27 Outubro 2014
Precisamos de categorias adequadas para mediar o Evangelho da família no nosso tempo: não para mudá-lo, mas para entendê-lo melhor.
A opinião é do teólogo italiano Andrea Grillo, professor do Pontifício Ateneu S. Anselmo de Roma, do Instituto Teológico Marchigiano de Ancona, e do Instituto de Liturgia Pastoral da Abadia de Santa Giustina, de Pádua. O artigo foi publicado no blog da revista Il Regno, 24-10-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Com as diversas intervenções que se sucederam durante o Sínodo extraordinário dos bispos, foram configuradas gradualmente diversas formas de proposta para enfrentar o problema, talvez percebido como o mais difícil, ou seja, a possibilidade de acesso à comunhão por parte dos divorciados em segunda união.
É útil recordar que, ainda segundo a Familiaris consortio, os divorciados em segunda união vivem em comunhão eclesial. A questão que se tenta resolver hoje, mais de 30 anos depois daquele texto, é de que forma se pode garantir a eles o acesso também em plenitude à comunhão sacramental.
A questão deve ser abordada, obviamente, sem pôr em causa o primado da união matrimonial, que a fé cristã considera necessariamente como prioritário.
Eis as posições que surgiram, mais ou menos claramente, do debate:
a) há poucos sujeitos, bastante isolados, que acreditam que o único modo de defender o vínculo do matrimônio é manter totalmente firme a disciplina eclesial, tanto a canônica, quanto a pastoral. Toda pequena mudança disciplinar também seria percebida como uma forma de cedimento e como o início de um perigoso "plano inclinado", que levaria a resultados catastróficos justamente para a unidade do matrimônio;
b) depois, há aqueles que consideram que é preciso se mover de modo absolutamente clássico, mas com a liberdade de adquirir espaços novos em relação a diversos perfis estritamente canônicos e procedimentais, esperando
- uma ampliação dos capítulos de nulidade – uma agilização e uma racionalização das práticas judiciárias
- uma possível atribuição ao bispo de uma competência para um procedimento administrativo mediante o qual se possa reconhecer – não judicialmente – a nulidade do vínculo matrimonial;
c) uma posição diferente, embora muito semelhante a essa segunda, é a daqueles que optam por adquirir uma diferença mais marcada entre matrimônio como contrato e matrimônio como um sacramento. O resultado do raciocínio é o mesmo, ou seja, o reconhecimento de um capítulo de nulidade por falta de fé; mas o aspecto significativo é que essa proposta, recentemente assumida também pelo Papa Bento XVI, introduziria uma novidade não apenas disciplinar, mas também doutrinal, mesmo que apenas no plano da doutrina jurídica, criando uma diferença entre contrato e sacramento, o que, na canonística católica, constitui uma certa novidade.
d) uma solução "pastoral" ou penitencial é defendida por parte de todos aqueles que consideram que um caminho penitencial, em determinadas condições, pode levar os indivíduos à reconciliação e à comunhão eucarística. Essa solução para a questão dos divorciados em segunda união adquire o possível reconhecimento na plena comunhão de cada um dos indivíduos, mas não dos dois sujeitos como (novo) casal.
e) há, enfim, a solução que propõe que se considerar a dissolução do vínculo por "morte" também como extensível à hipótese de "morte do vínculo". Na tradição oriental, essa leitura é possível graças a uma interpretação das "exceções matianas" [referentes ao Evangelho de Mateus] entendidas como verdadeiras exceções. A possibilidade de assumir essa leitura também no Ocidente, no entanto, não é totalmente pacífica.
Cada uma dessas posições, obviamente, apresenta os seus limites. No caso das duas primeiras, vemos aparecer claramente o risco de que se considere a priori a questão dos divorciados em segunda união como uma questão facilmente contornável, ou mediante negação, ou mediante ficção.
A terceira posição abre um espaço de reflexão e de discernimento, destacando a necessidade de uma maior distinção entre matrimônio sacramental e matrimônio civil. Isso, por si só, não impediria que se configurasse a possibilidade de que a Igreja possa, amanhã, reconhecer, posteriormente a um matrimônio sacramental válido, a possibilidade de um matrimônio civil, não sacramental, mesmo entre dois batizados
A quarta posição tem o limite de trabalhar somente no plano individual: de fato, assumindo com toda a seriedade o trabalho do luto pela união fracassada, ela é muito vaga acerca das consequências jurídicas e canônicas da nova união, à qual não dá nenhuma autêntica visibilidade e praticabilidade eclesial. Cada indivíduo pode ser plenamente reconciliado, mas o único casal reconhecido e "visível" é aquele que não existe mais.
Enfim, a quinta posição, considerando a "morte do vínculo", não é forçada a duplicar a realidade, mas requer uma adequada tradução da concepção "objetiva" do vínculo, para poder atribuir ao vínculo conjugal uma história e, portanto, até mesmo a possibilidade de morrer.
Talvez aqui se abra o perfil mais interessante da questão: de que modo cada uma dessas perspectivas de solução conseguirá compor a dimensão objetiva com a subjetiva do matrimônio. Na verdade, o texto da Relatio Synodi apresenta uma sensibilidade para esse tema, quando, ao citar o Catecismo da Igreja Católica, recorda que: "Ainda deve ser aprofundada a questão, tendo bem presente a distinção entre situação objetiva de pecado e circunstâncias atenuantes, dado que 'a imputabilidade e a responsabilidade de uma ação podem ser diminuídas ou anuladas' por diversos 'fatores psíquicos ou sociais' (n. 1735)".
Se aqui a questão levantada pertence a uma tradição "penal", não devemos nos esquecer, porém, de que a mesma lógica, que distingue entre aspecto objetivo e aspecto subjetivo, de fato, superintende toda a organização da matéria matrimonial, às vezes com distinções adequadas, às vezes com justaposições ou sobreposições pouco oportunas.
Um novo balanceamento de aspectos objetivos e de dimensões subjetivas, abrindo a Tradição à consideração daquela "intersubjetividade" que caracteriza precisamente a vida de relação familiar, poderia ser o melhor caminho para sair dos embaraços da doutrina clássica.
De fato, se, permanecendo dentro das suas categorias medievais, carregamos todo o peso da "resistência do vínculo" sobre uma teoria objetiva, acabamos introduzindo, depois, a relevância do sujeito de uma forma só indireta, quase transversal, mas muitas vezes com um resultado paradoxal.
Quanto mais queremos fortalecer o vínculo fazendo dele um "objeto", tanto mais fazemos com que ele dependa, a posteriori, do arbítrio dos sujeitos.
Em outras palavras, se for enrijecido na alternativa entre objetivo e subjetivo, o matrimônio pode não ter uma "história". Podemos ir ao encontro da experiência dos "matrimônios fracassados" só se aceitarmos que eles efetivamente podem fracassar.
Enquanto a aceitação de um matrimônio fracassado significar para a Igreja apenas o caso de uma "nulidade" não reconhecida por tempo, sempre teremos um déficit de experiência humana e cristã que permanecerá irremediavelmente incompreendido.
Para remediar esse déficit, não basta hoje – e não bastará nem amanhã – somente uma atitude benevolente ou uma certa gentileza. Precisamos de uma teoria diferente do vínculo matrimonial, à qual devemos trabalhar no futuro próximo.
É evidente que o trabalho que espera pela Igreja no próximo ano também deverá ser um trabalho de aprofundamento dessas cinco vias.
Não é de modo algum certo que se trate de vias alternativas. Ao contrário, é provável que a solução possa ser encontrada no balanceamento entre algumas dessas diversas possibilidades. No entanto, é igualmente certo que a Igreja sente a necessidade de soluções reais, não de ficções ou de pequenos atos cosméticos.
Pode-se tirar daí uma simples conclusão. A questão dos divorciados em segunda união não pode ser resolvida sem abordar, de modo mais geral, a questão de um novo e abrangente marco jurídico e teológico do matrimônio.
Sem um novo desenho geral de compreensão e de disciplinamento do matrimônio, toda solução de questões individuais correria o risco de ser apenas uma peça de tecido novo aplicada em um tecido velho, o que logo acabaria rasgando ainda mais a veste já desgastada.
A potencialidade e a vitalidade do matrimônio ainda são uma grande esperança para a Igreja. A disciplina que deveria discipliná-lo e orientá-lo, no entanto, é bastante inadequada e muitas vezes um obstáculo a uma real compreensão das questões em jogo.
Quando faz o melhor de si – e não é óbvio que sempre o faça – tal disciplina reflete uma compreensão dos indivíduos, das comunidades e da autoridade que não tem mais reflexo, ao menos há um século, no mundo comum.
Portanto, precisamos de categorias adequadas para mediar o Evangelho da família no nosso tempo: não para mudá-lo, mas para entendê-lo melhor. Primeiro, encontremos a coragem de pôr as mãos nesse repensamento e, primeiro, tenhamos as palavras certas e o olhar adequado para interpretar o matrimônio tardo-moderno: tanto para motivar e promover as alegrias e os sucessos das famílias felizes, quanto para acompanhar e motivar novamente as dores e os impasses das infelizes.