11 Abril 2014
"Era um homem de Deus, mas não é necessário fazê-lo santo": pode-se resumir assim a opinião do cardeal Carlo Maria Martini sobre a santidade do papa polonês, segundo o "depoimento" que faz parte dos autos do processo. A notícia foi dada pelo historiador Andrea Riccardi no livro La santità di Papa Wojtyla, que acaba de ser publicado pela editora italiana San Paolo (99 páginas).
A reportagem é de Luigi Accattoli, publicada no jornal Corriere della Sera, 09-04-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Aprofundamos a sua indicação e encontramos no depoimento do cardeal Martini – ainda confidencial, assim como todos os 114 testemunhos dos quais se valeu a condução da causa – quatro elementos de grande interesse para entender a glória e o drama da figura papal nessa época de rápidas mudanças, suas e do mundo.
O primeiro elemento são os limites que Martini, falecido em 2012, assinalava na ação e nas decisões de João Paulo II: nem sempre foram "felizes" as nomeações e a escolha dos colaboradores, "sobretudo nos últimos tempos"; apoio excessivo aos movimentos, "ignorando de fato as Igrejas locais"; talvez imprudente ao se colocar "no centro das atenções – especialmente nas viagens – com o resultado de que as pessoas o percebiam um pouco como o bispo do mundo, e disso saía obscurecido o papel da Igreja local e do bispo".
O segundo elemento diz respeito à apreciação, que é franca e ampla: um homem de Deus capaz de grande recolhimento, mesmo no tumulto das atividades; "servidor zeloso e fiel" da Igreja; "o seu melhor momento era o encontro com as massas e em particular com os jovens"; é de se admirar a coragem depois do atentado ("ele não se retirou minimamente do contato com a multidão, que também o expunha a perigos"); é evidente a virtude da perseverança "em uma tarefa árdua e difícil".
Prevalece o positivo, mas a conclusão é fria, e este é o terceiro elemento de interesse: "Não gostaria de destacar muito mais a necessidade da sua canonização – é a fria conclusão do cardeal –, porque me parece que basta o testemunho histórico da sua dedicação séria à Igreja e ao serviço das almas".
O quarto elemento vivo do depoimento de Martini, talvez o mais inesperado, é uma passagem da sua reflexão positiva sobre a "virtude geral da perseverança" nas dificuldades demonstradas por João Paulo II: "Eu não saberia dizer se ele perseverou nessa tarefa ainda mais do que deveria, levando em conta a sua saúde. Pessoalmente, eu considero que ele tinha motivos para se retirar um pouco antes".
Martini não é o único a expressar reservas sobre a santidade do papa polonês ou sobre a rapidez da causa. Karol Wojtyla será proclamado santo no próximo dia 27 de abril, a nove anos da sua morte: é o papa que teve o mais rápido reconhecimento de santidade entre todos os da era moderna. Pio X foi proclamado santo por Pio XII em 1954, a 40 anos da sua morte; João XXIII chega à canonização junto com o Papa Wotjyla, mas depois de se passarem 50 anos desde a sua morte.
No livro, Riccardi lembra que o cardeal belga Godfried Danneels tinha manifestado suas dúvidas sobre a rapidez da causa: "Esse processo está avançando muito rapidamente. A santidade não precisa de pistas preferenciais".
Giovanni Franzoni, ex-abade de São Paulo Fora dos Muros, que Paulo VI tinha "demitido do estado clerical" em 1976, dissera-se publicamente muito contrário: ele se referira à "sombra preta" da gestão do IOR, a hostilidade ao arcebispo Romero, a beatificação de Pio IX (que, na sua opinião, foi um "erro"), os obstáculos postos aos padres que pediam a dispensa do celibato. E concluíra que era melhor "deixar Wojtyla na sua complexidade e, como tal, confiá-lo ao julgamento da história".
Especular à de Franzoni é a opinião do bispo tradicionalista Bernard Fellay, superior da Fraternidade lefebvriana: a canonização de João Paulo II "terá como efeito imediato a consagração do conjunto do seu pontificado e de todas as suas obras, até mesmo as mais escandalosas".
A alusão é à jornada de Assis, à visita à Sinagoga de Roma e à mesquita dos Umayyad em Damasco, à "renúncia aos privilégios concordatários na Itália" (entre eles, o reconhecimento da religião católica como "religião do Estado").
Para a causa wojtyliana, foram interrogadas 114 testemunhas: 35 cardeais, 20 arcebispos e bispos, 11 sacerdotes, cinco religiosos, três irmãs, 36 leigos católicos, três não católicos, um judeu.
Entre os leigos católicos Andrea Riccardi também foi ouvido, que no seu livro – como historiador – olha assim para a "santidade" do papa polonês: "Teve um efeito de libertação dos medos, dos condicionamentos, do sentimento de decadência. Relançou o seu povo a um novo cenário, o do século XXI. Também para o papado a sua liderança foi de exceção, muito pessoal e carismática. A sua personalidade fora do comum deixou uma marca de grande destaque, supriu as carências das instituições e das pessoas".
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''Ele devia ter se retirado antes.'' As dúvidas de Martini sobre Wojtyla - Instituto Humanitas Unisinos - IHU