Por: Cesar Sanson | 09 Junho 2014
Durante reunião na manhã dessa quarta-feira (4) com a Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural, na Câmara dos Deputados, o ministro José Eduardo Cardozo disse à bancada ruralista que a postura do Ministério da Justiça (MJ) em relação à questão indígena no Brasil continuará sendo a de “mediar conflitos” por meio das mesas de diálogo. “Costumam dizer que direitos não se negociam. A mediação não é para abrir mão de direitos, mas para fazer ajustes dos limites desses direitos”, explicou o ministro.
A reportagem é de Carolina Fasolo e publicada pelo portal do Cimi, 06-06-2014.
Um dos caminhos para o “ajuste de direitos” pretendido pelo ministério seria a efetivação da Minuta de Portaria proposta por Cardozo para ‘regulamentar’ o Decreto nº 1775/96, o que inviabilizará a demarcação de terras indígenas. Apresentada pelo ministro em dezembro de 2013, a Minuta foi repudiada por organizações indígenas e indigenistas, que entregaram um parecer jurídico à Cardozo, enfatizando os equívocos da proposta (leia aqui).
Desde então a Minuta está parada no MJ, mas a bancada ruralista continua pressionando o ministro. O deputado Luis Carlos Heinze (PP/RS) ordenou à Cardozo que acabe com o processo de demarcação no município de Faxinalzinho (RS). “Diga para esses índios, ministro, tenha o peito de dizer: ‘pessoal vai embora, aqui não é área indígena!”. Sobre a demarcação de Mato Preto, outra terra indígena do RS, Heinze atacou: “Se vocês tivessem a decência necessária teriam eliminado aquele processo!”.
Em resposta, Cardozo inicialmente fez um apelo para que os parlamentares com presença em áreas de conflito adotem postura de pacificação. “Seria muito importante, deputado Heinze, que pessoas com a envergadura de Vossa Excelência, com a representatividade de Vossa Excelência e outros deputados ajudassem a pacificar essas regiões”. E depois acrescentou: “Uma coisa eu quero dizer deputado Heinze, com toda a franqueza e lealdade, o Ministério da Justiça não tolera violência, venha de onde vier! Contra a transgressão, contra a incitação à prática de crimes nós seremos duros! Porque há pessoas incitando a prática de crimes. E quem incitar vai responder nos termos da lei!”, reforçou o ministro.
Uma queixa-crime contra os deputados Heinze e Alceu Moreira (PMDB/RS) tramita no Supremo Tribunal Federal (STF) (leia mais). Os parlamentares foram denunciados por racismo e incitação ao crime por terem declarado, publicamente, que índios, quilombolas, gays e lésbicas são “tudo o que não presta” e incentivado produtores rurais a contratar segurança privada para expulsar índios das terras “do jeito que for necessário”.
Em resposta ao pedido dos ruralistas para que o MJ elimine os procedimentos demarcatórios, Cardozo declarou que “o Poder Executivo não pode suspender os processos de demarcação sem causa jurídica”, e explicou à bancada a manobra que se pretende com a publicação da Minuta: “Nós (MJ) concordamos que temos que instruir melhor os processos e por isso elaboramos a Minuta de Portaria”. Caso seja efetivada, grupos contrários à demarcação passarão a interferir desde os primeiros momentos no procedimento de identificação e delimitação das terras indígenas, inviabilizando até mesmo o trabalho de campo dos profissionais e estudiosos.
Ainda não convencido, Heinze investiu contra os ministros: “Os senhores não querem resolver esse assunto. Se quisessem, nós dessa Casa já tínhamos regulamentado o artigo 231. Nós já tínhamos feito a PEC 215, que não anda porque o governo não quer. O que queremos é resolver, e resolver tem solução legislativa e do próprio Executivo”. Também convocado para a reunião, Gilberto Carvalho, ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência da República, ponderou: “Temos tido muitos problemas. Há pressões de todos os lados, vocês viram a semana passada”, referindo-se às manifestações da Mobilização Nacional Indígena.
O deputado Padre João (PT/MG) reagiu às declarações dos ruralistas: “O que acontece é que a elite brasileira, muito bem representada aqui, está raivosa. Cada vez mais raivosa porque não tolera os índios resgatarem o que lhes pertence”, disse aos ministros. “Quando vêm falar que a PEC 215 resolve é uma farsa. A PEC 215 aprofunda a crise, porque eles (bancada ruralista) não querem resolver o problema dos brasileiros. Querem resolver o problema deles, do latifúndio, do agronegócio. É esse o ‘problema’ que eles querem resolver”, ressaltou o parlamentar.
Sobre a PEC, Cardozo foi enfático: “Somos contrários à PEC 215. Essa PEC é inconstitucional, ela fere o art. 2º da Constituição Federal. Ela retira atribuição administrativa típica do Poder Executivo e passa essa atividade para o Legislativo, o que evidentemente fere cláusula pétrea. Ela é inconstitucional. Se for aprovada pelo Congresso eu não tenho a menor dúvida de que será decretada como inconstitucional pelo STF, mediante Ação Direta de Inconstitucionalidade que fatalmente será promovida pelo Ministério Público Federal”, salientou o ministro.
Gilberto Carvalho ainda demonstrou aos deputados que as porções de terra reivindicadas pelas populações indígenas são mínimas e não comprometerão o agronegócio. “Não se trata de grandes porções de terras que venham a prejudicar a agricultura nacional. Em Mato Grosso do Sul, por exemplo, até hoje foram demarcadas 2,28% das terras do estado, e o máximo que se poderá chegar é mais 1%. No Rio Grande do Sul, apenas 0,39% das terras, chegando a até 1,5% ou 2% no máximo, se todas as terras forem demarcadas. O estado de Santa Catarina tem 0,87% do território destinado aos indígenas, podendo chegar ao máximo de 2%. Então não há nenhuma ameaça de tomada de grandes terras da agricultura nacional”.
No entanto, Carvalho sinalizou que o governo não vai retirar os proprietários das terras indígenas, e que os processos continuarão paralisados. Defendeu ainda a mediação como “único caminho possível”, tal como defende o ministro Cardozo.
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Cardozo diz a ruralistas que Ministério da Justiça vai “ajustar limites” dos direitos indígenas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU