Por: Cesar Sanson | 06 Outubro 2014
O sentimento que mobilizou milhares de brasileiros nas manifestações de junho de 2013 permanece vivo e poderá aflorar novamente em 2015. As últimas pesquisas do Ibope mostram que, nas vésperas das eleições, 67% dos eleitores desejam mudanças, índice maior que o registrado na média de 2013, quando 62% das pessoas expressavam esse desejo.
A reportagem é de Thiago Herdy e publicado pelo jornal O Globo, 05-10-2014.
Análise dos números do Ibope mostra que a curva de registro desse sentimento, neste ano, acompanhou o crescimento da intenção de votos da atual presidente da República, Dilma Rousseff (PT), que tenta a reeleição. Para o cientista político Marco Aurélio Nogueira, da Unesp, a aparente contradição é culpa dos candidatos da oposição, que não teriam sido, até aqui, “vigorosos” na tentativa de mostrar e propor uma ampliação das vantagens sociais e econômicas do país: — As pessoas podem ao mesmo tempo querer mudar e ser conservadoras em seu voto. Não houve, entre os candidatos presidenciais, vozes que conseguissem dialogar com o sentimento de mudança do ponto de vista mais progressista.
Para o especialista, não se trata apenas de uma questão nacional. Prova disso seria o caso de São Paulo, um dos principais focos dos protestos e estado onde o governador Geraldo Alckmin (PSDB) deverá ser eleito no primeiro turno. — Você tem um país propenso à mudança, mas que não se sente seguro para mudar, passou a ter medo de perder o que ganhou ou conseguiu acumular ao longo dos últimos anos — completa o cientista político.
Nogueira acredita que “a bomba de 2013 não foi desativada, todos os fatores (daquele período) continuam postos à mesa”. Se Dilma ganha, oposições poderão articular uma nova maneira de atuar a partir de 2015, botando mais pressão sobre o governo, acredita. Se perde, pressão petista também não faltará.
O sociólogo e cientista político Rudá Ricci também acredita que o descontentamento “com a estrutura do sistema partidário” permanece em 2015, independentemente do resultado eleitoral. Ele prevê queda da popularidade de eleitos no início do próximo ano e incremento das lutas sindicais e urbanas. Ele explica que o voto na continuidade, apesar do desejo de mudança, seria a expressão do conceito sociológico de “voto cínico”.
— É um voto no candidato mais seguro, que não causa empatia, apenas te prejudica menos ou oferece alguma vantagem a você. É um voto diferente do ideológico, do clientelista e, principalmente, do cidadão ativo — afirma Ricci.
O índice mais alto de desejo de mudança deste ano, de 73% dos entrevistados, foi registrado há menos de 15 dias das eleições, na última semana de setembro. É um valor próximo da média de 2002 (75%), ano em que Lula foi eleito presidente.
Para a socióloga Fátima Pacheco Jordão, não há contradição na manutenção dos votos em Dilma e o pedido por mudanças, na medida em que a metodologia do Ibope soma diferentes categorias de pedido por mudança, como pessoas que desejam alterações radicais e parciais: — O grau de mudança radical e total continua baixo. Dilma tem pouca penetração entre essas pessoas. Mas, se você analisa os outros segmentos, mesmo aqueles que desejam algum grau de alteração, Dilma tem eleitores - afirma.
Para ela, é possível verificar, entre esses eleitores, mais incômodo em relação ao ambiente em que orbita a presidente do que em seus atos de gestora, por exemplo. A socióloga lembra que até mesmo um dos principais adversários da petista, Aécio Neves (PSDB), chegou a dizer que ela era uma mulher honesta, embora se saiba que no atual governo há casos de corrupção:
— O eleitor médio não tem uma visão radical, é uma visão mais moderna. Parte importante da sociedade acredita que oportunidades lhe foram dadas. Quem quis conseguiu galgar. Agora, as pessoas não gritam “queremos mais", elas falam “queremos um padrão melhor de atendimento”. É uma passagem de consumidor para contribuinte, aquele que paga imposto e sabe que o serviço oferecido precisa ser melhor qualificado — completa.
Em artigo divulgado nesta semana em seu site, o Movimento Passe Livre (MPL), um dos principais articuladores dos protestos de junho de 2013, registrou que “os protestos não se voltaram contra este ou aquele governo, muito menos clamaram por um novo representante”.
O grupo afirma acreditar na intervenção direta da população na política, “sem submeter-se a intermediários”. Para eles, a falta de propostas de redução da tarifa do transporte público por parte dos candidatos “não surpreende”. É só mais um sinal de que as ruas, no próximo ano, poderão voltar a ferver.
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Desejo de mudar demonstrado nos protestos não se refletiu em pesquisas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU