Por: André | 10 Março 2014
Em Roma, sente-se brotando como um mal-estar. Desde alguns dias, quando as respostas ao questionário enviado pelo Vaticano às paróquias para preparar o futuro Sínodo sobre a Família começaram a chegar, o desconforto é palpável.
Lorenzo Baldisseri, secretário-geral do Sínodo dos Bispos, alertou sobre a “urgência de tomar consciência das realidades vividas pelas pessoas e de retomar o diálogo com aqueles que se afastaram da Igreja”, dirigindo leves reprimendas às Conferências dos Bispos da Alemanha, da Áustria e da Suíça. Ao publicar as respostas, esses últimos transgrediram, com efeito, a obrigação de sigilo que havia sido imposta.
Dirigindo-se aos jornalistas, no dia 25 de fevereiro, exatamente um dia depois que o Colégio dos Cardeais teve uma reunião de dois dias para discutir sobre a pastoral da família, o cardeal Gerhard Müller, prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, declarou como “lamentável” a falta generalizada de conhecimento dos católicos sobre a doutrina da Igreja. Por outro lado, afirmou que não é porque as pessoas não compreendem a palavra de Jesus que ela possa ou deva ser mudada: “Seria paradoxal que a Igreja dissesse: ‘Uma vez que ninguém conhece a verdade, a verdade não será mais obrigatória no futuro’”.
A reportagem é de Marie-Lucile Kubacki e publicada no sítio da revista francesa La Vie, 28-02-2014. A tradução é de André Langer.
As devoluções da “base” seriam mais problemáticas que o previsto?
Na França, a maioria das respostas registradas pelos bispos franceses aponta um “desajuste” entre “o ensinamento da Igreja e as escolhas dos casais”, desajuste que aparece “particularmente em relação à contracepção e às demandas que os divorciados recasados dirigem à Igreja em relação aos sacramentos da Eucaristia e da Reconciliação”. Por outro lado, uma grande maioria das respostas destaca que a Encíclica Humanae Vitae (1868) “entranhou em muitos casais uma ruptura com o ensinamento da Igreja” e que “a insistência da Igreja sobre esse ponto parece incompreensível para essas pessoas”. Na Suíça, 90% das respostas se dizem a favor da comunhão às pessoas divorciadas recasadas e 60% “apóiam o voto de reconhecimento e de bênção pela Igreja dos casais homossexuais”.
Na Alemanha, os jovens católicos julgam “irresponsável” comprometer-se com um casamento sem ter provado a solidez do seu laço coabitando antes de receber o sacramento. Eles são 90% nesse caso e julgam a situação “quase universal”. A síntese das respostas, que não deveria ter sido publicada, afirma que muitos católicos eram favoráveis à iniciativa lançada em 2013 pela Arquidiocese de Friburgo que encorajou os casais divorciados recasados a falar da sua situação a um padre local, a fim de que a questão da comunhão seja considerada como um caso de consciência pessoal.
As coisas se complicam quando cada um tem uma ideia muito precisa do que espera do “seu” sínodo e as expectativas de uns não são necessariamente as de outros. Assim, as respostas dos católicos diferem sensivelmente quando nos afastamos da Europa. Na África, a questão sensível não é tanto saber se os divorciados recasados vão poder enfim comungar ou se confessar, mas saber como acabar com a poligamia. E para um bom número deles, acabar com a poligamia supõe incitar a Igreja a abrandar o propósito da indissolubilidade do matrimônio como relação entre um homem e uma mulher para a vida e, portanto, frear uma possível evolução concernente ao acesso a alguns sacramentos para os divorciados recasados. Assim, de acordo com o vaticanista John Allen, “a voz da África no debate parece reforçar a ala conservadora”. Segundo os prelados que participaram das sessões, “os cardeais dos países em desenvolvimento emitiram conselhos de prudência em relação a uma eventual flexibilização da posição da Igreja”.
A polifonia poderia virar uma cacofonia? Em um artigo do National Catholic Reporter, “entre os 150 cardeais que participaram das sessões a portas fechadas com o Papa Francisco para repensar as práticas da Igreja católica em matéria de pastoral familiar, alguns declararam que o Papa fez uma convocação para uma discussão num processo “mal compreendido”. Uma vez que não é possível para as pessoas de países diferentes conhecerem as especificidades de cada região do mundo, o cardeal francês Paul Poupard declarou que esperava que as reuniões ajudassem os cardeais ‘a encontrar meios para dialogar, sem que fosse uma guerra civil’”.
E se o objetivo do Sínodo foi mal compreendido? A dúvida parece aflorar. Esta é, ao menos, a opinião do arcebispo de San Francisco: “A ideia de preparar o Sínodo sobre a Família consultando os católicos como eles vivem o ensinamento da Igreja no dia a dia era uma iniciativa boa. Seu objetivo foi mal compreendido; não houve tempo para fazer o trabalho corretamente.” Com efeito, o sínodo tem por tema “Os desafios pastorais da família no contexto da evangelização”: “O simples fato de que tenha este título já é em si uma resposta”, explica Florence de Leyritz, responsável, junto com seu marido, da Alpha France. “Nos concentramos sempre sobre os temas em que o ensinamento da Igreja, ao ser extremamente mal compreendido, é rejeitado. Ora, tudo está ligado. Muitas crianças não participam da catequese e deixam a fé cair. Mesmo nas famílias católicas, as crianças recebem toda sua educação, inclusive sua concepção da sexualidade, do mundo, e não da Igreja. E embora seja um serviço às pessoas machucadas, isso se vê muito pouco... É preciso, em primeiro lugar, articular todas essas dimensões. Se não nos focarmos nas questões sobre as quais se desviam todos os olhares, nos contentaremos em tratar os sintomas do problema sem arrancá-lo pela raiz.”
Mas se, ao contrário, a proposta foi perfeitamente compreendida? Para o vaticanista Sandro Magister, o Sínodo dos Bispos poderia ser influenciado de maneira determinante por um outro sínodo, aquele da opinião pública: “Pode-se prever que estas expectativas da opinião pública se farão ainda mais fortes e prementes quando o Sínodo se reunir pela primeira vez em outubro próximo. (...) Está acontecendo então com este Sínodo, por decisão voluntária do Papa e das altas hierarquias, o que aconteceu de maneira imprevista com o Concílio Vaticano II, ou seja, sua duplicação em um concílio “externo”, muito ativo nos meios de comunicação e em resposta a outros critérios, capazes de influir de forma determinante no verdadeiro Concílio.” Um sínodo “externo”, da opinião pública, poderia emergir, favorecido pela consulta lançada em novembro pelo envio do questionário. Então, sínodo da opinião pública e/ou Sínodo dos Bispos? A questão é tanto mais difícil porque nem a opinião pública de um lado, nem os bispos do outro, tocam a mesma partitura. Há uma forte aposta, portanto, em que o papel do chefe da orquestra seja determinante.
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Estariam os católicos se decepcionando com o Sínodo sobre a Família? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU