10 Junho 2014
Em 72 horas, São Paulo realiza a abertura da Copa do Mundo, que reúne 32 seleções nacionais e deve atrair 4 milhões de turistas. Nas doze cidades-sede do torneio há ainda aeroportos inacabados, obras viárias cobertas com tapumes e outras interrompidas, o que demonstra falhas de planejamento e gestão. Mas os R$ 26 bilhões aplicados por governos e empresas para mais de 80 projetos distribuídos entre Norte, Sul, Centro-Oeste, Nordeste e Sudeste trazem alguns ganhos para o país.
A reportagem é de João José Oliveira, publicada pelo jornal Valor, 09-06-2014.
A capacidade em aeroportos foi reforçada em 36% para desafogar terminais que trabalhavam acima do limite desde que o universo de passageiros triplicou entre 2003 e 2012.
O parque esportivo, congelado desde os anos da ditadura, foi renovado com tecnologia usada pela engenharia local de modo inédito.
A rede hoteleira ergueu 70 novos endereços com mais de cinco mil quartos, elevando em mais de 20% a oferta de hospedagem no território.
Em algumas capitais, a indústria de telecomunicações antecipou a instalação de torres e cabos que incrementaram em até 50% a capacidade de transmissão de voz e dados.
Corredores urbanos e avenidas podem ajudar a desatar o nó do trânsito em algumas das maiores regiões metropolitanas.
A Matriz de Responsabilidades da Copa, programação de obras e investimentos para o evento, apontava, na sua versão de 2010, que o Brasil precisaria de R$ 23,5 bilhões para: garantir um estádio, novo ou reformado, em cada uma das doze cidades-sede, 93 obras de infraestrutura, incluindo 12 aeroportos, seis portos e 50 projetos de mobilidade urbana, de corredores de ônibus a linhas de metrô, de pontes a viadutos.
Passados quase quatro anos, a despesa cresceu, mas o leque de obras também foi enxugado para 81 projetos - algumas delas de menor porte. Os gastos totais vão superar R$ 26 bilhões. Segundo relatório do Tribunal de Contas da União (TCU), 83,6%, ou R$ 21,4 bilhões, saíram do setor público - via orçamentos ou linhas de crédito liberadas por instituições federais. A iniciativa privada responde por R$ 4,2 bilhões, ou 16,4%.
"Cometemos erros básicos de gerenciamento", disse Paulo Resende, coordenador do Núcleo de Infraestrutura e Logística da Fundação Dom Cabral (FDC), 23ª melhor escola de educação executiva do mundo, segundo ranking do 'Financial Times'.
"Por ignorância ou por arrogância, fomos deficientes no projeto", faz coro o presidente do Sindicato Nacional de Arquitetura e Engenharia (Sinaenco), José Roberto Bernasconi, que representa 25 mil empresas do setor.
"O evento serviu para mostrarnosso problema crônico de planejamento", afirma Pedro Trengrouse, coordenador do curso de Gestão, Marketing e Direito no Esporte da Fundação Getulio Vargas (FGV/IDE), que foi consultor da Organização das Nações Unidas (ONU) para a Copa.
Mas os mesmos especialistas que ressaltam a ineficiência gerencial de governos também admitem que as demandas impostas pela Copa movimentaram meios de produção e recursos de forma singular no país. E que há já neste ano benefícios a serem apropriados pela população.
Estádios com meio século de vida, caindo aos pedaços - caso do Fonte Nova, em Salvador, onde a queda de parte da arquibancada matou sete torcedores em 2007 - foram substituídos por equipamentos multiuso, capazes de receber partidas de futebol, shows de música e eventos corporativos. Essa infraestrutura pode estimular a indústria do entretenimento.
Até porque é preciso pagar a conta dos quase R$ 9 bilhões gastos em sete novas arenas e cinco estádios reformados, valor quase três vezes superior ao originalmente colocado na planilha, em 2007. "Não precisávamos de 12 cidades-sede. Mas uma vez escolhido esse caminho, o Brasil trouxe tecnologia de engenharia que não era usada aqui e que poderá ser aplicada em outras obras", diz o presidente da Sinaenco, Bernasconi. Ele destaca ainda o impacto positivo da Copa na malha aeroportuária brasileira. "Só o fato de ter forçado o governo a reconhecer que era preciso abrir os aeroportos à iniciativa privada já foi um legado da Copa".
Pressionada pela percepção de que a Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero) não conseguiria desafogar os terminais do país e atender os picos de demanda durante a Copa, a presidente Dilma Rousseff enfrentou resistências ideológicas do PT e corporativas por parte dos aeroviários e militares para iniciar a concessão dos aeroportos.
R$ 26 bilhões elevam em 36% a capacidade de aeroportos, renovam estádios e folgam o nó da mobilidade urbana
Os terminais de Cumbica, em Guarulhos, e de Viracopos, em Campinas, ambos em São Paulo, do Galeão (RJ), de Brasília e de Confins (BH) foram a leilão. No Rio Grande do Norte, um novo empreendimento de pistas, pátio e terminais saiu do chão inteiramente bancado pela iniciativa privada. Operadoras aeroportuárias da Ásia, Europa e Américas associaram-se a empreiteiras e investidores brasileiros, trazendo ao país tecnologia e maior capacidade logística aos aeroportos, que, até então, estavam sob cuidados do Estado.
Com recursos privados e públicos somando R$ 6,5 bilhões, a capacidade anual de movimentação de passageiros nas doze cidades-sede e mais Campinas vai aumentar 36%, de 154,5 milhões de pessoas para quase 210 milhões de viajantes. Uma demanda mais que urgente depois que o fluxo aéreo no país triplicou desde 2003, superando 100 milhões de passageiros transportados por ano. O espaço de pátio para aeronaves cresceu ainda mais, praticamente dobrando ante o que havia em 2013.
"Só com infraestrutura poderemos cumprir nosso potencial que é de transportar 200 milhões de brasileiros em 2020", diz o presidente da Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear), Eduardo Sanovicz. E, para isso, informa a entidade, o setor vai investir mais de R$ 26 bilhões em frota.
A indústria brasileira do turismo também pode ganhar com a Copa. O país deverá ser visto por cerca de 3 bilhões de telespectadores, segundo estimativa da Fifa. Para atender à demanda de turistas domésticos, estimados em 3,5 milhões, e estrangeiros, que devem superar os 600 mil, o Ministério do Turismo aplicou R$ 180 milhões em obras de sinalização, acessibilidade e centros de atendimento a turistas. Outros R$ 461 milhões foram investidos em centros de convenções de 11 cidades - atenuando gargalos que vinham emperrando a realização de feiras e seminários locais e internacionais.
Empresas do setor hoteleiro captaram mais de R$ 1,5 bilhão, entre 2011 e 2013, para levantar do chão 70 novos empreendimentos. Isso significa 5,7 mil quartos extras, ampliando em mais de 20% a capacidade de hospedagem no país. E outros R$ 4,7 bilhões já estão orçados para serem aplicados este ano em empreendimento que vão incrementar o parque em mais 164 prédios de apartamentos para turistas. Esses recursos não integram a Matriz de Responsabilidades da Copa e, em certas cidades, teme-se que a oferta tenha crescido além da demanda.
A infraestrutura de comunicação também recebeu injeção de recursos para ampliar a capacidade de tráfego de dados em 43% e reforçar em 50% a oferta para chamadas de voz em relação à estrutura anterior à Copa. Segundo as operadoras, foram aplicados nas cidades-sede R$ 1,3 bilhão para a instalação de mais de 15 mil novas antenas 3G e 4G, além de 120 mil pontos de Wi-fi e mais 10 mil km de cabos de fibra óptica. Ainda assim, operadoras e fornecedores preveem que poderá haver falhas na comunicação.
"É claro que incomoda o Brasil não ter entregado tudo o que prometeu", diz Resende, da Fundação Dom Cabral. "Mas é parte de nossa vida de brasileiro aprender com os erros e seguir em frente". E para seguir em frente, governos federal, estaduais e municipais terão que arregaçar as mangas para desempacar o setor que mais ficou devendo em relação ao que fora planejado na Matriz de Responsabilidades - o de mobilidade urbana.
Com os atrasos no cronograma de obras, muitas capitais receberão os jogos da Copa com uma estrutura de transportes piorada - e não melhorada. Tapumes, valas abertas, vias interditadas e desvios emperram o fluxo de veículos particulares e coletivos em todas as capitais da Copa. Mas essas mesmas cidades também ganharam projetos que começam a impactar positivamente a rotina do cidadão. Confira na tabela acima os legados e transtornos que a Copa deixará aos brasileiros.
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Planejamento falha, mas Copa traz ganhos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU