15 Outubro 2014
De censor a censurado. De guardião do dicastério vaticano – o ex-Santo Ofício – historicamente encarregado de repreender e condenar aqueles que se desviam do reto caminho da fé católica a vítima, ele mesmo, de supostas atitudes censoras por parte da cúpula pontifícia.
A reportagem é de Orazio La Rocca, publicada na revista L'Espresso, 13-10-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O protagonista dessa estranha parábola na primeira semana do Sínodo sobre a família em andamento no Vaticano é o cardeal alemão Gerhard Müller, prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé (o ex-Santo Ofício), a voz de ponta da dissidência sobre as anunciadas aberturas em matéria de comunhão aos divorciados em segunda união, uniões de fato e coabitações, aprovadas por 191 padres sinodais chamados pelo Papa Francisco para a difícil tarefa de renovar a pastoral familiar da Igreja.
Müller – nascido em Mainz, na Alemanha, há 67 anos –, ainda antes da abertura do Sínodo, já havia apontado que estava firmemente decidido a obstaculizar qualquer reforma que pudesse, de algum modo, atacar a tradicional Doutrina sobre a família, que sempre na indissolubilidade do vínculo matrimonial, uma espécie de baluarte intransponível.
Uma posição de fechamento expressado também em um livro escrito às vésperas da cúpula sinodal, junto com outros quatro cardeais (De Paolis, Burke, Caffara e Pell), que, inevitavelmente, coalizaram os padres sinodais mais tradicionalistas contrários à reforma da Doutrina familiar.
Expoentes de uma área conservadora – lamentou-se repetidamente Müller – não tiveram uma excessivo acesso na mídia por "culpa" do sistema de informação implementado no Vaticano, justamente por ocasião do Sínodo.
As sínteses diários dos trabalhos realizadas pela Sala de Imprensa vaticana e as coletivas de imprensa dadas por padres individuais, com a direção do padre jesuíta Federico Lombardi, porta-voz pontifício e diretor da própria Sala de Imprensa vaticana, foram vistas por Müller e pelos padres sinodais amigos seus como uma manobra patente para dirigir o resultado final dos trabalhos em direção às aberturas várias vezes desejadas pelo Papa Francisco e quase codificadas no documento preparatório escrito pelo cardeal Walter Kasper.
O que levantou mais suspeitas entre os componentes mais tradicionalistas do Sínodo também foi a decisão tomada pelas autoridades vaticanas de não publicar – pela primeira vez na história dos sínodos – os textos na íntegra das intervenções em Aula com os nomes e os sobrenomes dos autores.
Daí os escudos levantados do prefeito do ex-Santo Ofício, Müller, que – segundo a Associated Press – se queixou de que no Sínodo foi posta em prática uma verdadeira operação de censura, para desligar as vozes dissidentes à renovação da pastoral familiar.
"Todos os cristãos têm o direito de ser informados sobre as intervenções dos seus bispos", trovejou o purpurado alemão, dando a entender claramente que não estava nada satisfeito com as sínteses sobre os trabalhos divulgadas pela Sala de Imprensa, consideradas genéricas demais e sem referência a todas as intervenções.
Portanto, não foi por acaso que ele não deixou de expressar o seu próprio desacordo com o documento sobre a primeira semana de trabalhos sinodais, no qual se deseja, dentre outras coisas, uma substancial abertura para as uniões homossexuais em termos de acolhida e de respeito, com particular atenção aos filhos de pessoas do mesmo sexo coabitantes.
"O casal homossexual, como tal, não pode ser reconhecido pela Igreja", disse Müller, falando fora da Aula do Sínodo. Negando também que no texto do Sínodo haja novidades sobre as pessoas gays: "A acolhida e o acompanhamento em relação aos homossexuais é uma atitude cristã sobre a qual sempre se falou já nos documentos de João Paulo II e de Bento XVI, já que – destacou o prefeito – se olha para a pessoa criada por Deus".
Mas Müller voltou também sobre o tema da censura: "Acho que é – defendeu – uma verdadeira contradição o fato de que, fora da Aula sinodal, os bispos possam dar entrevistas livres, enquanto as suas intervenções em Aula não são públicas. Assim, quis-se romper uma tradição própria da Igreja... Não importa se alguns não concordam com esta minha opinião – acrescentou Müller –, eu digo o que quero, mas principalmente o que devo dizer como prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé. Além disso, eu não fiz nada mais do que dar voz aos protestos de muitos fiéis que me escreveram a propósito a partir de vários países e que têm o direito de conhecer o pensamento dos bispos. Por que – perguntou-se o purpurado – foi preciso mudar?".
Sobre a "relatio" final dos trabalhos do Sínodo, Müller comentou: "Penso que irá diretamente para o papa, mas eu não faço mais parte da direção". Especificações ditas diretamente a alguns jornalistas, com a evidente intenção de não incorrer mais uma vez na "censura" sinodal. Palavra de prefeito do ex-Santo Ofício.