07 Março 2014
O livro de Damiano Marzotto, indicado pelo papa, é uma ajuda para entender que não se trata de um problema de oportunidades iguais, mas sim de uma questão espiritual profunda e original, que define a natureza da própria Igreja.
A opinião é da historiadora italiana Lucetta Scaraffia, membro do Comitê Italiano de Bioética e professora da Universidade La Sapienza de Roma. O artigo foi publicado no jornal Corriere della Sera, 06-03-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Na entrevista a Ferruccio de Bortoli, o Papa Francisco confessou que leva trabalho para casa, isto é, dedica seu tempo livre à leitura de um livro – Pietro e Maddalena. Il vangelo corre a due voci (Milão: Ancora, 2010), de Damiano Marzotto – sobre a colaboração entre mulheres e homens no Novo Testamento.
O livro contém três ensaios: sobre o celibato de Jesus e a virgindade de sua mãe; sobre o papel de Maria e das outras mulheres nos Evangelhos; e sobre as figuras femininas presentes nos Atos dos Apóstolos, investigadas com grande fineza e originalidade.
Desse modo, o papa também contribui com aquele aprofundamento que ele identificou como necessário para resolver o problema da participação feminina na vida da Igreja: "É preciso trabalhar mais para fazer uma profunda teologia da mulher".
Marzotto é bem consciente da originalidade e da importância do papel feminino no processo de evangelização e enfatiza o seu peso central em vários episódios, particularmente no mistério da morte e ressurreição de Cristo. A continuação da missão de salvação dos apóstolos e a não interrupção da relação com o mestre durante o drama da crucificação foram possíveis, de fato, graças à contínua presença das mulheres ao seu lado, "porque as mulheres tiveram a força e a coragem de seguir Jesus até a morte na cruz, não se afastando d'Ele nem mesmo depois da sua sepultura" . Assim, mesmo que a missão de evangelizar o mundo seja confiada aos apóstolos, para não se perderem, eles precisam da fidelidade das mulheres que atravessa a noite.
Nos textos canônicos, para todos os quatro evangelistas, as figuras femininas são determinantes justamente porque "a fecundidade de Cristo não se realiza sem uma estreita associação de algumas mulheres ao ministério da redenção, da regeneração da humanidade". Consequentemente, o celibato de Jesus não é visto como uma renúncia, mas sim como a proposta de uma forma mais profunda de relação com as mulheres, que valoriza a sua diferença.
Há, portanto, um papel "de provocação e, ao mesmo tempo, de antecipação por parte da mulher" que revela uma "coparticipação original" entre Jesus e as figuras femininas dos Evangelhos, indicando, assim, a possibilidade de uma relação significativa entre homem e mulher para além do relacionamento conjugal.
Particularmente inovadora é a leitura proposta das figuras femininas nos Atos dos Apóstolos, em que o estudioso identifica nas mulheres que ajudam os principais protagonistas do livro de Lucas recém-saídos da prisão – Pedro antes, Paulo depois – um modelo de acolhida e, ao mesmo tempo, um impulso à nova partida para a missão.
A presença de mulheres, portanto, parece favorecer aquela "abertura universalista", cujo desdobramento elas parecem ser capazes de captar em antecipação, e a sua função de acolhida e hospitalidade oferece as condições ideais para o dom da graça, como demonstram tantas conversões.
Um livro "belíssimo" – como o papa o definiu – que ajuda a reconhecer como a presença feminina tem sido considerada, desde as origens, como fundamental para o processo de evangelização. Um texto importante naquele percurso de aprofundamento que Francisco assinalou como necessário e uma ajuda para entender que não se trata de um problema de oportunidades iguais, mas sim de uma questão espiritual profunda e original, que define a natureza da própria Igreja.
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O livro de cabeceira que conta o papel das mulheres. Artigo de Lucetta Scaraffia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU