17 Dezembro 2014
Concluiu-se com a "gratidão" da Santa Sé em relação às freiras norte-americanas o episódio da visitação apostólica às religiosas iniciada em 2008, acolhida por algumas delas com "apreensão e desconfiança" e que resultou em um relatório final (disponível aqui, em inglês), publicado nessa terça-feira pela Sala de Imprensa vaticana, na presença de representantes das próprias irmãs norte-americanas.
A reportagem é de Iacopo Scaramuzzi, publicada no sítio Vatican Insider, 16-12-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Embora formulando algumas recomendações, o relatório reconhece, alinhado com o pensamento do Papa Francisco, o papel fundamentalmente positivo desempenhado pelas freiras nos EUA e, no início do ano dedicado à vida consagrada, quer enviar uma "mensagem de esperança" aos religiosos de todo o mundo.
A visitação para examinar a "qualidade de vida" das mais de 50 mil irmãs norte-americanas iniciou em 2008, quando a Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica era liderada pelo cardeal Franc Rodé.
Este, em uma entrevista à Rádio Vaticano, especificou que, na origem da iniciativa, havia, dentre outras coisas, acusações de "feminismo" que chegaram ao Vaticano contra as irmãs.
O dicastério, lê-se no relatório final da Visita Apostólica para os Institutos de Vida Consagrada das Religiosas nos Estados Unidos da América, "está bem consciente de que a Visitação Apostólica foi recebida com apreensão e suspeita por algumas religiosas. Isto resultou em uma recusa por parte de alguns institutos de cooperar plenamente no processo. Embora essa falta de cooperação plena foi uma dolorosa decepção para nós, aproveitamos esta oportunidade para convidar todos os institutos religiosos a aceitarem a nossa disponibilidade de iniciar um diálogo respeitoso e frutífero com eles".
Em particular, o ano da vida consagrada é "uma oportunidade de graça para todos nós – religiosos, clero e leigos – para dar esses passos rumo ao perdão e à reconciliação que irão oferecer a todos um testemunho radiante e atrativo de comunhão fraterna".
O documento é o resultado de uma visitação em três frases: um primeiro questionário, ao qual nem todos os institutos responderam, visitas in loco e o trabalho de síntese.
Foram consultados 341 institutos religiosos femininos. O documento apresentado nessa terça-feira é a resposta da Congregação vaticana dos religiosos ao relatório final da visitadora, a freira norte-americana Clare Millea.
O dicastério, além disso, enviará relatórios individuais aos institutos que receberam uma visita in loco e aos "institutos cujos relatórios individuais indicaram áreas de preocupação".
O tom geral do relatório final, de todos os modos, é positivo. O documento resume em capítulos várias questões relacionadas com a vida religiosa feminina nos EUA, começando pela queda de vocações (hoje, 50 mil irmãs com uma média de idade superior aos 70 anos; nos anos 1960, eram 125 mil), o tema da identidade e do carisma dos vários institutos religiosos, a formação permanente (muitas candidatas à vida religiosa, especifica-se, "desejam ser externamente reconhecíveis como mulheres consagradas"), a "oração com a Igreja" (capítulo no qual se recomenda que se avalie a "atual prática de oração litúrgica e comum").
O documento exorta ainda a "rever cuidadosamente as suas práticas espirituais e o ministério, para assegurar que eles estejam em harmonia com os ensinamentos sobre Deus, a criação, a Encarnação e a Redenção", a "refletir profundamente sobre a sua experiência vivida da dimensão comunitária", a "administrar os seus recursos, a fim de suprir as necessidades dos seus membros e de fomentar a missão evangelizadora da Igreja", testemunhando sempre a "pobreza evangélica", assim como – convite voltado "àquelas que lideram e àquelas que obedecem" – lembrar que elas são, acima de tudo, "irmãs" e, portanto, "não há espaço para o autoritarismo ou para a submissão cega".
Um longo parágrafo dedicado ao tema da comunhão eclesial cita amplamente o Papa Francisco, recordando em particular que, na Evangelii gaudium, ele deseja que seja reforçado na Igreja o "lugar das mulheres onde se tomam decisões importantes, nos diferentes âmbitos da Igreja".
"Certamente é do interesse de todos – lê-se ainda – o fato de que o Papa Francisco pediu que o nosso Dicastério, em estreita colaboração com a Congregação para os Bispos, atualizasse o documento curial Mutuae Relationes sobre a colaboração entre bispos e religiosos, de acordo com o propósito da Igreja de fomentar a comunhão eclesial que todos nós desejamos".
"Esta coletiva de imprensa me oferece, acima de tudo, a possibilidade de expressar a gratidão da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica às religiosas dos Estados Unidos pela sua presença e por tudo aquilo com que contribuem para a missão de evangelização da Igreja" disse o cardeal prefeito da Congregação para os Religiosos, o brasileiro João Braz de Aviz, citando o seu papel na evangelização, na educação e na saúde.
Questionado pelos jornalistas, o purpurado brasileiro explicou, mais em geral, que a cúpula do dicastério faz várias visitas, "não para encontrar equívocos ou para julgar erros, mas para escutar os sofrimentos, aproximar-se das dificuldades, entender o que acontece".
Quanto à questão feminina, "interpretamos São Paulo um pouco mal – disse Braz de Aviz –, como se o homem fosse a cabeça da mulher, e a mulher fosse submissa: mas voltemos ao Gênesis, o homem e a mulher são complementares, devemos ver essa relação, fundada em Deus Trindade, com luz nova".
À jornalista que perguntava se haverá no futuro uma visitação apostólica aos religiosos, o cardeal prefeito, que destacou o maior número das religiosas em comparação com os homens, desejou, no entanto, que, no futuro, o diálogo se amplie até que não haja mais siglas diferentes para representar as irmãs norte-americanas, mas uma só sigla, que inclua também os homens: "Tantas pessoas se unem para ganhar dinheiro, mesmo sendo inimigas, e nós, que temos o Evangelho e Deus em comum, não conseguimos nos unir?".
O secretário da Congregação, o franciscano José Rodríguez Carballo, evidenciou que, embora a coincidência temporal entre a conclusão da visitação e o início do ano da vida consagrada seja apenas uma "feliz coincidência", mesmo assim, é uma "mensagem de esperança" às religiosas e aos religiosos de todo o mundo.
Também estavam presentes na coletiva de imprensa, a convite do Vaticano – sinal eloquente do diálogo que já se instaurou entre a Santa Sé e as irmãs norte-americanas – a Ir. Agnes Mary Donovan, coordenadora do Council of Major Superiors of Women Religious (CMSWR) e, acima de tudo, a Ir. Sharon Holland, nova presidente da Leadership Conference of Women Religious (LCWR), líder de um grupo de superioras religiosos também objeto de uma investigação vaticana separada, realizada nos últimos anos pela Congregação para a Doutrina da Fé.
O documento apresentado nessa terça-feira, disse a Ir. Sharon Holland, embora reservando-se o direito de aprofundar os seus conteúdos e sem esconder os problemas do passado, é "um texto muito positivo".
Moderaram a coletiva de imprensa o porta-voz vaticano, padre Federico Lombardi, que reiterou "a admiração, a estima e a gratidão" da Santa Sé "pelo que as irmãs norte-americanas fizeram, fazem e farão", e o padre Thomas Rosica, visitador e membro da equipe do serviço de comunicação do Vaticano, que ressaltou que o Papa Francisco está "muito consciente da coletiva e do relatório publicado hoje".
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Conclui-se com a ''gratidão'' do Vaticano a visitação às religiosas dos EUA - Instituto Humanitas Unisinos - IHU