legais de suprir-se um atraso injustificado como esse, é o de submeter-se ao Supremo Tribunal Federal uma ação de “inconstitucionalidade por omissão”.
Foi o que fez o governador do Maranhão, com sobradas razões. Ajuizou a dita ação contra o Congresso. A inércia do Legislativo Nacional está provada, no caso, pelo simples decurso do tempo. Notícia publicada no site do Supremo Tribunal Federal, datada de 2 de março passado, revela o seguinte:
“ O governador do Maranhão, Flávio Dino, ajuizou no Supremo Tribunal Federal (STF) a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 31 contra o Congresso Nacional pelo fato de não ter sido regulamentado até hoje o imposto sobre grandes fortunas, previsto no artigo 153, inciso VII, da Constituição de 1988. Dino afirma que a renúncia inconstitucional de receita pela União tem estreita ligação com os interesses de seu estado.” (...) “O PIB per capita do Maranhão é de R$ 8.760,34 contra R$ 22.645,86 da média nacional, segundo dados do IBGE de 2014 apresentados na ação. O governador sustenta que a cobrança do tributo permitiria a arrecadação anual de mais de R$ 14 bilhões, de acordo com análise feita a partir de dados da Secretaria da Receita Federal. Levantamento apresentado na ADO aponta que existem na Câmara dos Deputados pelo menos 19 projetos de lei buscando a instituição do imposto sobre grandes fortunas, sendo o projeto de autoria do então senador Fernando Henrique Cardoso aquele que chegou mais próximo de se converter em lei. Aprovado no Senado, porém, o projeto tramita na Câmara desde dezembro de 1989.”
Num tempo como o de hoje, em que bilhões de reais são analisados diariamente pela mídia, apurando danos sofridos pelo país por força da corrupção de agentes políticos e grandes sonegadores de impostos, convém medir, como pretende essa ação judicial, o volume dos recursos perdidos pelos Estados da Federação em decorrência da omissão do Congresso.
Como se sabe, grande parte desses Estados sofre, a cada mês, para honrar compromissos anteriormente assumidos com a União objetivando cobrir suas dívidas. Quanto quitariam dessa obrigação e quanto poderiam melhorar a prestação dos serviços públicos devidos a direitos humanos fundamentais sociais da sua população, se as suas receitas tributárias contassem com o ingresso dos recursos oriundos da sua participação na arrecadação do imposto sobre grandes fortunas?
O Estado do Maranhão fez muito bem em lembrar a desproporção escandalosa existente entre o PIB per capita de lá e o da média nacional. Demonstrou assim o quanto a concentração de riqueza em outros Estados comprova uma das mais importantes finalidades do direito de tributar, ou seja, de a sua pública função social, senão eliminar, pelo menos diminuir as profundas e injustas desigualdades econômicas entre brasileiras/os e entre os próprios Estados da nação.
Não é por falta de projetos de lei, sobre essa matéria, que ela não anda no Congresso. A ação ajuizada no Supremo refere dezenove projetos de lei já submetidos à sua discussão. Um deles esperando votação desde 1989 (!) depois de ter sido aprovado no Senado.
Em 9 de junho de 2010, há quase cinco anos, o site da Câmara dos Deputados parecia indicar votação iminente da matéria:
“A Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara aprovou nesta quarta (09/06) o projeto de lei que institui o Imposto sobre Grandes Fortunas. A ideia é taxar todo patrimônio acima de R$ 2 milhões. A proposta cria 5 faixas para taxação, que variam de 1% a 5%, dependendo do tamanho da riqueza. Pela proposta, não é possível deduzir a taxa do valor pago do imposto do IR. O projeto ainda precisa ser votado pelo Plenário.”
Pelo visto, o Plenário continua parado e pensando, a respeito. O fato de o Legislativo dar prioridade de tramitação a projetos de lei como o da nova maioridade penal e o da terceirização do trabalho pode fornecer uma pista segura das razões explicativas disso. O primeiro aproveita a onda de insegurança crescendo no país, muito acentuada convenientemente pela mídia, para delegar ao poder de repressão penal do Estado o que seria prioridade da educação a seu cargo. O segundo é de interesse urgente do capital e do mercado, pretendendo livrá-los de relações e obrigações trabalhistas, repartindo-as com “terceiros”, para desonerar suas folhas de pagamento, diminuir seus custos e aumentar, consequentemente, os seus lucros. Se fosse, mesmo, para favorecer trabalhadoras/es, não estaria partindo justamente dessas/es as mobilização massiva e contrária ao projeto.
Imagine-se agora as chances da Casa responsável pela elaboração das leis brasileiras, por sua própria vontade, votar um projeto de lei que onere justamente as grandes fortunas. Se muitas das opiniões trocadas pelos Ministros do Supremo, no julgamento de outras ações semelhantes a do governador do Maranhão, colocam em dúvida o poder de qualquer acórdão dali dirigido ao Congresso, obter algum resultado prático, essa poderá alcançar um fim diferente?
Pelo sim e pelo não, “pisar na grana” poderá servir de prova, não só do poder do Supremo Tribunal Federal fazer valer o que julga como da tomada de consciência do Congresso sobre suas obrigações constitucionais.
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