Por: Caroline | 03 Julho 2014
Presidente do Comitê para a Anulação da Dívida no Terceiro Mundo e assessor de vários governos latino-americanos, o politicólogo belga propõe “uma saída justa” para a crise.
A reportagem é de Jorge Otero, publicada por Público.es, 02-07-2014. A tradução é do Cepat.
Fonte: http://goo.gl/WDqhbU |
Após sete anos de uma dura crise econômica, o belga Éric Toussaint (foto), um dos politicólogos mais lúcidos da esquerda europeia, sabe muito bem quem são os culpados pela mesma e porque estamos na pior situação dos últimos 80 anos. Seu diagnóstico não é novidade – “Esta é uma crise da dívida privada e do capitalismo financeiro, provocada basicamente pelos bancos. Todos estão pagando a dívida” –, mas sim a sua convicção e determinação com a qual propõe soluções reais para uma “saída justa” da crise.
O Presidente do Comitê para a Anulação da Dívida no Terceiro Mundo e assessor de vários governos latino-americanos em assuntos, como a auditoria da dívida pública, Toussaint visita Madri nestes dias. Nesta terça-feira pela noite estará na Público TV, no debate da Tuerka, no qual esmiuçará seu discurso que perpassa a crítica mais feroz e a reflexão sobre as políticas econômicas alternativas ao neoliberalismo que impera.
“Deve-se tomar medidas radicais a favor de uma saída social da crise”
De acordo com que se refere em sua crítica, Toussaint lamenta a impunidade da qual gozam os grandes banqueiros, aqueles que o cientista político assinala como diretamente os responsáveis pela crise: “Os donos capitalistas dos bancos privados manipularam o dinheiro dos bancos em busca do lucro máximo sem ter conta do risco”. São eles o que nos trouxeram até aqui, argumenta o belga, e são eles os que deveria ter pagado seus excessos.
A realidade, todavia, é bem diferente: esses notáveis gozam da proteção dos governos europeus; ninguém ousou se meter com eles e, para concluir, os Estados estão resgatando os bancos com dinheiro público. Isso irrita Toussaint, para quem o castigo é muito claro: “Teria que se expropriar os bancos e socializá-los. Os bancos têm que ser um serviço público. Os acionistas dos bancos resgatados deveriam devolver o dinheiro das ajudas com seu próprio patrimônio”.
“Os acionistas dos bancos resgatados deveriam devolver o dinheiro das ajudas com seu próprio patrimônio”
O pensador belga acredita que as coisas podem ser feitas de outra maneira e cita dois exemplos: o caso da Islândia, onde dois banqueiros foram presos pela pressão dos cidadãos, e os Estados Unidos, onde Barack Obama não toma medidas contra bancos privados norte-americanos e tenta desviar a atenção com mão dura contra os bancos europeus.
Contudo, como bem relembra o próprio Toussaint, na Europa e na Espanha ainda estamos distante desse cenário. Na Europa não há vontade política, nem tão pouco sensibilidade: “Se os governos dos países da UE acreditassem de verdade que estão a serviço da maioria dos cidadãos, já teria nacionalizado os bancos, assim como teriam rejeitado o pagamento de parte da dívida pública por ser ilegítima e ilegal”, acrescenta.
Frente à imobilidade dos governos europeus, Toussaint introduz um elemento importante em seu discurso: a existência de uma alternativa. E essa alternativa está cada vez mais próxima, pese o “difícil contexto político” que impera na União Europeia. “As eleições europeias demonstraram que na Espanha há uma parte importante da população que busca uma alternativa real ao bipartidarismo e as opções que oferecem mais do mesmo”, congratula-se o político belga.
Para Toussaint a alternativa passa por “um programa coerente” que tenha como eixo “medidas radicais a favor de uma saída social da crise”. Para ele, diferentemente de tantos outrso economistas, não importa que esta saída ocorra sem o euro: possui uma posição crítica contra a moeda única e contra o próprio sistema. Toussaint pede por “uma saída de esquerda com mudanças estruturais na sociedade”.
“Sou partidário da criação de um imposto confiscatório de 80 ou 90% de sua renda para parcela 1% mais rica da população”
Nesse sentido, a América Latina é o espelho para o qual se olhar. Essa parte do mundo aprendeu que a resposta à crise não passa pelo corte do gasto público, as pensões e as políticas sociais, sabe-se também que a solução não é congelar os salários.
Toussaint explica muito bem: “A austeridade não é a resposta. Esta conduz apenas para um aumento da dívida pública. O que se deve fazer é adotar um programa coerente e alternativo que aposte em incrementar o investimento público, aumentar o poder aquisitivo das famílias, anular parte da dívida pública ilegítima, redistribuir a riqueza e aumentar os ingressos fiscais”.
Entre suas receitas, Toussaint não se esquece da luta contra a desigualdade: “Dentro desse programa coerente, uma das medidas fundamentais são os impostos aos mais ricos. Eu, como Thomas Piketty, sou partidário em criar um imposto confiscatório de 80 ou 90% de sua renda à parcela 1% mais rica da população. A concentração de riqueza começa a ser intolerante. Franklin Delano Roosevelt o fez em 1938 nos Estados Unidos e não era precisamente um esquerdista. Com esse rendimento um governo progressista poderia realizar um novo modelo econômico e social”.
“A austeridade não é a resposta. Esta conduz apenas a um aumento da dívida pública”
“O problema”, reconhece o próprio Toussaint, “é passar da vontade de mudança para a expressão política dessa mudança”. Contudo neste caso o belga é otimista: diz que a ação do “indignados do 15-M” o entusiasma, e saúda com simpatia o surgimento do Podemos. Toussaint felicita ao 15-M por sua luta em prol de “uma auditoria cidadã da dívida”, uma ação cidadã que, segundo suas palavras, “demonstra que milhares de pessoas querem entender do onde procede a dívida pública ao mesmo tempo em que questionam a legitimidade da mesma”.
Porque a dívida pública, essa que a troika se empenha para que os cidadãos paguem a todo custo, é outro elemento central do discurso alternativo do pensador belga – de fato, como presidente do Comitê para a Anulação da Dívida no Terceiro Mundo é um de seus cavalos de batalha –. Para ele não é moralmente aceitável que um país tenha que cortar sua saúde ou sua educação para pagar sua dívida, enquanto não é realizada uma auditoria da mesma e não tenha se determinado que parte é ilegítima e/ou ilegal. Fazer uma auditoria da dívida é uma obrigação para qualquer país, incide Toussaint: “Caso se queira encontrar uma saída justa da crise para os cidadãos, há que se anular o pagamento dessa parte da dívida”.
Negar-se a pagar parte da dívida não é nenhuma utopia. Toussaint o sabe e coloca o exemplo do Equador, onde o mesmo trabalhou assessorando o presidente Rafael Correa: “Torna-lo possível. O Equador o fez em 2008 e 2009 com êxito e países como a Espanha, Grécia, Portugal, Irlanda e Chipre também puderam fazer o mesmo. Por que não? Os credores da dívida pública são os mesmos bancos que foram resgatados com o dinheiro público e que logo o utilizaram para comprar os títulos da dívida pública desses países”.
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“Se a UE estivesse a serviço de seus cidadãos já teria nacionalizado os bancos”, afirma Éric Toussaint - Instituto Humanitas Unisinos - IHU