Por: André | 19 Fevereiro 2015
Na França persistem numerosos casos de atos de claro antissemitismo ou ataques contra o islã. As autoridades detiveram na segunda-feira 16 cinco adolescentes que profanaram centenas de túmulos judaicos em Sarre-Union.
A reportagem é de Eduardo Febbro e publicada no jornal argentino Página/12, 17-02-2015. A tradução é de André Langer.
O pesadelo radical voltou a mergulhar a Europa em um inquietante estado de alerta derivado do atentado perpetrado no sábado 14 de fevereiro na Dinamarca pelo jovem Omar el-Hussein com um saldo de duas vítimas mortais e vários feridos. A semelhança entre a trajetória de Hussein e os responsáveis pelos ataques terroristas em Paris ao jornal Charlie Hebdo – os irmãos Kouachi – e a um supermercado kosher do leste de Paris – Amédy Coulibaly – é muito grande. Em um momento ou outro de suas existências, os quatro homens estiveram ligados ao crime e aos setores do islã radical. Omar el-Hussein havia escolhido como primeiro alvo o desenhista sueco Lars Vilks, um dos primeiros caricaturistas a ser ameaçado de morte pelas caricaturas que publicou em 2007 sobre o profeta Maomé. Da mesma forma que o assassinado diretor do jornal Charlie Hebdo, Charb, a revista Inspire, fundada em 2010 pelo grupo radical Al Qaeda, havia feito um preço pela cabeça de Lars Vilks. Há, não obstante, uma diferença de peso entre as vítimas do Charlie Hebdo e Vilks.
O caricaturista sueco realiza uma profusa campanha contra o islã em associação direta com os grupelhos de extrema direita. Há algumas semanas, Vilks apareceu filmado em um portal da ultradireita sueca enquanto desenhava um cachorro com a cabeça do profeta Maomé. Há vários anos participa ativamente de conferências ou encontros organizados por núcleos de marcado ativismo antimuçulmano como, por exemplo, o Stop Islamization of Nations.
Esse perfil não é comum ao dos membros do Charlie Hebdo. A equipe do jornal satírico francês segue mergulhada em um profundo estado de choque. Apesar de tudo, e depois de uma interrupção da publicação por várias semanas, um novo número de Charlie Hebdo está previsto para este 25 de fevereiro. O último número – 1178 –, publicado no dia 14 de janeiro, ou seja, uma semana depois do atentado do dia 07, vendeu mais de oito milhões de exemplares. A revista, que até esse momento atravessava grandes problemas econômicos, conta agora com mais de 200.000 novos assinantes contra os 10.000 que tinha antes. Entre vendas, doações e assinaturas o jornal conta hoje com mais de 30 milhões de euros. O responsável financeiro do Charlie Hebdo, Eric Portheault, explicou que o dinheiro que entrou com as doações será entregue integralmente às vítimas e às famílias das vítimas mortais do atentado e que em nenhum caso “haverá dividendos para os acionistas”. Não se sabe até agora qual será o conteúdo da próxima edição do Charlie Hebdo. No final de janeiro, o novo diretor da revista, Riss, disse à rádio Europe 1 que, “provavelmente, não haverá caricaturas de Maomé no próximo número”.
Embora a sociedade francesa tenha reagido de maneira exemplar na defesa da liberdade de expressão, persiste no país um clima de surdo receio e numerosos casos de atos de claro antissemitismo ou ataques ao islã ou seus símbolos. As autoridades detiveram na segunda-feira cinco adolescentes que profanaram centenas de túmulos de um cemitério judaico da localidade de Sarre-Union, na Alsácia. Os jovens detidos têm entre 15 e 17 anos. Embora os fatos tenham sido divulgados na segunda-feira, os jovens entraram no cemitério na quinta-feira 12 para destruir cerca de 250 túmulos de um total de 400 que tem esse cemitério construído no século XVIII.
Na entrada do cemitério também se encontra um monumento em memória dos judeus deportados durante a Segunda Guerra Mundial que também foi destruído pelo grupo. De acordo com revelações de membros da comunidade judaica desta região do nordeste da França, esta é a sexta vez que o cemitério sofre um ataque de vândalos. No entanto, a destruição nunca atingiu o grau de agora. O presidente francês, François Hollande, decidiu ir nesta quinta-feira 19 ao cemitério. A decisão se dá em um clima de marcado confronto confessional entre atores políticos de primeiro plano que se acusam de antissemitismo. Assim, o ex-ministro socialista de Relações Exteriores Roland Dumas criou uma enorme confusão quando declarou que o atual primeiro-ministro, Manuel Valls, estava “sob a influência judaica”. Manuel Valls respondeu a essa acusação dizendo que as declarações de Roland Dumas “não honram a república”. Valls pontualizou que “o antissemitismo não é uma opinião, não é uma brincadeira”.
Ao mesmo tempo, os muçulmanos são também objeto de posições ou gestos hostis. No final de janeiro, o Observatório Nacional contra a Islamofobia indicou que entre o dia 07 de janeiro – dia do atentado contra o Charlie Hebdo – e o dia 31 de janeiro foram registrados no país 147 atos antimuçulmanos, o que equivale a que, em apenas três semanas, houve mais ações hostis do que durante todo o ano de 2014. Não obstante, em nenhum caso se pode afirmar ou corroborar que na França exista um renascimento do hediondo antissemitismo primário, nem tampouco que a dor e a emoção que se seguiram aos atentados de janeiro tenham dado lugar a uma violenta caçada dos muçulmanos. São, em suma, os grupelhos de sempre que se metem nas dobras dos dramas para tirar um improvável proveito.
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Alerta diante de um mesmo padrão de ataque - Instituto Humanitas Unisinos - IHU