Por: Jonas | 30 Setembro 2014
Representantes de movimentos sociais autônomos de São Paulo se reuniram na última quarta-feira (24) na sede da Fundação Rosa Luxemburgo, zona oeste da capital, para discutir um tema deixado de lado pelas campanhas eleitorais: a criminalização da luta social. O debate foi organizado em parceria com o portal Ponte, que publica notícias sobre direitos humanos, segurança e justiça.
A reportagem é de Tadeu Breda, publicada pela Rede Brasil Atual, 29-09-2014.
“Ao invés de dizer que ainda vivemos uma ditadura, temos que pensar nas limitações de nossa democracia”, propôs Renan Quinalha, advogado da Comissão Estadual da Verdade de São Paulo, comparando os desaparecimentos do deputado federal Rubens Paiva, em 1971, e do pedreiro Amarildo Dias de Souza, em 2013, ambos no Rio de Janeiro. “Nossa ditadura teve a preocupação de se legalizar para garantir legitimidade do ponto de vista jurídico. É parecido ao que acontece hoje, quando o Ministério Público não se preocupa em averiguar as provas forjadas apresentadas pela polícia antes de levá-las aos tribunais.”
Quinalha ressaltou que a judicialização tem se transformado numa das armas mais eficazes da repressão aos movimentos sociais. E lembrou que, diante das repetidas cenas de violência policial, cujos artífices que já não se intimidam com a presença de câmeras, jornalistas ou advogados, não basta apenas pedir a desmilitarização da PM. “Temos que democratizar o sistema de justiça”, pontua. “Existe um manto de legitimidade e democracia sobre as arbitrariedades. A repressão tem se sofisticado para ficar de acordo com a lei e respaldar-se na justiça.”
Para Mariana Toledo, representante do Movimento Passe Livre, junho de 2013 não serviu para mostrar ao país que a polícia é violenta ou que o povo acordou. “A brutalidade policial sempre esteve presente nas manifestações. Em 2006, por exemplo, uma de nossas militantes perdeu parte do dedo por causa de uma bomba de efeito moral. E os movimentos sociais nunca dormiram”, avalia. “O que mudou foi a judicialização da criminalização aos manifestantes. Se antes víamos basicamente repressão nas ruas, pela PM, agora nos deparamos com a violência do judiciário.”
Mariana sublinha que, apesar de serem uma novidade para os ativistas, os abusos judiciais são corriqueiros nas periferias. “Em junho, tivemos várias prisões por averiguação, o que é ilegal, e algumas viraram processos, com flagrantes forjados. Depois ainda criaram o inquérito policial 01/2013 para fazer um banco de dados de manifestantes. As pessoas estão sendo chamadas não para responder sobre supostos crimes, mas para ser questionadas sobre o que leem e em que acreditam.”
A militante relatou que os membros do Passe Livre intimados pelo Inquérito 01/2013 não têm comparecido à delegacia. O movimento também impetrou um habeas corpus para barrar a investigação. Perderam em primeira instância e agora aguardam decisão dos desembargadores do Tribunal de Justiça de São Paulo. “Não temos esperanças de vencer, mas não podíamos deixá-los sem resposta”, afirma, lamentando que os ativistas tenham que se defender perante os tribunais. “Gasta-se mais tempo lutando contra uma condenação do que fazendo luta social.”
Josué Rocha, do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), avalia que o avanço da repressão em São Paulo veio na esteira do avanço das mobilizações – e de algumas conquistas. O militante considera que, ao conseguir revogar o aumento das tarifas de transporte público na capital, as jornadas de junho serviram para mostrar à população que protestar pode produzir resultados concretos.
“A cidade já vivia um contexto de barril de pólvora em relação à moradia, com aluguéis cada vez mais altos. As pessoas tinham que decidir entre mudar-se para bairros cada vez mais distantes, em busca de imóveis mais baratos, ou permanecer perto de suas famílias e vizinhos”, observa. “Isso provocou um ascenso das lutas nas periferias, com aumento de ocupações de imóveis e terrenos vazios por movimentos organizados ou espontâneos.”
Josué aponta algumas conquistas obtidas pelo MTST graças à mobilização durante a Copa do Mundo, como o compromisso de construir moradias populares num terreno de Itaquera, na zona leste, ocupado pelo movimento às vésperas do torneio, e mudanças no programa Minha Casa Minha Vida. “Com as vitórias, veio a criminalização”, explica, citando um bombardeio midiático e ações judiciais movidas pelo Ministério Público contra as garantias obtidas pelos sem-teto junto aos governos municipal, estadual e federal. “Isso nos desgastou e provocou alguns retrocessos.”
Por isso, além de uma reforma das polícias, da política e do Judiciário, no sentido de democratizá-los, Josué aponta para a necessidade de romper com o monopólio midiático vigente no país. “Assim, poderemos ter um diálogo mais franco e aberto com a sociedade.”
Em tempos adversos, Débora Maria da Silva, das Mães de Maio, ressalta que os movimentos tiveram que aprender a se defender. “Já tivemos duas mães presas, acusadas por porte de drogas, porque não tinham nada mais para denunciá-las”, conta, afirmando que ambas lutavam para conhecer as razões da morte de seus filhos durante a onda de assassinatos cometidos pela polícia em 2006. “Sempre haverá policiais infiltrados onde houver sociedade organizada. Mas sabemos que só a união é capaz de gerar transformação. Estamos aprendendo a fazer nossa própria defesa.”
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Movimentos condenam criminalização da luta social, tema ausente das campanhas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU