02 Fevereiro 2015
Na história da Igreja, houve mulheres que tinham cargos semelhantes aos bispos homens. Quem escreve isso é Hubert Wolf, historiador da Igreja, professor da Faculdade de Teologia Católica da Universidade de Münster, na Alemanha, no seu novo livro Krypta. Na sua opinião, haveria alternativas para certas práticas "às quais, às vezes, se atribui um caráter de eternidade".
A reportagem é de Andreas Main, publicada no sítio Deutschlandfunk.de, 28-01-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Krypta – o título do seu último livro – ressoa, em uma primeira leitura, como bastante críptica. Não muito fácil de entender. Não muito fácil de interpretar. Com o subtítulo, tem-se outra visão: "Unterdrückte Traditionen der Kirchengeschichte" (Tradições suprimidas da história da Igreja). E quem conhece o autor – e são muitos, já que os seus livros são muito populares –, quem conhece Hubert Wolf, sabe que o seu livro Krypta não é nada enigmático.
E, de fato, não é. Da primeira à última linha, ele é absolutamente compreensível, mesmo para pessoas que não frequentam universidades teológicas.
Eis a entrevista.
Comecemos pela superfície, pelo título Krypta. Nas Igrejas cristãs, é um lugar debaixo do altar, debaixo do coro. Como o senhor traduz a palavra Krypta?
Certamente, a escolha desse termo foi naturalmente desejada pelo seu significado múltiplo. Cripta é, de um lado, a parte dos fundamentos da igreja. A igreja é construída sobre a "cripta": há o altar e, embaixo, o túmulo dos mártires. Trata-se, portanto, dos fundamentos. Por outro lado, porém, a palavra "cripta" também remete a "críptico": escondido, sepultado, misterioso. E esse é o segundo significado. Muitas vezes, as criptas das igrejas – das igrejas românicas – foram, em um segundo momento, preenchidas e muradas, tornando, assim, os fundamentos não mais visíveis, em certo sentido, escondidos. Para o historiador da Igreja, trata-se de descobrir os fundamentos da Igreja na sua tradição, torná-los, em certo sentido, novamente acessíveis para as discussões atuais sobre as Igrejas e sobre as suas reformas.
Portanto, trata-se de fundamentos escondidos, secretos. O senhor busca tradições submersas da história da Igreja. São tradições que simplesmente se perderam, ou que alguns enterraram deliberadamente?
Aconteceram ambas as coisas. Algumas tradições se perderam, tiveram que se curvar, por algum motivo, a modelos diversos. Mas, certamente, também há tradições que foram suprimidas por aqueles que tinham interesse de suprimi-las, porque, de algum modo, reduziriam a sua influência, as suas prerrogativas, o seu poder.
Na cripta das tradições sepultadas, suprimidas da história da Igreja: é dali que o senhor exuma, por exemplo, mulheres com poderes episcopais, ou leigos que perdoam os pecados. Como o senhor procedeu no seu trabalho – em sentido figurado – arqueológico?
A primeira coisa a salientar é que a história da Igreja Católica não depende do fato de que há um período ideal na história da Igreja que possa, em certo sentido, constituir a norma para uma reforma. Porque "re-formar" significa literalmente "formar de novo" ("reconstituir"). Significa que, se uma reforma deve acontecer na Igreja e ser promissora, ela ocorre no quadro das tradições redescobertas. Nos últimos 25 anos da minha atividade de ensino e pesquisa, ocupei-me repetidamente de temas cujas práticas atualmente em uso, às vezes, parecem ter características de eternidade – e eu tentei traçar um paralelo entre essas práticas em uso e modelos alternativos presentes na história da Igreja.
Por isso, tenho toda uma série de modelos – no livro, estão expostos dezenas deles. Naturalmente, existem inúmeros outros. Eu só quis mostrar – com base em exemplos diferentes em âmbitos diferentes – que existem alternativas ao que hoje é implementado. Essa é, a meu ver, a principal tarefa de uma disciplina como a história da Igreja. A história da Igreja interroga um certo "lugar" do conhecimento – a história – e coloca, por assim dizer, novamente em primeiro plano o que está presente na história. Em suma, prepara a mesa das tradições, de modo que hoje se discuta com base no conhecimento de toda a tradição. Interroga aquelas abadessas que tinham um poder episcopal...
Não eram revolucionárias, eram mulheres com um poder. Agiam quase como bispos, dentro do quadro das tradições eclesiais. Como eram, então, as coisas? O que não foi pelo caminho certo – para as mulheres como abadessas?
Em primeiro lugar, trata-se de uma tradição que foi praticada por 800 ou 900 anos. Portanto, não por uma quinzena de anos, mas por séculos e em lugares muito diferentes, em abadias muito diversas – então, uma tradição relativamente ampla. Ora, no fundo, a pergunta a que eu ainda não pude dar uma resposta definitiva no livro é: por que essas mulheres podem exercer um poder quase episcopal ou justamente poderes episcopais? Essas mulheres dão posse ou destituem párocos, visitam paróquias que pertencem ao território da sua abadia, da sua diocese. Presidem o tribunal competente para os matrimônios, concedem dispensas quando é necessário para permitir matrimônios mesmo entre pessoas com um grau de parentesco próximo. Portanto, têm todos os poderes jurisdicionais que os bispos têm. As únicas coisas que elas não fazem são ordenações e não celebram a missa. Se, depois, observarmos o rito da consagração dessas abadessas e o compararmos com o da consagração dos bispos, notam-se muitos, muitíssimos paralelos.
Ora, podemos nos perguntar: a consagração das abadessas é uma pequena consagração episcopal ou não? Se, porém, se chegasse ao resultado de que não é uma consagração, considerando a história, vemos que há um grande número de homens, mesmo na Alemanha, que atuaram jurisdicionalmente como príncipes bispos, sem nunca terem recebido uma consagração. Isso significa que, por muitos séculos, foi possível exercer plenos poderes na Igreja sem a necessidade, para isso, de uma delegação relativa à consagração. Portanto: quem quer exercer plenos poderes na Igreja precisa, como pré-condição, de uma consagração episcopal.
Se eu, agora, posso mostrar que ou não há mulheres consagradas – o que ainda não se sabe definitivamente – ou que mulheres, mesmo sem serem consagradas, exercem plenos poderes jurisdicionais como bispo, então, deriva daí, para a reforma da Igreja hoje, uma opção extremamente apaixonante, que deve ser levada em consideração. Porque, então, poderia ser realizada uma re-forma (isto é, uma re-constituição) dentro do quadro das tradições eclesiais.
Sobre esse ponto, o seu livro tem algo de subversivo. Recordar antigas-novas possibilidades de como a Igreja pode ser, evidentemente, para o senhor, trata-se de abrir para a liberdade. Seria essa, talvez, a tarefa do historiador da Igreja?
O historiador da Igreja deve pôr as opções em cima da mesa. Naturalmente, aqueles que, neste momento, se encontram em posição de força na opção que se impôs, podem ser céticos em relação a modelos alternativos críveis. Quero dizer: há modelos segundo os quais, como é demonstrado, a comunidade elege o bispo – na Igreja antiga, quem deve presidir a todos também deve ser eleito por todos.
Se esse princípio da antiga Igreja é posto em discussão em referência à práxis atual das nomeações às sedes episcopais, é relativamente claro que, em relação àqueles que atualmente tem o comando – acima de tudo o papa, que nomeia os bispos de modo extremamente livre –, é claro que, dos modelos alternativos, deriva uma força subversiva.
Mas o historiador da Igreja exageraria se apresentasse os seus modelos históricos, por assim dizer, como soluções ideais para o presente. Não se trata disso. Trata-se de fazer com que se ouça, na discussão em vista a uma reforma, a voz da história e dizer: na história da nossa Igreja, tivemos essas tradições. Não cometeríamos nenhuma ruptura das tradições se, eventualmente, hoje, tornássemos novamente fecundos determinados elementos que daí podemos tirar. Ao contrário: uma reforma, um "reformar", um "reconstituir" só funcionam com base em tradições escondidas, mas existentes na realidade histórica.
A história da Igreja Católica na Faculdade de Teologia Católica da Universidade de Münster tem uma certa tradição. Arnold Angenendt, por exemplo, através da recepção da história social da escola francesa das Annales, subverteu, em muitos pontos, a história da Igreja. O seu sucessor é Hubert Wolf, que sempre consegue levar a disciplina para fora do seu gueto disciplinar estrito. O senhor também deverá conseguir isso com o seu livro mais recente: Krypta. Unterdrückte Traditionen der Kirchengeschichte ("Cripta. Tradições suprimidas da história da Igreja"). Falamos sobre como essas tradições se perderam na primeira parte da entrevista. Agora, queremos dar um passo à frente, professor Wolf. O senhor busca tradições submersas na história. São tradições que mostram que determinadas estruturas, assim como hoje nos parecem estar cimentadas na Igreja Católica, de fato, nem sempre assim o foram. Que exemplo pode ser particularmente significativo a esse respeito?
No fundo, cada um dos dez exemplos é significativo. Tomemos, por exemplo, a discussão atual sobre a reforma da Cúria. O Papa Francisco, no seu discurso do dia 22 de dezembro, quando falou, dentre outras coisas, de "Alzheimer espiritual", deixou bem claro que a reforma da cabeça e dos membros deve começar realmente pela cabeça, justamente do alto. Já vimos, no pontificado de Bento XVI, que a colaboração na Cúria não funcionou, porque havia pequenos grupos, pequenos partidos, e porque – por causa da estrutura –, no fundo, o papa não estava suficientemente inserido nas estruturas colegiais que existem naquela Cúria. Vimos isso muito bem com o exemplo da revogação da excomunhão ao negacionista do Holocausto Williamson, da Fraternidade São Pio X. O papa o fez sem saber que ele era um negacionista, embora, no Conselho para a Unidade, presidido então pelo cardeal Kasper, houvesse um dossiê muito encorpado, onde essa informação estava presente.
Ora, basta olhar bem para dentro da história para perceber que justamente esse problema de fundo, que o papa não é suficientemente informado, que as informações que existem na Cúria não chegam suficientemente à cúpula, já existia também na história da Igreja. E, para curar isso, há dois remédios. Um – bastante medieval – era o consistório. Consistório significa que aqueles que, à época, eram os cardeais – de 12 a 20, não eram mais – se encontram cotidianamente com o papa e discutem coisas que dizem respeito ao governo. O papa deve lhes perguntar: "Quid vobis videtur?" (O que vocês acham?). A essa pergunta, todos os cardeais podem expressar a sua opinião, e, com base nela, o papa decide.
Outra história nova é a da Congregação para os Assuntos Eclesiásticos Extraordinários, fundada em 1815 – depois da catástrofe de Napoleão. O papa tinha sido prisioneiro dos franceses e, ao retornar, perguntou-se como isso pôde ter acontecido. Fundou essa congregação, da qual faziam parte os ministros mais importantes – digamos, os chefes mais importantes de todas as outras congregações da Cúria. Podemos chamá-lo de Conselho de Segurança do Vaticano, ou mesmo de gabinete. Significa que não é preciso ir copiar de algum lugar um gabinete político.
Digamos que temos o problema da transparência insuficiente, do processo decisório na Cúria, a direita não sabe o que a esquerda faz. Isso, na história da Igreja, é conhecido há muito tempo, e temos dois exemplos. Para esse problema, há dois remédios que foram longamente praticados com sucesso. São remédios que devem ser novamente considerados, perguntando-nos se um ou outro desses modelos não pode ajudar o Papa Francisco a eliminar aquelas 15 doenças da Cúria que ele diagnosticou.
Em última análise, como teólogo católico, o senhor diz: temos também outras possibilidades. Temos outras tradições. Falemos a respeito disso. Mas o senhor não diz se é preciso ir em uma direção ou em outra. Desse modo, o senhor também se torna, naturalmente, um pouco inatacável.
Sim, sou um historiador. Não sou um sociólogo das religiões, nem um dogmático. Não devo produzir verdades eternas. Devo me limitar às minhas competências. Devo fazer o que sou capaz de fazer. Devo dizer: o papa defende que uma reforma da Igreja é urgentemente necessária. A meu ver, há duas direções em que se pode ir para enfrentar as reformas. Há uma "reformatio in melius" – rumo ao futuro, para a qual eu preciso de novas ideias.
E, depois, tenho outra forma de reforma, a que se refere às origens, que consiste em "reconstituir", reformular, baseando-se em algo anterior, permanecendo, assim, no âmbito da tradição. Eu apresento as possibilidades da tradição – e depois é preciso discutir sobre isso na teologia, mas também em toda a Igreja. Acredito que seja isto, no fundo, o essencial (que por muito tempo não aconteceu): que as descobertas históricas têm um papel nas discussões que acontecem hoje.
Muitos estudantes repetem que a história da Igreja, em certo sentido, tem algo a ver com o passado, que é cansativa, que se trata de aprender de memória uma série de datas de poderosos que dominaram. Mas, depois, alguns, como o meu antecessor Arnold Angenendt, exatamente, de repente, descobrem que Martinho de Tours – que era leigo –, como leigo, pôde ressuscitar mortos. Depois, Sulpicius Severus escreve, como Angenendt já salientou, que, a partir do momento em que recebeu a consagração episcopal, perdeu o seu poder milagroso. Isso mostra, porém, que, para além do magistério e da consagração, existe a possibilidade de adquirir "competências": para a remissão dos pecados, até para ressuscitar os mortos, coisas que têm algo a ver com a radicalidade e com a qualidade do seguimento. Aprendi isso com Angenendt (e lhe sou muito grato) e agora apresentei isso no meu livro sobre as tradições.
Até agora, falamos de reformas na Igreja Católica. Paralelamente, há um debate sobre as reformas também no que se refere ao Islã. O jornal Frankfurter Allgemeine Zeitung escreveu recentemente, ainda antes que o seu livro saísse: "O livro de Wolf também pode ser de grande ajuda do ponto de vista da formação de um estilo, para a islamologia". Em que ponto?
Bem, certamente, é um grande elogio. Se eu o mereço como historiador da Igreja, são outros que devem decidir. Parece-me ter entendido isto: o Islã, como toda grande religião do livro, também tem, naturalmente, uma tradição – mais precisamente, uma imensa história de interpretação do Alcorão. Se, por exemplo, olharmos agora para a fase de formação do Islã, nos primeiros três ou quatro séculos, encontramos um Islã completamente diferente, muito diferente daquele que temos em mente hoje. É claro que, mesmo na tradição islâmica, pode-se falar de reforma apenas dentro da tradição, e não com uma ruptura com a tradição. E, na pesquisa, já está bem evidente que a pluriformidade do Islã deve ser levada em consideração.
No entanto, eu não veria esse compromisso apenas na islamologia. Eu o considero, acima de tudo, uma tarefa da teologia islâmica. Porque a teologia tem um caráter diferente m relação à islamologia. A teologia deve discutir dentro do sistema religioso islâmico com os responsáveis ou não, como faria a islamologia, apenas descrevendo as situações a se considerar. Honestamente, sem o Islã, e sem o Islã na Espanha, não haveria aquela que hoje nós pensamos que seja a cultura ocidental. Nós somos devedores ao Islã por uma função decisiva na transmissão do patrimônio do saber, que, de outra forma, nos teria faltado.
O senhor vê menções na teologia islâmica que levam a pensar que, no Islã, tradições atualmente abandonadas sejam novamente trazidas à tona?
Em Münster, temos também teologia islâmica. Seguramente, vejo passos que tentam superar precisamente os fechamentos fundamentalistas. No fundo, esse é o espírito da abordagem histórica, que nada deve ficar restrito ao fundamentalismo, mas que se possa levar a abertura em consideração. Quando se consideram as pesquisas recentes da teologia islâmica, vejo significativamente também um Islã da misericórdia, isto é, precisamente aquilo que, neste momento, também desempenha entre nós um papel importante no contexto do Sínodo dos bispos.
Um Sínodo que se reunirá novamente até o fim do ano, e em que o tema da misericórdia desempenha um papel decisivo. Então, nos fatos, há os primeiros sinais. E eu acho que são muito importantes. E, acima de tudo, devem se expressar de modo que os simples, os muçulmanos e muçulmanas normais, também possam compreendê-los e discutir a respeito.
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Tradições da história da Igreja: existem alternativas. Entrevista com Hubert Wolf - Instituto Humanitas Unisinos - IHU