21 Janeiro 2015
O ano que recém-começou se preanuncia como a vigília de dois eventos que poderia marcar uma reviravolta nas relações entre as Igrejas cristãs: o Concílio pan-ortodoxo em 2016 e o Jubileu da Reforma em 2017.
A reportagem é de Vittoria Prisciandaro, publicada na revista Jesus, de janeiro de 2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Para as Igrejas protestantes, a década em curso é uma oportunidade para reelaborar a herança de Lutero, no fundo, uma festa, à qual Francisco foi convidado: "Em três anos, se celebrará o quinto centenário da Reforma de 1517", disse, no dia 8 de novembro, durante uma audiência no Vaticano, o bispo Christian Krause, presidente emérito da Federação Luterana Mundial. "Queremos celebrá-lo junto com o senhor, no sinal do amor de Deus como testemunho dirigido a toda a Cristandade da terra".
Para os ortodoxos, ao contrário, se tratará de um "primeiro" absoluto, já que as 14 Igrejas autocéfalas nunca se encontraram em um Sínodo Geral, depois dos sete primeiros Concílios ecumênicos celebrados com a Igreja de Roma. Um compromisso fortemente desejado pelo patriarca de Constantinopla, que desperta entusiasmo entre os observadores ecumênicos, mas é visto com desencanto pelos ortodoxos mais avisados, que temem a prevalência de questões geopolíticas sobre as razões espirituais.
"Os ortodoxos são, plenamente, Igrejas irmãs, a unidade entre eles facilitará o caminho para a comunhão visível na diversidade", diz Enzo Bianchi, prior da Comunidade de Bose. "O seu problema com os católicos é somente o ministério universal do bispo de Roma. Eles aceitam o que foi vivido no primeiro milênio: devemos apontar para isso e pedir apenas que o servo da comunhão em nível universal possa exercer o seu ministério, sempre que essas Igrejas precisem dele". Nesse sentido, é muito importante o encontro entre Francisco e Bartolomeu em Constantinopla.
Na véspera da viagem do papa à Turquia, um seminário internacional organizado pela Fundação para as Ciências Religiosas João XXIII, realizado no Mosteiro de Bose (26 a 28 de novembro), lançou o projeto de uma história do ecumenismo: "Partimos da ideia que o trabalho histórico, nos momentos mais sérios e graves de passagem, possa servir à vida das Igrejas", diz Alberto Melloni, diretor do instituto de Bolonha.
Hoje, defende o historiador, é evidente que – mesmo tendo acabado a época do conflito, da incomunicabilidade e do ódio entre os cristãos – ainda permanecem problemas: "Há 50 anos, o Vaticano II parecia, especialmente aos católicos, que se estivesse a um passo da unidade. Depois, começou a grande época dos diálogos. Hoje, sente-se uma sensação de que, mais à frente do que isso, não se pode esperar de chegar e também se sente um forte retorno do confessionalismo".
Para os católicos, por exemplo, as grandes viradas do Vaticano II não foram resolutivas, porque pediam "uma reapropriação geracional que nunca aconteceu. A capacidade das Igrejas de manter a sua unidade exige um esforço de compreensão do caminho percorrido". É o sentido do projeto dessa obra de pesquisa histórica coletiva, com a colaboração de estudiosos provenientes de diferentes confissões e culturas, que deve começar nos próximos anos.
"O caminho feito é um tesouro importante para não se dispersar. Muitas vezes, na história da Igreja, buscou-se um tempo em que não havia divisões – a Igreja primitiva, das origens, do primeiro milênio –, mas, desde o início, desde Tiago e Paulo, é constitutivo da Igreja estar em caminho rumo à unidade, e não uma realidade da perfeita unidade, que é preciso defender".
Nas duas noites da conferência, o prior de Bose e André Birmelé, pastor e teólogo luterano francês, homem apaixonado pelo diálogo, que ocupou cargos nos principais órgãos ecumênicos – como a Comissão Fé e Constituição do Conselho Mundial de Igrejas – ofereceram a sua leitura da situação atual. Bianchi partiu do impasse do diálogo com os ortodoxos: o último encontro da Comissão Mista, que foi realizado em Amã, em setembro passado, e que devia discutir o primado petrino, concluiu-se sem um texto comum. O próximo encontro será em 2017, depois do Concílio pan-ortodoxo.
Também com as antigas Igrejas orientais, com as quais se estava trabalhando em um texto sobre a natureza e a função da Igreja, o diálogo está bloqueado. Não por acaso, Francisco, voltando da Turquia, quis enviar uma mensagem, dizendo que "as Igrejas católicas orientais têm o direito de existir. Mas o uniatismo é uma palavra de outra época. Hoje, não se pode falar assim. É preciso encontrar outro caminho". A situação parecia estar melhor com os vetero-católicos, mas depois veio "o recente acordo destes com os anglicanos e luteranos sobre a ordenação feminina, que, para Roma, continua sendo um problema".
Quanto ao mundo da Reforma, depois do acordo sobre a Justificação, não se entende mais como continuar: "O verdadeiro problema com os protestantes é a ética. O caminho, até agora", diz Bianchi, "se baseou na fé e na teologia. Mas, hoje, é a cultura que cria divisões nas Igrejas". Sobre certos temas, os bispos católicos dos Países Baixos e da Alemanha estão mais perto dos protestantes do que aos seus coirmãos católicos africanos.
O cenário, depois, se complica ainda mais com a irrupção daquela que Bianchi chama de "terceira transformação do cristianismo": ou seja, o surgimento das novas Igrejas evangélico-carismático-pentecostais, que hoje "constituem a segunda força depois do catolicismo".
As Igrejas históricas, em parte, não sabem como se relacionar com essas novas realidades, em parte, temem a sua capacidade de proliferação. Também nessa frente, pode ser decisiva a novidade do Papa Francisco, que "está exortando ao diálogo também com essas realidades emergentes, porque – disse – o que é decisivo para pertencer ao corpo de Cristo é o batismo. É uma nova ótica para a Igreja Católica".
Essas recentes comunidades cristãs representam um desafio para todo o movimento ecumênico, acrescenta André Birmelé: não apenas pelo número de fiéis – cerca de 750 milhões de pessoas –, mas também porque a maioria delas considera irrelevante "a unidade entre as Igrejas, mesmo estando interessadas na unidade entre os cristãos". Uma atitude que pede que o movimento ecumênico encontre "uma nova metodologia de diálogo" em nível internacional. Não é uma inversão rota em relação à tradição.
A quem olha com certo ceticismo para os longos diálogos bilaterais entre as Igrejas, Birmelé diz: "As conclusões dos diálogos pertencem aos peritos. A sua tarefa é permitir que as Igrejas falam brevíssimas declarações, teologicamente fundamentadas. São expressão de uma vontade eclesial e de uma decisão política", assim como para o acordo sobre a Justificação, que tinha sido "fortemente desejado por João Paulo II".
Com os protestantes, a questão teológica que permanece em aberto é a compreensão da Igreja, dos ministérios e da catolicidade. Para Cyril Hovorun, membro da Igreja Ucraniana do Patriarcado de Moscou e professor da Universidade de Yale, "o problema não é encontrar mais um acordo teológico. Nós, ortodoxos, fizemos isso com as antigas Igrejas orientais há 25 anos, e não mudou nada. O status quo das diferenças parece mais importante do que a unidade. O diálogo deve ser mais amplo e incluir também outros aspectos, como a cultura".
O jovem teólogo fala também de um "ecumenismo ideológico": "Na Igreja Ortodoxa de Moscou, há uma divisão entre liberais e conservadores. Facções que buscam alianças com os seus semelhantes nas outras Igrejas. É o que aconteceu há alguns anos atrás, sobre os temas da família entre Moscou e o Conselho das Conferências Episcopais Europeias. Desse modo, estabelece-se uma linha ideológica que trai a doutrina".
Hovorun defende ainda que o diálogo deveria ser realizado também ad intra: "As Igrejas Ortodoxas são autônomas, não é óbvio o diálogo dentro delas. Falta uma eclesiologia comum, e, quando nos encontramos, vemos que temos visões diferentes da Igreja. Faltou-nos um Vaticano II. Por isso, sou pessimista em relação ao Concílio pan-ortodoxo: se ele for feito, não vão se tocar os verdadeiros problemas ou se agravará o frágil equilíbrio existente até agora".
O nó que ameaça o encontro de 2016 é o contraste entre Moscou e Constantinopla. Alexei Bodrov, diretor do Instituto Bíblico Teológico Santo André, de Moscou, explica bem: "É um assunto doloroso: Moscou e Constantinopla se excomungaram reciprocamente, há alguns anos, por causa do problema da jurisdição sobre a Estônia. Não é um problema teológico, mas geopolítico. O Patriarcado de Moscou é a maior Igreja ortodoxa do mundo, enquanto Constantinopla é a mais influente, mas tem poucos fiéis. A luta pela supremacia entre Moscou e Constantinopla também bloqueia o diálogo com Roma".
A situação, diz Bodrov, é ainda mais agravada pela Ucrânia, cuja Igreja conta com a quase metade dos fiéis do Patriarcado de Moscou. Se ela se tornasse independente, Moscou se tornaria minoria: "Por isso, o Sínodo de 2016 terá muitas dificuldades".
O instituto de Bodrov organizou, em dezembro, em Moscou, um congresso sobre os fundamentalismos, um fenômeno que está "crescendo na Ortodoxia, ligado ao criacionismo. Envolve também alguns bispos e metropolitas. Paralelamente, desenvolveu-se também um fundamentalismo laico, ao qual deve ser somado o islâmico".
Nesse contexto cultural, onde simples fiéis se veem "ouvindo discursos medievais nas igrejas", falar de ecumenismo soa como uma blasfêmia: "A própria palavra é percebida como uma heresia. Quando fazemos projetos ecumênicos, chamamo-los de 'diálogo entre as Igrejas'. Muitos seminaristas estão interessados, mas não há livros, nem professores. Traduzimos a história do Vaticano II e alguns textos do Conselho Ecumênico das Igrejas, mas não é o suficiente. Fiéis e párocos ortodoxos não sabem nada das outras Igrejas cristãs".
Também é verdade que, como declarou o patriarca de Constantinopla, com a chegada de Francisco, "os ortodoxos não têm mais medo de Roma". E o próprio papa não excluiu um encontro com o Patriarca Kirill, de Moscou: "Nós dois queremos nos encontrar e queremos ir em frente".
À espera de 2016 e olhando para o cinquentenário da Reforma de 2017, perguntamos a Bianchi como a Igreja Católica pode acompanhar tais celebrações: "Para nós, católicos", responde, "esse Jubileu poderia ser uma memória a que o Evangelho nos convida constantemente: Ecclesia semper reformanda. O Papa Francisco não tem medo de usar esse termo. Paulo VI também o fazia. Mas nos seus escritos, quando havia a palavra 'reforma', ela era traduzida como renovatio, e não como reformatio".
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Ecumenismo: entre memória e futuro, a novidade de Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU