Por: André | 20 Abril 2015
Por ocasião da Assembleia Geral da CNBB, que está acontecendo desde o dia 15 de abril passado e que vai até o próximo dia 24, em Aparecida, a TV Aparecida começou a transmitir uma série de reportagens no programa “Desafios da Igreja”. Um desses documentários relata a realidade da Prelazia do Marajó, encravada na ilha do mesmo nome, situada na desembocadura do rio Amazonas, com uma extensão similar à de Portugal e uma população de 300.000 habitantes.
A reportagem é de Luis Miguel Modino e publicada por Religión Digital, 18-04-2015. A tradução é de André Langer.
Nessa prelazia é missionário há quase 30 anos o agostiniano recoleto navarro José Luiz Azcona, os últimos 28 anos como bispo. Marajó é uma terra de fronteira, territorial e existencial, uma dessas periferias das quais fala o Papa Francisco. As dificuldades que devem ser enfrentadas pela Igreja na região são enormes, a começar pela falta de clero, pois são apenas 18 os padres que atendem esta imensa área, acessível em muitos casos apenas através do transporte fluvial.
O trabalho pastoral é desempenhado na maioria das vezes por leigos, reduzindo-se a presença do padre a uma ou duas vezes por ano em muitas das comunidades espalhadas nas margens dos muitos rios que banham a região.
Na prelazia, o papel do padre ultrapassa as questões espirituais, sendo chamado a ajudar as pessoas a entenderem os direitos sociais, a tomar consciência sobre a importância do voto e a auxiliar as pessoas na luta por dignidade. Tudo isso em uma região onde o desemprego, especialmente dos jovens, é alarmante, onde mais de 40% da população é analfabeta e onde o poder público é praticamente ausente.
A desestruturação das famílias é responsável pela violação dos direitos das crianças e dos adolescentes, muitas vezes pelos próprios pais, sendo vítimas de todo tipo de abusos. Diante desta realidade, a Prelazia do Marajó, pastoreada pelo bispo navarro, tenta dar a resposta que deveria ser dada pelo poder público, em uma região “secularmente abandonada pelas autoridades”, como ressalta dom Azcona, mostrando que este descaso é cada vez maior, o que faz com que a distância social entre os habitantes da ilha de Marajó e o resto do país aumente cada dia mais.
A violência e a criminalidade crescem de maneira alarmante, o que leva o bispo a afirmar que “se a federação não assumir a bandeira do Marajó, irá se afundar cada vez mais” a ponto de dizer que “os cinco primeiros artigos da constituição brasileira não são aplicados no Marajó”. A manifestação disso é que “não há a defesa da dignidade humana, pois as crianças são traficadas, comercializadas, compradas e vendidas para o deleite sexual de monstros” diante do descaso das autoridades. Estamos falando de um dos piores sistemas judiciários do Brasil, país em que a Justiça caminha a passos de tartaruga e quase sempre se esquece dos mais fracos. Os crimes na Amazônia, sobretudo aqueles em que se veem implicados os poderosos, quase sempre ficam impunes, o que leva muitos a afirmarem que ali a vida não vale nada.
Em 2005, dom Azcona tomou conhecimento desta realidade e a partir de então começou uma luta de combate contra a exploração sexual infantil, que pouco a pouco foi abraçada por toda a Igreja do Pará, onde esta é uma prática habitual. Por conta disso, em 2010, foi criada uma Comissão Parlamentar de Investigação (CPI) sobre o abuso e a exploração sexual infantil, que chegou a receber 25.000 denúncias, dos aproximadamente 100.000 casos de abusos de menores por ano que acontecem na região.
Junto com esta realidade da exploração sexual está o problema do tráfico de pessoas, questão que foi abordada pela Igreja do Brasil na Campanha da Fraternidade de 2014. Nessa região, a falta de oportunidades faz com que muitos jovens se deixem enganar por falsas promessas e caiam nas redes do tráfico internacional de pessoas.
O próprio Ministério da Justiça reconhece o papel da Igreja na ação que torna possível que as injustiças que estão sendo cometidas não fiquem em silêncio. Isto faz com que a vida de muitos religiosos e leigos esteja em perigo, a ponto de que, como reconhece a própria Procuradoria Geral do Pará, três bispos desse Estado estejam ameaçados de morte, em consequência da ação profética da Igreja católica na Amazônia. Um destes bispos é dom Azcona, que reconhece abertamente que está na lista de grupos internacionais de tráfico de pessoas.
Ele mesmo confessa que “o pensamento da morte me acompanha sempre”, a ponto de que quando a cada manhã abre a porta de sua casa para ir rezar na capela pensa que “atrás da porta pode estar o meu assassino”. Apesar da situação na qual vive pode dizer que “com a ajuda de Deus não perdi nem um minuto de sono”, confessando que “se um dia Ele me chama para dar testemunho por este povo pobre, por estas ovelhas que são de Cristo, mas completamente abandonadas, feridas, compradas e vendidas a qualquer preço, esse dia será maravilhoso, aquele que eu não poderia receber melhor na minha vida: morrer por aquelas ovelhas que Cristo me encomendou”.
Apesar destas ameaças renunciou à proteção policial, convertendo-se em um verdadeiro testemunho de fé e de esperança de mudança da realidade local a partir da força e do amor de uma Igreja comprometida, de gente disposta a dar a própria vida na defesa dos que precisam de justiça e igualdade, de um bispo que exerce a sua missão profética.
O fato de que dom Azcona já tenha completado a idade canônica e que em breve passe a ser bispo emérito, provoca nas pessoas o desejo de um sucessor que também lute pelos direitos sociais e pela defesa do povo. O testemunho de vida de alguém que as pessoas dizem já pertencer ao Marajó, inspira muitos de seus diocesanos a lutar por melhorias. Ele foi alguém que encheu de alegria a vida da população, que soube ensinar e dar coragem a partir da sua fé.
O desejo do missionário navarro é morrer na ilha de Marajó, porque foi para ali que o Senhor o enviou e ele ama essas terras e essas águas que Cristo lhe encomendou, mostrando que tudo o que fez foi a partir deste lema: “Em nome do Senhor”. Apesar das suas fraquezas, confia “na misericórdia infinita de Cristo para com este pastor mais ou menos medíocre”.
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Dom José Luis Azcona, bispo de uma terra sem lei - Instituto Humanitas Unisinos - IHU