Por: Cesar Sanson | 10 Novembro 2014
O filósofo Renato Janine Ribeiro, professor de Ética e Filosofia Política na Universidade de São Paulo, declarou voto em Dilma Rousseff por achar que o PT conduz melhor as políticas sociais. Mas está preocupado. Segundo ele, a presidenta terá de mudar seu modo de governar se quiser fazer um segundo mandato melhor do que o primeiro: ser menos centralizadora, delegar mais poder e não inibir ministros e colaboradores.
O filósofo concedeu entrevista à CartaCapital, 10-11-2014.
Eis a entrevista.
A vitória de Dilma Rousseff o surpreendeu?
Era imprevisível o resultado, pois nunca tivemos uma eleição tão parecida com um thriller, um romance policial. Se alguém narrasse a morte de Eduardo Campos em um romance ia parecer apelação. Em um ano e meio, uma presidenta passou de 60% de aprovação, uma reeleição tranquilíssima, garantida, para um desgaste, e depois quando surgiu Marina Silva, a chance forte de perder tornou-se real... Foi um trabalho muito grande para obter a vitória.
De onde veio o desgaste?
Em parte da campanha de desconstrução dela e do PT que acontece há ao menos três anos. Nunca li um único artigo, ninguém que acusasse Dilma Rousseff de algum ato de corrupção. Mas na opinião pública de oposição colou a ideia de que a presidenta e o partido eram corruptos. Então houve esse trabalho de desconstrução que culminou com a edição da Veja a poucas horas do segundo turno. De outra parte, o governo cometeu erros. Talvez o principal seja a dificuldade da presidenta de lidar com a política, de negociar.
Dilma não dialogou especificamente com três setores, a começar pelos empresários. Há uma queixa de falta de comunicação, da recusa de Dilma em recebê-los. Em uma sociedade capitalista não há como não ouvi-los. Houve também pouco diálogo com os políticos. Mas o mais grave, a meu ver, do ponto de vista de um partido como o PT, é a falta de comunicação com o povo. Isso nada tem a ver com técnica de comunicação, com marketing. A comunicação com o povo, para o PSDB, pode ser uma questão de técnica. Para o PT é essência, de cerne. Se ele não se comunica com o povo, como pode se considerar “dos trabalhadores”?
Ela tem condições de fazer um segundo mandato melhor que o primeiro, como Lula conseguiu?
Ela precisa. Se vai querer e conseguir é outra história. Embora eu nunca a tenha visto pessoalmente, ouço relatos sobre a dificuldade de diálogo, a tendência mais a dar ordens do que a escutar. É muito difícil mudar os indivíduos. Mas se houver de fato uma disposição maior ao diálogo, ótimo. Sem isso o segundo mandato será muito difícil. Ela precisaria fazer concessões à direita e à esquerda. À esquerda existe uma agenda, ao menos nos temas ligados aos costumes, ao qual ela não deu muita importância. No primeiro mandato ela cedeu às alas conservadoras, mas na campanha foi o pessoal dos Direitos Humanos, das minorias, que a apoiaram, enquanto os homofóbicos e congêneres fecharam com o Aécio Neves. Ela terá de se abrir para esse lado. Na agenda econômica, precisa fazer sinais para a direita ou para o capital. O capital não necessariamente vai assumir as bandeiras da direita, mas ele é por natureza conservador.
A presidenta centraliza demais?
Dizem que ela é centralizadora, delega pouco, inibe os ministros, os colaboradores, desautoriza de público... Isso obstrui a criatividade. Outra coisa: o ministério no primeiro mandato teve pouco brilho, apesar de alguns bons nomes. Quem está informado sobre a atuação na defesa do Celso Amorim, um ministro brilhante durante o governo Lula? Gilberto Carvalho, Marco Aurélio Garcia... Estão apagados agora.
A alegada divisão do Brasil sempre existiu, foi incentivada pelo PT, pela oposição ou pela mídia?
Existe um clima de ódio alimentado por alguns veículos, sobretudo uma revista. Mas acho que ao menos 50% dos brasileiros não dão muita importância à política. Entre aqueles 30% e 40% que dão, há um profundo antagonismo. Mas vejo essa revolta, essa intolerância, mais no eleitorado tucano. Isso não quer dizer que os 48% que votaram em Aécio são intolerantes, um terço, talvez. E um número menor ainda fala em impeachment. Restou, porém, uma divisão, não geográfica, mas entre aqueles que se sentem beneficiados pelas políticas sociais do governo petista e quem se sente prejudicado ou têm preconceito contra a população que subiu na vida nos últimos 12 anos. Havia uma expressão horrorosa nos anos 1960, quando ocorreram os conflitos raciais nos Estados Unidos: “No Brasil não temos isso porque os negros conhecem seu lugar”. A ideia de que o pobre sabe qual é “o lugar do pobre” sempre foi forte no Brasil.
E como fica a oposição?
A grande questão é se os tucanos vão conseguir fazer uma oposição para além do ódio. O PSDB falhou em ser um grande partido liberal, dos empreendedores, e acabou por se tornar o partido do grande capital. O maior problema do PSDB é não ter uma proposta, então acaba atrelado aos votos do ódio. Isso justifica a proximidade com os blogueiros do ódio. Certamente o PSDB não os chamaria para nenhum cargo importante, mas iriam ter um espaço na máquina de propaganda. O problema? O partido acaba por se associar a uma parte do eleitorado que é pior do que a sua liderança, o que me parece um gigantesco erro político.
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"A grande questão é se os tucanos vão conseguir fazer uma oposição para além do ódio", diz Renato Janine Ribeiro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU