11 Março 2014
"Enquanto o papa possa ter soado como uma celebridade perseguida por paparazzi, na verdade ele estava falando tratando um assunto que é debatido entre teólogos católicos: é bom para a Igreja ter um papa celebridade?", pergunta Michelle Boorstein, jornalista, em artigo publicado pelo jornal The Washington Post, 07-03-2014. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Eis o artigo.
Se você vem postando citações inspiradores do Papa Francisco no Facebook, no Twitter; se já devorou todos os artigos sobre ele; se está apostando que ele vai revolucionar uma instituição tradicional de 2000 anos por força da personalidade, então ele tem uma mensagem para lhe dar: Pare com isso. Pare com isso agora.
“Representar o papa como uma espécie de super-homem, um astro, é ofensivo para mim”, disse Francisco ao jornal italiano Corriere della Sera em entrevista publicada na última quarta-feira (05-03-2014). Mitologizá-lo e idealizá-lo, disse, é um tipo de “agressão (...). O papa é alguém que ri, chora, dorme calmamente e que tem amigos como qualquer outro. É uma pessoa normal”. (Seus seguidores, claro, responderam a isso compartilhando suas palavras e louvando sua sabedoria divina.)
Enquanto o papa possa ter soado como uma celebridade perseguida por paparazzi, na verdade ele estava falando, tratando um assunto que é debatido entre teólogos católicos: é bom para a Igreja ter um papa celebridade?
Desde que se tornou o líder da Igreja há quase um ano, Francisco vem trabalhando de forma simbólica e concreta para se apropriar de sua função, tomar as rédeas do Vaticano e reduzir a imagem do papa como uma espécie de rei divino. Só que ele está preso num verdadeiro loop: quanto mais ele se esforça para se parecer como um cara normal, mais ele é louvado e amado como um papa revolucionário.
Tudo começou nos primeiros movimentos de seu papado. Os católicos foram surpreendidos quando Francisco se apresentou na varanda da Basílica de São Pedro como simplesmente “o bispo de Roma”: o mais humilde dos múltiplos títulos papais. (Seus predecessores frequentemente usavam os mais imponentes: Vigário de Jesus Cristo e Supremo Pontífice. Mesmo no diretório oficial do Vaticano, o atual papa é listado como “Francisco / Bispo de Roma”.) Naquela mesma noite, ele voltou da Basílica no ônibus com os demais bispos, e dentro de poucos dias decidiu não viver no palácio papal, mas numa casa de hóspedes com outros padres, solidificando seu desejo de continuar sendo mais um entre outros.
Francisco deu início a movimentos de partilhar o poder até então inéditos, incluindo a criação de um G8, um time peso-pesado de cardeais assessores, e expansão do papel do Sínodo dos Bispos: o organismo central que conecta os bispos de todo o mundo ao papa.
Num ambiente formal no ano passado, Francisco foi o motivo das principais notícias quando pediu por uma “conversão do papado” e que as conferências episcopais – os grupos nacionais dos bispos em diferentes países – tivesse uma “autoridade doutrinal genuína”.
Um papa pode servir como uma figura unificadora, esclarecedora para o catolicismo, mas na medida em que a Igreja se torna mais diversificada e mais global, muitos teólogos acreditam ser perigoso pôr tanto peso sobre uma única pessoa. Um papa superstar pode minar o papel dos bispos locais, por exemplo. Em novembro, legisladores católicos no estado americano de Illinois que defendiam o casamento homoafetivo argumentaram contra os líderes locais da Igreja; no prédio da câmara estadual eles citaram as palavras do papa proferidas em julho: “Quem sou eu para julgar?”. Outros estão preocupados que a enorme ênfase dada ao papa acabe levando a uma fé preguiçosa ou que uma pirâmide clerical com um superpapa no topo desencoraje as pessoas de tomarem iniciativas ou de se arriscarem.
“Este é o paradoxo do catolicismo moderno: é uma Igreja muito mais global – e Francisco é realmente o primeiro papa que se tornou global –, mas uma Igreja que está mais visível ‘por causa’ do papado”, disse Massimo Faggioli, professor de teologia na Universidade de St. Thomas, em no estado de Minnesota. “O que o papa está tentando fazer é reverter esta dinâmica, para usar as palavras dele; [está tentando usar sua] autoridade para fazer a Igreja menos monárquica”.
As origens do papa superstar encontram-se no Concílio Vaticano I, ocorrido na segunda metade do século XIX, ocasião em que os bispos formalizaram a infalibilidade papal, que sustenta que sob certas circunstâncias raras os pronunciamentos do papa são livres de erros e que não podem ser questionados. Os católicos vinham lutando há séculos contra reis e legisladores políticos ao longo de toda a Europa que interferiam na escolha dos bispos, e o concílio estava buscando proteger o que ele viu como uma Igreja sitiada. Elevar o papa foi um esforço para contra-atacar.
As décadas seguintes viram grandes personalidades na cátedra de São Pedro. João XXIII, que convocou o modernizante Concílio Vaticano II na década de 1960, se tornou um ícone, em particular para os católicos liberais. João Paulo II se tornou uma das figuras mais influentes do século XX, tornando real a noção de uma Igreja global. Ele viajou muito e criou o Dia Mundial da Juventude, onde milhões de jovens católicos de todo o mundo podem se socializar. O papado transcende os fiéis, e João Paulo II se tornou numa figura midiática global.
Na década de 1980, quando os bispos dos EUA se posicionaram publicamente contra o armamento nuclear e disseram que a dissuasão era imoral, autoridades vaticanas se preocuparam com uma corrida final em torno do papa, sem mencionar as declarações da Igreja sobre a teoria da guerra justa. Os bispos americanos foram chamados a Roma e, posteriormente, “publicaram uma cuidadosa aceitação limitada da dissuasão nuclear”, falou Christopher Ruddy, teólogo da Universidade Católica. “Deu certo”.
No entanto, o próprio João Paulo II estava preocupado com o seu papel. Em 1995, escreveu uma encíclica dizendo que o papado, com toda a sua bagagem histórica e autoridade moderna, poderia ser visto como um obstáculo para o ecumenismo (relações entre as igrejas cristãs). Se o papa não puder honrar melhor a autoridade dos outros bispos, escreveu, como poderiam os católicos se unirem junto às outras partes do cristianismo?
Claro, o problema para o Papa Francisco é que quanto mais humildade ele demonstra, maior ele se torna. Nas últimas semanas ele foi elogiado pela abertura ao público dos jardins da residência de verão, pedindo aos sacerdotes para pararem de se imaginarem como “pavões” e “paladinos”. “Isso apenas me faz gostar dele mais ainda”, postou no Facebook a colunista sobre religião Cathleen Falsani.
Entre as questões presentes no debate teológico sobre o papado está a forma como manter unificada uma verdadeira Igreja global, como equilibrar a autoridade do Vaticano com aquela dos bispos para levar adiante as doutrinas da Igreja, e qual a margem de tolerância que os leigos têm para tomarem decisões sobre a vida paroquial e sobre sua própria consciência. Enquanto que o Concílio Vaticano II falou sobre o empoderamento do laicato e sobre tornar os bispos um pouco mais iguais ao papa, a maioria dos historiadores percebem que aquele controle central se tornou mais forte do que nunca. De fato, o poder papal foi reafirmado mesmo sob a nuvem dos recentes escândalos de abusos sexuais do clero, os quais, muitos acreditam, desgastaram a autoridade moral do Vaticano.
“Acho que o objetivo, como o papa o vê, não é minar a autoridade papal, mas sim dizer: a Igreja estará mais forte se cada um aproveitar a responsabilidade que lhes cabe; [a Igreja estará mais presente na sociedade] se os leigos, religiosos, bispos e todo mundo forem mais ativos, em vez ficarem sentados ao redor esperando por ordens”, disse Ruddy da Universidade Católica. “Mas qual o papel do papa nisso? Será que depositamos demasiada ênfase no que o papa é que ficou não só inimaginável para as pessoas em geral como também não está claro realmente o que o papado significa?
Agora Francisco pode estar até mesmo transcendendo o status de superstar que João Paulo II atingiu, e abraçando o carinho tão evidente das mídias sociais para consigo. E alguns, particularmente os católicos conservadores, estão preocupados que o seu estilo colaborativo possa estar abrindo a Igreja para problemas futuros. Ao convocar uma reunião com os principais cardeais, em Roma, para discutir questões relativas à família – que inclui a possibilidade de se liberalizar o acesso à comunhão para católicos divorciados e recasados sem antes terem obtido uma anulação –, ele pode estar dando esperanças aos católicos que anseiam por reformas, o que poderia terminar em frustração e em mais divisão.
É distante de Roma, nos lugares onde os católicos vivem e rezam, que o impacto real dos esforços do papa irá ser visto. Numa turma de segundo ano do ensino médio, durante uma aula de ética cristã na semana passada, dada na Escola Católica DeMatha, em Hyattsville (Maryland, EUA), um aluno disse que buscaria o papa por um conselho porque “ele é a pessoa mais próxima de Deus”. A sua professora, Julie Penndorf, foi rápida em esclarecer: “Deus não ama o papa mais do que ele ama você". Este é um campo para onde a Igreja tem se movido numa direção positiva. O papa é humano.
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Papa Francisco quer que você o supere. Jornal americano comenta o primeiro ano de Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU