Por: Jonas | 20 Mai 2014
Na tarde de hoje, o papa Francisco iniciará, com um discurso, os trabalhos da assembleia plenária anual da Conferência Episcopal Italiana (CEI). Será a primeira vez que um pontífice realizará um ato de tal importância e significado, antepondo-se ao presidente responsável da CEI, que tomará a palavra apenas no dia seguinte.
A reportagem é de Sandro Magister, publicada por Chiesa.it, 19-05-2014. A tradução é do Cepat.
Só isto já é um acontecimento fora do comum. Contudo, nesses mesmos dias, aconteceram outros dois fatos que também tocam profundamente a vida da Igreja italiana, em seu passado, em seu presente e, talvez, em seu futuro próximo.
O primeiro é o anúncio de que Paulo VI (foto) – o Papa que “criou” a atual CEI – logo será beatificado.
Fonte: http://goo.gl/7s1r71 |
No dia 10 de maio, o papa Francisco autorizou a Congregação para as Causas dos Santos promulgar o decreto que certifica canonicamente um milagre atribuído à intercessão de Paulo VI e, no mesmo dia, oficializou que o rito de beatificação do papa Giovanni Battista Montini será celebrado no Vaticano, no próximo dia 19 de outubro.
O segundo fato é a projeção do quadragésimo aniversário do referendo de 12 de maio de 1974, que sancionou definitivamente a introdução do divórcio na Itália. A lei que permitia o divórcio havia sido votada pelo Parlamento italiano, no dia 23 de novembro de 1970, enquanto Paulo VI fazia uma parada nas Filipinas, durante sua longa viagem ao Extremo Oriente e Oceania. Um grupo de acreditados leigos católicos, entre eles Gabrio Lombardi, Sergio Cotta, Augusto Del Noce e Giorgio La Pira, promoveu um referendo popular com a finalidade de derrubá-la. O referendo ocorreu quase quatro anos depois. Entretanto, o propósito de anular o divórcio foi rejeitado com o “não” de quase 60% dos votantes.
A Igreja italiana e Paulo VI viveram, pela primeira vez, como uma virada dramática essa mudança de época.
Aqui, incluem-se partes dos dois discursos que o papa Montini dirigiu ao episcopado italiano, imediatamente antes e um pouco depois desse memorável dia 12 de maio de 1974.
O primeiro discurso, no dia 9 de maio daquele ano, foi pronunciado por ocasião da inauguração da nova sede da Conferência Episcopal. Ao se dirigir ao conselho permanente do episcopado italiano, Paulo VI disse:
“Neste momento, não podemos calar nossa plena adesão à posição tomada – pela fidelidade ao Evangelho e ao permanente magistério da Igreja universal – pelo episcopado italiano, nas presentes circunstâncias, em defesa e pela promoção religiosa, moral, civil, social e jurídica da família”.
E acrescentou, com sua densa e elegante prosa, em uma época web fora de moda, mas não por isso menos clara e eficaz:
“A afirmação, feita por vocês, pastores sábios e responsáveis por toda a comunidade eclesial italiana, a respeito da indissolubilidade do matrimônio, fundada sobre a palavra de Cristo e sobre a própria essência da sociedade conjugal, exige também de nós, e de nós em primeiro lugar, aberta confirmação, que não é sugerida por uma consideração unilateral da questão, nem pretende ser alguma ressonância polêmica, mas, sim, quer reconhecer publicamente a autoridade de sua notificação pastoral, e quer voltar a propor, junto com vocês e com confiado respeito a quantos possuem no coração, a plenitude incondicionada do amor entre os cônjuges, a firmeza da instituição familiar, o dever de proteção e a educação amorosa da prole por parte dos progenitores, um assunto que é muito grave”.
O posterior discurso de Paulo VI aos bispos italianos, a respeito da então confirmada lei do divórcio, remete ao dia 8 de junho de 1974, na homilia da Missa concelebrada pelo papa Montini, durante a assembleia geral da CEI daquele ano. Nela, Paulo VI lamentou, deste modo, o resultado do referendo:
“Isto trouxe a nós a dolorosa confirmação de ver documentada a quantidade de cidadãos, deste sempre muito querido país, que não foi solidária em um experimento relativo ao tema – a indissolubilidade do matrimônio –, que deveria encontrá-los muito mais de acordo e mais compreensíveis, por indiscutíveis razões civis e religiosas”.
Além disso, Paulo VI criticou de forma muito firme a esses consistentes setores do mundo católico que se recusaram apoiar o referendo contra o divórcio, e que também se pronunciaram publicamente em favor do “não” à anulação da lei:
“Fazemos um paterno chamado aos eclesiásticos e religiosos, aos homens de cultura e de ação, e a tantos queridíssimos fiéis e leigos de educação católica, que não levaram em conta, nessa ocasião, a fidelidade devida a um explícito mandamento evangélico, a um claro princípio de direito natural, a uma respeitosa reinvindicação de disciplina e comunhão eclesial, tão sabiamente enunciada por esta Conferência Episcopal e por nós próprios convalidada. Exortamos a todos a dar testemunho de seu declarado amor à Igreja e de seu retorno à plena comunhão eclesial, comprometendo-se com todos os irmãos na fé ao verdadeiro serviço do homem e de suas instituições, para que estejam internamente cada vez mais animados por um autêntico espírito cristão”.
Hoje, estas palavras de Paulo VI, de quarenta anos atrás, também poderiam provocar não poucos sorrisos de comiseração no interior dessa Igreja que se apresenta para elevá-lo à glória dos altares.
Contudo, essas suas frases em apoio à “indissolubilidade do matrimônio, fundada sobre a palavra de Cristo e sobre a própria essência da sociedade conjugal”, para defender e promover a “fidelidade a um explícito mandamento evangélico”, para sempre permanecem esculpidas.
Permanece gravado o seu chamado à “promoção” da família como uma realidade não apenas “religiosa” e “moral”, mas também “civil, social e jurídica”.
Também permanece intacta a sua referência ao “magistério constante da Igreja universal”.
Desse modo, são frases e referências que não pertencem apenas a um João Paulo II, obsessivamente fixado sobre a vida e a família – como muitos gostam de pensar –, mas também a esse Paulo VI que hoje, na imaginação de muitos, é retratado como um Papa mais aberto à modernidade do que o seu sucessor polaco e menos inclinado a intervir pessoal e publicamente no campo político. Em síntese, como um precursor do papa Francisco.
No dia 19 de outubro, quando Paulo VI for proclamado beato pelo papa Francisco, encerrará também a primeira sessão do próximo sínodo dos bispos, convocado precisamente para refletir sobre o tema da família.
É fácil prever que a questão da introdução do divórcio nas legislações civis, dessa vez, não estará no centro da discussão sinodal, porque o tema principal de disputa passou a ser muito mais – com tons particularmente brilhantes – o da comunhão aos divorciados em segunda união.
Esta já é uma variação não menor. É como se da disputa na ágora pública sobre a dissolução do matrimônio como instituição “natural” – autorizada quase em todas as partes pelas leis do divórcio – se tivesse passado, agora, à disputa absolutamente interna da Igreja sobre a dissolução do matrimônio “sacramental”, pressuposta, de fato, por aqueles que querem dar a comunhão aos divorciados em segunda união.
Dissolução abertamente admitida, agora – como “corajosa reformulação da doutrina da indissolubilidade”, uma vez constatada pelos cônjuges “a morte do vínculo” –, por um teólogo como Andrea Grillo, professor no Pontifício Ateneu de Santo Anselmo, em Roma, em uma entrevista publicada por “il Foglio”, no dia 13 de maio passado, e em um livro colocada à venda, nesses dias, na Itália.
No entanto, em um futuro não distante também poderá ser candente o debate sobre a atitude pastoral para com os “matrimônios” ou uniões entre as pessoas do mesmo sexo. Basta ver a guerra sem trégua que, neste sentido, há anos, encoleriza a comunhão anglicana.
Nesse contexto, será interessante ver se e como serão recordadas e atualizadas as palavras claras e nítidas pronunciadas por Paulo VI, quarenta anos atrás. Amanhã no sínodo, e hoje entre os bispos italianos.
Entre eles, entretanto, suscitaram assombro e impressionaram as declarações do secretário geral imposto pelo papa Francisco à CEI, o bispo Nunzio Galantino, em uma entrevista publicada há poucos dias:
“No passado nos concentramos exclusivamente no não ao aborto e à eutanásia. Não pode ser assim, no meio está a existência que se desenvolve. Não me identifico com os rostos inexpressivos daqueles que recitam o Rosário fora das clínicas que praticam a interrupção da gravidez, mas, sim, com esses jovens que são contrários a esta prática e lutam pela qualidade das pessoas, por seu direito à saúde e ao trabalho”.
E, também, em relação à pergunta “Qual é seu prognóstico para a Igreja italiana?”: “Que se pode falar de qualquer tema: dos sacerdotes casados, da Eucaristia aos divorciados, da homossexualidade, sem tabus, partindo do Evangelho e apresentando as razões das próprias posições”.
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O que permanece de Paulo VI, próximo beato - Instituto Humanitas Unisinos - IHU