29 Mai 2014
Ele diz que "abusar de um menor é como fazer uma missa negra", fala sereno da possibilidade de renúncia e de outros "papas eméritos", responde a tudo, exceto sobre as eleições europeias: "Nestes dias, rezei o Pai Nosso, não tenho notícias das eleições". No voo El Al LY514, Francisco tem um ar cansado, mas, como prometido, chega sorrindo no fundo do avião para falar com os 70 jornalistas que o acompanham de todo o mundo e que prepararam algumas perguntas, livres e sem aviso prévio.
A reportagem é de Gian Guido Vecchi, publicada no jornal Corriere della Sera, 27-05-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Este também foi um longo dia. A oração no Muro das Lamentações e a escolha de deixar entre as pedras o Pai Nosso escrito de seu próprio punho em espanhol, "com as palavras que a minha mãe me ensinou". O apelo da Esplanada das Mesquitas, "que ninguém instrumentalize com a violência o nome de Deus". E o encontro no Yad Vashem com seis sobreviventes do Holocausto ("nunca mais, Senhor, nunca mais"), aos quais se inclinou para beijar a mão. A coroa de flores no túmulo de Herzl, fundador do sionismo, e a visita não programada ao monumento para as vítimas de atentados, "não mais terroristas no mundo!".
Eis a entrevista.
Santidade, foi uma viagem massacrante. Se amanhã o senhor sentisse que não tem mais forças, o senhor faria a mesma escolha que Bento XVI?
Farei o que o Senhor me disser para fazer. É preciso rezar para buscar a Sua vontade. Mas acredito que Bento XVI não é um caso único. Aconteceu que ele não tinha mais forças e, honestamente, como homem de fé tão humilde, tomou essa decisão. Setenta anos atrás, quase não havia os bispos eméritos. O que vai acontecer com os papas eméritos? Eu acho que devemos olhar para Bento XVI como para uma instituição. Ele abriu uma porta, a porta dos papas eméritos. Se vai haver outros, só Deus sabe, mas a porta está aberta. Eu acredito que um bispo de Roma que sente as forças lhe faltarem, deve se fazer as mesmas perguntas que Bento XVI.
Santidade, como o senhor pensou nos gestos desta viagem? A oração no muro de divisão, o convite a Peres e a Abu Mazen no Vaticano, beijar a mão dos sobreviventes do Holocausto...
Os gestos mais autênticos são aqueles que não se pensam, vêm assim. Como foi no Yad Vashem. O convite dirigido aos dois presidentes, ao invés, estava um pouco pensado, para que a oração ocorresse lá, a partir deles, mas havia muitos problemas logísticos: para onde se vai? Não é fácil. No fim, me veio de dizer aquilo.
Na Igreja, já se fala de obrigação moral e legal contra a pedofilia. Mas o que o senhor vai fazer, na prática, quando um bispo a trair?
Na Argentina, sobre os privilegiados, dizemos: este é um filhinho de papai. Pois bem, sobre esse problema, não haverá filhinhos de papai. Agora há três bispos sob investigação. De um outro, condenado, estou estudando a pena. É um crime muito feio, e o que me interessa é a Igreja: um sacerdote que faz isso trai o corpo do Senhor. Deve levar um menor à santidade e, ao contrário, abusa dela. Faço uma comparação: é como fazer uma missa negra. Em junho, vou me encontrar em Santa Marta com pessoas abusadas. Haverá uma missa. Deve-se seguir em frente, tolerância zero.
O senhor fala de Igreja pobre e para os pobres. Mas às vezes vemos escândalos: o apartamento de Bertone, a festa no dia das canonizações, o buraco de 15 milhões de euros no IOR...
Jesus uma vez disse aos seus discípulos: é inevitável que haja escândalos. Somos humanos e pecadores, haverá escândalos. O problema é evitar que haja mais. Na administração econômica, é preciso honestidade e transparência. A Igreja sempre deve ser reformada, devemos estar atentos. Mas a nova Secretaria para a Economia ajudará a evitar escândalos. No IOR, já foram fechadas cerca de 1.600 contas de quem não tinha direito. Quanto ao caso dos 15 milhões, ele ainda está sob estudo. Ainda não está claro.
A Igreja poderia aprender alguma coisa com os ortodoxos, como por exemplo o celibato?
A Igreja Católica tem padres casados entre os católicos de rito oriental. O celibato não é um dogma de fé, é uma regra de vida que eu aprecio muito e acredito que seja um dom para a Igreja. Não sendo um dogma de fé, sempre há a porta aberta. Mas não falamos sobre isso com Bartolomeu. A unidade se faz caminhando juntos. Devemos resolver o problema da data da Páscoa. Agora é um pouco ridículo: o teu Cristo, quando ressuscita? Na semana que vem?
O senhor tem a intenção de seguir em frente com a causa de beatificação de Pio XII, ou espera que se abram os arquivos?
A causa está aberta. Eu me informei, mas ainda não há nenhum milagre. E, sem um milagre, a beatificação não segue em frente. Portanto, agora não posso pensar nisso.
O senhor levanta muitas expectativas, da paz entre israelenses e palestinos à comunhão aos divorciados em segunda união. Não teme fracassos?
O encontro com os dois presidentes será de oração, não para fazer uma mediação. Vamos nos reunir apenas para rezar, haverá um rabino e um expoente muçulmano, depois cada um volta para a casa. Mas a oração é importante. Quanto aos divorciados em segunda união, o sínodo é sobre a família. Um tema amplo. Os jovens não se casam... Não gostei que algumas pessoas, mesmo na Igreja, falaram como se a questão fosse só essa. Contudo, é preciso esclarecer que os divorciados não estão excomungados e não devem ser tratados como excomungados. Bento XVI, por três vezes, sugerira que se estudassem os procedimentos de nulidade matrimonial. Estudar a fé com a qual uma pessoa se casa.
Como o senhor resolveria a questão de Jerusalém?
As medidas concretas para a paz devem ser discutidas em uma negociação entre as partes. Eu não me sinto competente, seria uma loucura da minha parte. A Santa Sé tem a sua posição do ponto de vista religioso: a cidade deve ser guardada como a capital de três religiões.
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''Eu não excluo outros papas eméritos.'' A conversa com Francisco no avião - Instituto Humanitas Unisinos - IHU