08 Mai 2014
Para entender melhor Flannery O'Connor, ele foi três vezes à fazenda de Milledgeville, na Geórgia, onde a escritora viveu por quase toda a vida, visitou as campanhas e as pequenas cidades do Sul, onde ela ambientou os seus romances, encontrou as pessoas que lhe eram próximas. "Eu conheci as suas amigas, que agora têm mais de 80 anos. Ainda me correspondo com elas e estou em contato contínuo com o seu mundo vital." No Salão do Livro de Turim, Antonio Spadaro será um dos protagonistas em diversas vestes. Diretor da La Civiltà Cattolica, a revista quinzenal de "alta informação" dos jesuítas, consultor do Pontifício Conselho para a Cultura e do Pontifício Conselho para as Comunicações Sociais, ele vai contar, no dia 10 de maio, junto com o secretário de Estado vaticano, Pietro Parolin, "as palavras do papa".
A reportagem é de Cristina Taglietti, publicada no caderno La Lettura, do jornal Corriere della Sera, 04-05-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Mas a literatura contemporânea é a sua paixão e outro território da sua busca espiritual. Trata-se de uma verdadeira quest que o levou aos open fields da cultura norte-americana, com a convicção de que a literatura de uma nação é "a visão de uma terra".
O seu livro, Nelle vene d’America [Nas veias da América], publicado pela Jaca Book, é justamente isto: uma viagem ao longo de campos abertos onde as paradas não são as rituais, mas sim etapas das quais, pessoalmente, ele sentia necessidade naquele momento.
Antonio Spadaro fala justamente dessa "ronda", onde o único ponto fixo é uma visão da literatura "como fato humano", não como simples experimentação. "É um percurso que tem a ver com uma necessidade profunda, pessoal. Eu tendo a ter uma visão teológica da literatura, para a qual as obras nunca estão completas, e os autores nunca estão mortos, mas se realizam no leitor. Para a Civiltà Cattolica, eu me ocupei longamente da literatura italiana jovem. Tondelli, por exemplo, me envolveu muito. Ao lê-lo, eu descobria uma visão forte da realidade. Depois, fiquei um pouco decepcionado com o que aconteceu na literatura italiana dos anos 1990: o que eu lia começava a não responder a uma exigência profunda, ficava um sabor amargo. O que me impressionava, em termos negativos, era que esses autores me faziam conhecer a realidade através de um pesado filtro de consciência, em vez de me permitir ter uma experiência do real".
Os norte-americanos lhe oferecem uma alternativa que melhor responde às suas necessidades. A seleção não se baseia na fé. De fato, o livro aproxima autores declaradamente católicos a outros provenientes de mundos muito diversos. "Eu encontrei uma literatura muito mais cheia de frescor, voltada para o real, não otimista, mas que eu poderia dizer 'ao vivo', através da qual o autor me envolve no seu projeto de conhecimento. Uma realidade que passa através da interioridade, mas não se esgota a ela. Essa função exploratória, de fronteira, é o que me fascinou."
A fronteira é, naturalmente, um dos grandes topoi da literatura norte-americana e, diz Spadaro, "é um tema ambíguo, porque dentro dele está a conquista. Interessa-me o confronto com a alteridade, a extensão do olhar em termos espaciais, o reflexo entre a realidade dos espaços e o espaço interno, a pradaria da alma. Em Whitman, por exemplo, há um inalar dos espaços, uma abertura de pulmões, um olhar aberto que me envolveu muito".
Certamente, isso não coincide necessariamente com um olhar positivo. "Sylvia Plath não é nada otimista, mas no seu olhar trágico há uma realidade alienante que tocou em uma ferida aberta em mim. A sua poesia estabelece um contato entre vida e escrita, indo além do culto da forma justamente do chamado modernismo literário e da impessoalidade das vanguardas dominantes na poesia norte-americana dos anos 1960. É como se, escrevendo sobre ela, eu tivesse vivido aqueles mesmos sentimentos."
Antonio Spadaro se encaminhou ao longo de seis percursos diferentes: o primeiro que liga Walt Whitman e Emily Dickinson; o segundo entre Edgar Lee Masters, Jack London e Lawrence Ferlinghetti; o terceiro com William Carlos Williams e Elizabeth Bishop; o quarto que redescobre dois escritores da imigração italiana quase esquecidos, Pascal D'Angelo e Emanuel Carnevali; o quinto que inclui dois autores que viveram uma relação de envolvimento profundamente biográfico com a escrita como Raymond Carver e Sylvia Plath; o sexto ligado ao mistério da incompletude e à tensão mística de Flannery O'Connor e Jack Kerouac.
"Eu sentia a necessidade de uma releitura dessas obras que eu conhecera – como todos na Itália – somente através da mediação de outros autores, como Cesare Pavese ou Fernanda Pivano. Como muitos, eu havia introjetado uma leitura pré-digerida delas. Eu buscava rever também essas interpretações de uma maneira que eu poderia definir como ingênua, como se fosse radicalmente nova. E isso me levou a fazer descobertas muito bonitas que certamente tiveram a marca religiosa, mas não só. Assim, por exemplo, eu notei que as intuições de Pavese sobre a dimensão bíblica de Edgar Lee Masters tinham se perdido quase completamente. Assim como me pareceu que a dimensão religiosa muito forte presente em Kerouac tinha passado um pouco despercebida na Itália. Entre nós, italianos, prevaleceu a imagem de um Kerouac budista, uma adesão que o escritor supera justamente pela impossibilidade de assumir a dimensão ascética. Em certo sentido, é a experiência da vida dissipada e desregulada, a propensão ao pecado que o leva de volta ao cristianismo."
A releitura de Carver também ofereceu a Antonio Spadaro algumas descobertas: "Seguindo essa raiz espiritual, entendi que o verdadeiro motor de Carver era a poesia, e não é por acaso que Carver disse que, na sua lápide, ele queria que se colocasse, como primeira coisa, poeta. Os contos editados por Gordon Lish fizeram dele o herói do minimalismo. A poesia, que não sofreu essa passagem, revela que a atenção ao cotidiano é, em certo sentido, espiritual, fruto de um grande trabalho de cinzel que nunca é experimentalismo vazio. A própria Tess Gallagher, sua esposa, afirma que, nas poesias de Carver, pode-se encontrar a corrente espiritual que o levou a escrever contos breves. Uma experiência que nunca é enjoativa ou vagamente desencarnada".
Spadaro captura em cada autor alguns aspectos particulares que o tocam. "Em Flannery O'Connor, por exemplo, essa ideia da graça que nunca é graciosa, que, ao invés, pode ser como que um tapa, que pode ser reconhecido justamente no drama da liberdade e da violência. A escritora teoriza o valor gnoseológico do tapa, um gesto que, atingindo, força a deslocar a face, para olhar em outra direção. Assim como sublinha o valor do grotesco, do ponto de vista cognitivo: a deformação que ajuda a ver melhor as coisas".
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O padre que cavalga nas pradarias. Da alma - Instituto Humanitas Unisinos - IHU