09 Janeiro 2015
Na Ásia, "convém contar a vida de Jesus da maneira mais condizente com como Ele mesmo pregava há dois mil anos, com as suas parábolas. Uma maneira oriental, não racionalista". Assim sugeria, em uma entrevista de 2009, Pierre Nguyên Văn Nhon, arcebispo vietnamita que teve a surpresa de ler o seu nome na lista dos 15 futuros cardeais com menos de 80 anos que receberão a púrpura em fevereiro.
A reportagem é de Gianni Valente, publicada no sítio Vatican Insider, 08-01-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O Papa Francisco, ao escolhê-lo, também fez uma escolha visada, já que o eclesiástico de 74 anos já estava se preparando para deixar a liderança da arquidiocese de Hanói, para abrir caminho para gerações mais jovens do que ele. O seu perfil de pastor e os critérios com que olhou e viveu o caminho da sua Igreja nos últimos anos ajudam, ao menos em parte, a compreender as razões da sua futura cooptação ao Colégio Cardinalício.
Pierre Nguyên Văn Nhon recebeu o dom da fé por osmose, "sem dor e sem esforço", como ensinava, ainda no século IV, Cirilo de Jerusalém. Como contou o próprio Pierre, na sua família, "ia-se à missa quase todos os dias. Comungava-se. Rezavam-se as orações da noite e aquelas antes e depois das refeições. Acontecia o mesmo em boa parte das famílias católicas vietnamitas".
Uma intimidade com os gestos e as dinâmicas mais habituais da vida cristã que, agora, o ajuda a captar os riscos de dissipação, as novas emergências e as oportunidades inéditas de testemunho que se encontram diante dos batizados no novo Vietnã.
A recessão econômica que despovoa os campos amassa nas periferias urbanas os ex-agricultores, incluindo os cristãos, que muitas vezes, como migrantes, acabam ficando confusos, em uma condição de abandono e de fragilidade.
"Muitos", explicava o prelado na entrevista citada, "acabam não indo mais à igreja, não rezam mais." A solicitude pastoral de Nguyên Văn Nhon sempre se interrogou sobre como preservar e compartilhar a fé cristã nas circunstâncias dadas, mesmo diante das convulsivas mudanças que abalam a sociedade vietnamita. Sob essa luz, o futuro cardeal também calibrou a abordagem em relação às autoridades políticas e os aparatos do poder.
No final de 2007, depois de anos de relativos progressos, a relação entre as autoridades civis e alguns setores da Igreja local haviam novamente entrado em uma fase de tensão. O que estava criando problemas era a restituição inexistente – apesar de reiteradas promessas – de alguns bens imobiliários eclesiásticos confiscados pelo regime nos anos 1950, incluindo a antiga sede da delegação apostólica em Hanói e algumas terras da paróquia dos redentoristas, utilizadas para a construção de um hotel.
Enquanto em Hanói religiosos e grupos de fiéis organizavam manifestações de rua e "rosários de protesto", Nguyên Văn Nhon, naquele tempo bispo de Dalat e presidente da Conferência Episcopal Vietnamita, tinha evitado tomar posições muito conflituosas: "A luta contínua e a contraposição – dizia – não trazem bem a ninguém".
Na sua opinião, a proteção dos bens eclesiásticos devia ser realizada evitando antagonismos exasperados e sempre mostrando que esses bens interessavam apenas em função da missão voltada ao bem de todo o povo vietnamita: "A Igreja – repetia o bispo – pede que elas sejam restituídas não para si mesma, por vontade de barganha e de enriquecimento, mas justamente para fazer com que sejam usados em benefício de todo o povo".
Enquanto alguns meios de comunicação ocidentais falavam de um regime "assustado" com a mobilização eclesial, Nguyên Văn Nhon repetia que "a Igreja sempre segue o caminho do diálogo. E respeita a autoridade civil". Ele citava o discurso dirigido pelo Papa Bento XVI aos bispos vietnamitas por ocasião da sua visita ad limina, quando o então sucessor de Pedro tinha repetido que a Igreja "não pretende, em caso algum, substituir-se aos responsáveis do governo. Deseja somente, em um espírito de diálogo e de colaboração respeitosa, poder assumir uma parte justa na vida da nação a serviço de todo o povo".
Por causa desses posicionamentos, em maio de 2010, quando ele foi empossado como bispo coadjutor com direito de sucessão na arquidiocese de Hanói, Nguyên Văn Nhon recebeu críticas e ataques de setores eclesiais que o acusavam pela sua atitude de diálogo com as autoridades civis e o contrapunham ao arcebispo José Ngô Quang Kiệt, que havia se aliado com as manifestações de protesto em defesa dos bens eclesiásticos, ganhando a hostilidade dos funcionários políticos.
A subsequente renúncia de Ngô Quang Kiệt foram apresentadas como um "triunfo do regime" pelos militantes mais ardentes dos "rosários de protesto", que denegriam Nguyên Văn Nhon, confiando-se o rótulo de "colaboracionista". Foi o próprio Ngô Quang Kiệt que desfez as operações difamatórias dos círculos mais extremistas: com uma carta pública de despedida enviada para a sua diocese, ele explicou que tinha sido ele que havia pedido para se retirar por motivos de saúde, que o Vaticano e a Conferência Episcopal Vietnamita havia rejeitado o pedido e, no fim, só um pedido enviado diretamente ao Papa Ratzinger tinha lhe permitido superar as resistências.
Na sua carta, o arcebispo renunciante pedia que todos os fiéis preservassem a unidade em torno do seu sucessor, convidando a amá-lo "com o amor que vocês sempre tiveram por mim". Apesar disso, nos primeiros dias, alguns grupos organizados também realizaram manifestações de protesto durante as celebrações presididas pelo novo arcebispo, enquanto a maioria dos fiéis o acolheu com carinho e gratidão.
Nos seus quatro anos e meio na liderança pastoral da arquidiocese de Hanói, quando foi preciso, Pierre Nguyên Văn Nhon também não deixou de denunciar publicamente abusos e expropriações forçadas realizadas com a cumplicidade dos aparatos do poder em detrimento das comunidades católicas.
Quando se consumou o caso do mosteiro carmelita de Hanói, demolido para a construção de um hospital em seu lugar, o arcebispo escreveu ao primeiro-ministro Nguyễn Tấn Dũng e aos chefes da administração da cidade para reiterar que a arquidiocese nunca tinha doado ao Estado nenhum dos 95 edifícios de sua propriedade espalhados pela cidade e usados hoje por instituições públicas.
Ao mesmo tempo, o seu ministério episcopal não se deixou absorver nas "santas batalhas" pela proteção dos espaços de relevância imobiliária da Igreja. Nem piscou um olho para complacentes poses antagônicas, sempre celebradas na blogosfera de círculos católicos ocidentais.
Na transição vivida pelo Vietnã, o arcebispo de Hanói acredita que trabalhar sem protagonismos na semeadura cotidiana do Evangelho é mais bonito e mais urgente do que cultivar o simulacro de uma Igreja-força militante, em um estado de denúncia permanente contra os limites e os malefícios de um sistema político empenhado, além disso, há anos, em um delicado e até agora profícuo diálogo com a Santa Sé.
Chamando ao Colégio Cardinalício um bispo maltratado por aqueles que o acusavam de não ser "líder de luta", talvez o papa jesuíta quis sugerir que, também na Ásia, assim como em outros lugares, agora há mais necessidade de bispos pastores do que de bispos guerreiros.
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O novo cardeal vietnamita e o ''caminho da paciência'' - Instituto Humanitas Unisinos - IHU