10 Março 2015
“Há partidos que não têm responsabilidade com um projeto nacional, mas estão interessados, sim, em ‘olhar para seus umbigos’”, constata o economista.
Imagem: Arte sobre bandeira nacional/IHU |
A questão que surge é a seguinte: “É possível continuar avançando no social quando o econômico é ortodoxo? Inquestionavelmente, não (pelo menos para mim)!”, destaca Ferrari.
Na opinião do pesquisador, a alternativa é a construção de um ambiente institucional favorável a partir de uma “política de responsabilidade fiscal, políticas monetária e cambiais pró-investimento, política industrial, parcerias público-privadas, reformas estrutural-institucionais, etc.”, descreve.
Nesse sentido o professor defende uma reforma “cuja incidência tributária seja essencialmente sobre renda e capital e não predominante sobre consumo e investimento”, argumenta.
A austeridade nos investimentos de programas sociais, como o Bolsa Família, é um erro na avaliação de Ferrari, pois recoloca a curva da desigualdade na ascendente.
Fernando Ferrari Filho é graduado em Economia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ, mestre em Economia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, doutor em Economia pela Universidade de São Paulo – USP e pós-doutor pela University of Tennessee System (1996). É professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS.
Fonte: www.ufrgs.br
Confira a entrevista.
IHU On-Line - A escolha de Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda foi bastante criticada. O que ela representa?
Fernando Ferrari - Joaquim Levy representa o “mercado”. O que esta instituição preconiza? Ajustes fiscal e monetário, neutralidade das políticas fiscal e monetária, menor intervenção econômica.
IHU On-Line - O que é a Escola de Chicago e como Joaquim Levy imprime esta racionalidade na atual gestão econômica nacional?
Fernando Ferrari - Há várias “tribos” (escolas) de economistas, sendo que, grosso modo, elas são subconjuntos de duas concepções: monetarista e keynesiana. A primeira entende que moeda é neutra, políticas monetária e fiscal não são eficientes e intervenção do Estado na economia causa ruídos no sistema econômico. Os keynesianos entendem que economias monetárias têm falhas de mercado e a intervenção do Estado (enquanto indutor, regulador e articulador de política econômica) é fundamental para mitigá-las. Joaquim Levy, com certeza, comunga da racionalidade monetarista.
IHU On-Line - Um dos marcos do governo petista tem sido o incentivo aos programas sociais para a população de baixa renda. Estes movimentos, aliados à facilitação do crédito e de uma política de juros baixos, pelo menos até o início de 2013, estimula o consumo e, por consequência, o endividamento. De que forma isso se aproxima e se afasta de um Estado de bem-estar social? Como avalia esta situação nos últimos dois anos?
Fernando Ferrari - Crescimento alicerçado em consumo de baixa renda, programas socais e certa intervenção do Estado na economia (mesmo sendo mais pragmática do que ideológica) vinham sendo as diretrizes econômicas dos governos petistas. A partir de 2015, provavelmente, esta lógica econômica deverá ser rompida. O governo parece ter ouvido “o canto das sereias”: ajuste fiscal e controle do processo inflacionário, a quaisquer custos, passaram a ser o foco da área econômica. O ponto é: é possível continuar avançando no social quando o econômico é ortodoxo? Inquestionavelmente, não (pelo menos para mim)!
O governo parece ter ouvido ‘o canto das sereias’: ajuste fiscal e controle do processo inflacionário
IHU On-Line - Entre os economistas, há quem diga que as políticas econômicas do governo são neoliberais e há quem diga que são, em alguma medida, keynesianas. Na sua avaliação, qual dos modelos guia a agenda econômica da presidente Dilma?
Fernando Ferrari - A política econômica, atual e pretérita, não é keynesiana. As políticas implementadas desde a crise do subprime e a grande recessão foram essencialmente pragmáticas e, diria eu, às vezes populistas. Com a nova equipe econômica, a política econômica tende a ser mais market friendly.
IHU On-Line - Por meio de renúncias fiscais, reduções de taxas de financiamento e demais medidas, o governo tem utilizado o estímulo ao consumo como estratégia para o combate à crise. Como encara esta medida?
Fernando Ferrari - Esta estratégia se esgotou. Crescer alicerçado em consumo tem suas limitações, entre as quais, a capacidade de endividamento das famílias. Hoje, em média, cerca de 50% do orçamento das famílias está comprometido com endividamento. Para crescermos sustentavelmente, a formação bruta de capital fixo tem que se elevar dos atuais 18,5% do Produto Interno Bruto - PIB para 25% do PIB.
IHU On-Line - Agora, o governo parece reconhecer que o estímulo ao consumo não é sustentável a longo prazo. Qual seria agora a estratégia do governo para sustentar seu modelo?
Fernando Ferrari - A estratégia para voltar a crescer é criar um ambiente institucional favorável ao investimento. Como? Política de responsabilidade fiscal, políticas monetária e cambiais pró-investimento, política industrial, parcerias público-privadas, reformas estrutural-institucionais, etc. Infelizmente, estamos muito longe disso!
IHU On-Line - Ao observar o crédito facilitado, os baixos salários e tendo em vista as altas taxas de inadimplência no Brasil, como perceber esta relação entre consumo e endividamento?
É possível continuar avançando no social quando o econômico é ortodoxo? Não.
Fernando Ferrari - Conforme mencionei anteriormente, o modelo de crescimento baseado em consumo se esgotou. Ademais, em um contexto de ajuste fiscal, aperto de crédito, elevação de juros e inflação maior, com certeza a inadimplência tende a se elevar. Consequência? Menos demanda, menos produção, mais desemprego. Ou seja, é um círculo vicioso.
IHU On-Line - O governo fala em ajuste fiscal como forma de equilibrar as contas. Mas o que significa ajuste fiscal? Como avalia as medidas propostas e qual a relação real com a redução de gastos públicos?
Fernando Ferrari - A ideia de ajuste fiscal, como se fosse, parafraseando o Jobim, “um samba de uma nota só”, parte do princípio que há desequilíbrios preocupantes das contas públicas. No ano passado, realmente o déficit fiscal preocupou: o resultado primário foi –0,6% do PIB, o primeiro, se eu não me engano, desde a introdução das metas fiscais, e o resultado financeiro foi –6,1% do PIB. Todavia, a relação dívida pública (bruta ou líquida)/PIB não recrudesceu (a bruta e a líquida fecharam próximas, respectivamente, a 63% e 33%).
O ajuste fiscal proposto, em meu ponto de vista, tem como foco o princípio da austeridade e não a responsabilidade fiscal; o primeiro é perseguir, independentemente do ciclo econômico, o equilíbrio fiscal e a neutralidade fiscal, ao passo que o segundo é propor política fiscal contracíclica (contração fiscal em períodos de prosperidade e déficit público em tempos de crise).
IHU On-Line - Levando em consideração as discussões em torno das reformas, que reforma tributária o Brasil precisa e qual está sendo posta em discussão?
Fernando Ferrari - Uma reforma cuja incidência tributária seja essencialmente sobre renda e capital e não predominante sobre consumo e investimento. Termos somente quatro alíquotas de imposto de renda (7,5%, 15%, 22,5% e 27,5%), não termos imposto sobre grandes fortunas, etc., isso não faz sentido. Programas sociais de transferência de renda, investimentos públicos em infraestrutura, saúde, educação requerem recursos. Como obtê-los? Reforma tributária é uma fonte de recursos.
IHU On-Line - Qual o papel das políticas de redistribuição de renda na economia? E qual deve ser o impacto dos cortes e readequações propostos pelo governo?
Em prol da governabilidade, o governo fez uma aliança espúria
Fernando Ferrari - Transferência de renda, tal como o Bolsa Família, é fundamental no curto prazo. Este programa, bem como a recuperação, em termos reais, do poder de compra do salário mínimo nos últimos anos, desde o início do Plano Real, contribuíram para a redução da concentração de renda entre 2000 e 2012 (pelo Índice de Gini, a concentração de renda caiu de 0,589, em 2000, para 0,526, em 2012). Cortar, em momentos de crise como vivemos, tal programa e interromper a recuperação do poder de compra dos salários tende a reverter o processo de redistribuição de renda. Não acredito que isto venha a ocorrer.
IHU On-Line - Qual é o papel da economia no sentido de garantir a redistribuição de renda e manutenção de programas sociais?
Fernando Ferrari - Crescimento robusto e sustentável tende, naturalmente, a impactar na geração de emprego, na renda, etc. Por sua vez, renda maior implica maior receita governamental, criando, assim, um círculo virtuoso, pois, em princípio, ela é revertida em mais programas sociais, mais investimentos públicos, etc.
IHU On-Line - Em que medida o ingrediente político (eleições na Câmara e no Senado e fortalecimento do PMDB, oposição ao governo Dilma) influenciará na implementação das medidas para estabilização da economia e retomada do crescimento?
Fernando Ferrari - Esse é o ponto. Em prol da governabilidade, o governo fez uma aliança espúria: há partidos que não têm responsabilidade com um projeto nacional, mas estão interessados, sim, em “olhar para seus umbigos”.
IHU On-Line - Que Brasil teremos nos próximos quatro anos?
Fernando Ferrari - As perspectivas econômicas para o período 2015-2018 são ruins. Comparativamente a 2011-2014, devemos ter uma inflação média maior, a taxa média de crescimento tende a ser menor, o desemprego deve crescer.
Por João Vitor Santos e Ricardo Machado
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A espúria aliança da governabilidade e o fracasso do projeto nacional. Entrevista especial com Fernando Ferrari Filho - Instituto Humanitas Unisinos - IHU