17 Março 2014
São as 17h34min do dia 12 de março de 2013 quando o mestre de cerimônias litúrgicas Guido Marini, com os movimentos medidos, legado dos ensinamentos do cardeal genovês Giuseppe Siri, anuncia com voz tímida "extra omnes", "todos para fora" da Capela Sistina.
A reportagem é de Marco Ansaldo e Paolo Rodari, publicada no jornal La Repubblica, 12-03-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Além dos 115 cardeais eleitores, do mais jovem (o indiano Isaac Cleemis Thottunkal, então com 53 anos) ao mais idoso (o cardeal alemão Walter Kasper, que completou 80 anos pouco depois do dia final do pontificado de Bento XVI, 28 de fevereiro), continuam na Capela Sistina apenas Marini e o cardeal maltês Prospero Grech, com mais de 80 anos, encarregado de iluminar os eleitores com uma última meditação.
Depois de meses difíceis, a Cúria Romana, vexada pelos escândalos internos, Grech lembra que "não é preciso dar importância" a perseguições movidas "por alguns meios de comunicação que não gostam da Igreja", se forem falsas. Mas, adverte, "quando se diz a verdade sobre nós, então é preciso se humilhar diante de Deus e dos homens, e tentar erradicar o mal a todo custo, como o fez, com grande pesar, Bento XVI".
Certamente, diz ele, a atual crise "vai ser superada". "Mas, mesmo um resfriado é preciso tratá-lo bem, para que não se desenvolva em pneumonia". Para Grech, o caminho está marcado. As brasas da fé ainda podem ressurgir graças "aos milhões de fiéis simples que estão longe de ser chamados de teólogos, que, da intimidade das suas orações, reflexões e devoções, podem dar profundos conselhos aos seus pastores. São estes que destruirão a sabedoria dos sábios e anularão a inteligência dos inteligentes".
Palavras como fogo para a hierarquia reunida na Capela Sistina em um grande silêncio. Todos os cardeais parecem estar cientes de uma coisa: a Igreja precisa de um novo começo. Recomeçar a partir dos simples, dos últimos, dos pobres de espírito.
Grech e Marini saem juntos da Sistina. Está chovendo lá fora, às vezes granizo. É um março frio na capital, abalada pelos temporais às vezes furiosos. Os jornais, há dias, dão como favorito Angelo Scola, arcebispo de Milão, italiano que se diz pouco amado pelos curiais que prefeririam Odilo Scherer, arcebispo de São Paulo e membro da comissão de vigilância do Instituto para as Obras de Religião. Mas ninguém sabe dizer se os dois são efetivamente candidatos de mundos opostos – reformadores e curiais. A sensação, ao invés, é de que ambos são vítimas de grupos de pressão que, para além dos seus entendimentos, usam os seus nomes na tentativa de resistir à mudança já em curso.
Debaixo dos afrescos de Michelangelo, passaram-se as 18h quando as canetas dos cardeais tocam pela primeira vez a pequena folha de papel na qual, sob a frase "Eligo in Summum Pontificem", eles são convidados a expressar a sua preferência. Cabe ao cardeal Giovanni Battista Re, vice-decano do Colégio, declamar o escrutínio em voz alta.
O microfone não pode ser usado para não fazer com que a contagem dos votos vaze para fora da Sistina, e assim, como conta Andrés Bertrand Alvarez em Credo. Retrato interior del cardenal Juan Sandoval Iñiguez, Re confia a tarefa de megafone a um purpurado mexicano, Juan Sandoval Iñiguez, dotado de uma voz poderosa. "Sandoval, venha e cante", diz Re, sorrindo. E Sandoval canta.
É impossível violar os segredos do conclave. Mas, pelo pouco que surgiu em partes nos últimos meses, parece que, já no primeiro escrutínio, não faltam surpresas. "Entre os cardeais, difundiu-se um sentimento 'anti-italiano' que eu não sei de onde veio e não compartilho, mas que se disseminou até mesmo entre os purpurados italianos", diz ao Vatican Insider o cardeal peruano Juan Luis Cipriani Thorne, arcebispo de Lima.
E, de fato, segundo o que escreveu a informada jornalista argentina Elisabetta Piqué, correspondente do La Nación e amiga do papa há mais de uma década, em Francesco. Vita e rivoluzione (Ed.Lindau), Scola é, sim, o mais votado, mas o segue de perto um nome inesperado, o de Jorge Mario Bergoglio, arcebispo de Buenos Aires. Diz ela: "Bergoglio obteve cerca de 25 votos. Scola, ao invés, está na casa nos 30". Depois, certamente, outros nomes, mas nenhum com resultados significativos.
Portanto, com Scola, está Bergoglio. O mais votado junto com Ratzinger no conclave de 2005 volta a ser protagonista em 2013, surpreendentemente, para a maior parte dos observadores. Enquanto isso, desde logo, já está fora do jogo o peso de Roma, a Cúria. Um mundo que temia Scola e que nunca imaginaria a ascensão do arcebispo de Buenos Aires, aquele que, não por acaso, mais do que outros tivera que sofrer no passado justamente por causa das culpas curiais.
Alguns expoentes do Vaticano, de fato, também com o apoio da Nunciatura Apostólica na Argentina, em anos passados, haviam bloqueado sistematicamente os candidatos ao episcopado propostos pela Conferência Episcopal Argentina, liderada justamente por Bergoglio. Eles eram acusados de não defender a doutrina, de fazer gestos pastorais ousados demais, de não discutir publicamente com o governo de modo mais decisivo. Criticavam-no, também, porque batizava as crianças nascidas fora do matrimônio.
A janta do dia 12 de março é frugal no convento de Santa Marta. A noite transcorre tranquilamente. Ainda reina muita incerteza. No dia 13 de manhã, chove sobre Roma. Entre as 6h30min e as 7h30min, os cardeais tomam café da manhã. Às 7h45min, estão todos na Capela Paulina para a missa. Depois, na Sistina, para o segundo escrutínio, o primeiro do dia.
Bergoglio está sentado entre o cardeal brasileiro Claudio Hummes, seu velho amigo, e o cardeal português José da Cruz Policarpo. Olhando para o altar-mor da Sistina, ele se senta à esquerda, na segunda fila. Diz o cardeal de Viena, Christoph Schönborn: "Bergoglio estava sentado na última curva da Sistina. Ele era o escolhido. Recebi ao menos dois sinais fortes:não posso contar o que aconteceu no conclave, e esses sinais do Senhor me deram a indicação de que era ele".
Os sinais divinos. As parusias do céu. Para o cardeal de Lyon, Philippe Xavier Ignace Barbarin, essas mensagens chegaram não durante, mas sim antes mesmo do conclave, durante as congregações gerais. Ele explica: "Bergoglio falou com insistência sobre a necessidade de que a Igreja 'saísse fora' de si mesma. Ele disse que a Igreja está doente, que deve cuidar de si mesma. O seu breve discurso tocou em todos. Ele disse textualmente: 'Tenho a impressão de que Jesus foi encerrado dentro da Igreja e que bate, porque quer sair, quer ir embora'".
As duas votações da manhã passaram rápido. São as 11h39min quando, da chaminé da Sistina, sai uma grande fumaça preta. Ninguém ainda alcançou os 77 votos. Bergoglio, no entanto, já está em vantagem. Acredita-se, de fato – ainda segundo Piqué –, que foi na segunda e na terceira votações da manhã do dia 13 de março que ele foi o mais votado, reunindo mais de 50 votos. E que, contextualmente, a candidatura de Scola tenha esfriado, chegando em pouco tempo a decair.
No almoço, diversos cardeais europeus deram a entender que estavam do lado de Bergoglio. Um sinal claro: são também os europeus, e não apenas parte dos norte-americanos, como todos os meios de comunicação declamaram nas horas anteriores, os verdadeiros "fazedores de rei" do purpurado argentino. É claro, ele não fez nada para obter votos. Mas, agora, a corrente já flui irrefreável em seu favor.
Scola também convida à unidade, de fato, assinando a rendição. Entre os mais ativos pró-Bergoglio, está Óscar Rodríguez Maradiaga, hondurenho, arcebispo de Tegucigalpa. Foi ao jornal alemão Kölner Stadt-Anzeiger que o próprio Maradiaga deu conta do seu ativismo, depois que, antes do conclave, haviam se espalhado rumores sobre supostos problemas pulmonares de Bergoglio. O cardeal informou que havia interrogado Bergoglio a respeito disso durante um almoço: "Perguntei-lhe se era verdade que ele tinha apenas um pulmão e que estava com a saúde debilitada. Ele começou a rir e disse: 'Eu tive um cisto na parte superior do pulmão esquerdo, foi removido e tudo correu bem'. Nesse momento, eu me levantei e fui de mesa em mesa dizendo: aqueles de vocês que dizem que Bergoglio tem só um pulmão estão no caminho errado".
Às 18h, ainda não há nenhuma fumaça. A atenção das mídias está toda em uma gaivota que pousa sobre a chaminé da Sistina. No Twitter, a hashtag #habemusbird vai à loucura. Em poucos minutos, a gaivota também tem uma conta chamada @SistineSeagull. Mas o que ninguém sabe é que, em Buenos Aires, está justamente a gaivota que revela aos bem informados que o caminho está marcada, o Espírito escolheu um argentino.
Conta Ana Betta de Berti, pintora amiga de Bergoglio, que pintou uma imagem da Nossa Senhora Desatadora de Nós, do qual o futuro papa se tornou devoto durante uma estadia na Alemanha: "Quando vimos sobre a chaminé da Sistina uma gaivota com asas prateadas, entendemos que o Espírito tinha beijado o nosso país. Buenos Aires se assoma sobre o Río de la Plata, o Rio da Prata. Essa gaivota não podia estar ali por acaso".
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O conclave que mudou a Igreja - Instituto Humanitas Unisinos - IHU