25 Fevereiro 2014
Já se passaram oito meses desde junho, quando os protestos começaram nas ruas de São Paulo. Faltam quatro meses para a Copa. Houve tempo para que as autoridades tentassem compreender o que está ocorrendo, mas depois da noite de sábado fica cada vez mais evidente que a PM e a Secretaria de Segurança navegam como uma nau sem rumo. A direção varia conforme o vento e o humor da opinião pública, com estratégias que mudam de acordo com o coronel que comanda o leme. Não existe uma clara visão de Governo sobre o problema. Quem decide sobre esse temas tão delicados para o Estado parecem ser os coronéis, como se as manifestações fossem caso de polícia em vez de uma questão política.
O comentário é de Bruno Paes Manso, jornalista, publicado no portal do jornal O Estado de S. Paulo, 24-02-2014.
Na tarde de ontem, o comando da PM comemorava o “sucesso” da intervenção. O que talvez os militares não perceberam, mas que estava evidente pela repercussão nas redes sociais e pelas novas articulações que passam a ser feitas, é que muito provavelmente eles jogaram mais gasolina na fogueira. Movimentos sociais passam a reforçar o coro que antes estava mais restrito aos black blocs. É como se os ilegalidades cometidas pelas autoridades legitimassem a luta nas ruas. Algo que já havia ocorrido em junho. As jornadas ganharam fôlego na mesma proporção em que autoridades praticaram abusos testemunhados pela população. Jornalistas ainda não aprenderam a prever o futuro. Mas a partir do que vi no passado, eu poderia apostar: a manifestação do dia 13 de março vai ser maior.
O blog conversou no domingo com outros jornalistas, advogados, manifestantes e autoridades que participaram dos protestos no sábado. Os abusos foram incontáveis. A detenção para averiguação, por exemplo, que já vinha sendo contestada desde junho por ser anticonstitucional, passou a ser feita no atacado, sem qualquer constrangimento. A prática foi comum ditaduras, quando suspeitos eram detidos para serem fichados pelo regime. Com a reinstaurarão da democracia, apenas aqueles que fossem pegos praticando crimes em flagrante poderiam ser levados. Não foi o que se viu ontem. Entre as mais de 300 pessoas detidas, ninguém estava de fato desrespeitando a lei. Em algumas das sete delegacias onde estavam, advogados e detidos relataram que foram tiradas fotos de pessoas com nomes escritos em plaquinhas. Cena que provocou arrepios em antigos opositores do regime militar que a testemunharam.
O uso da força, para variar só um pouquinho, foi ilegítimo. O que se viu foi violência. Uma jornalista de O Estado de S. Paulo, há pouco mais de um ano na redação e recém saída da faculdade, levou uma pancada com cassetete na cabeça e apanhou junto com um grupo de cerca de 50 pessoas que estava rendido no Vale do Anhangabaú. Os policiais deixaram o grupo sair do cerco e depois passaram a correr atrás deles para detê-los e, em alguns casos, agredi-los. Qual o objetivo desse absurdo? São policiais ou são holigans?
Um jornalista de O Globo levou um sossega leão e foi puxado pelo pescoço por mais de 20 metros porque filmava policiais trabalhando. Disse que era repórter e teve o celular quebrado. Foi solto minutos depois por um capitão ao avisar que iria denunciar o abuso na Corregedoria (órgão que; aliás, desde junho, não puniu nenhum policial por abusos nas manifestações). O sossega leão foi apenas uma das equivocadas demonstrações de violência da chamada Tropa de Braço ou Tropa Ninja, formada por lutadores de artes marciais que, segundo testemunharam jornalistas, deram suas braçadas sem identificação nos uniformes.
Um fotógrafo, inclusive, teve seu equipamento quebrado pelos policiais. Nas delegacias, advogados que ajudavam manifestantes foram acusados por alguns de seus pares de buscarem ilegalmente sua clientela. Um profissional voluntário foi agredido por outro advogado. Jornalistas e advogados não são piores nem melhores que manifestantes. A gravidade de que agressões sejam direcionadas a estes profissionais é que deixa clara a intenção de coibir acesso a direitos e a informação.
O que estava claro é que havia uma nova estratégia da PM para lidar com os protestos. O plano do coronel Celso Luís Ferreira era bem diferente do levado ao cabo por seus antecessores. Foi abandonada as tentativas de diálogo que o coronel Reynaldo Rossi tentara estabelecer nas ruas durante as manifestações anteriores. Rossi foi transferido depois de ser agredido na rua por manifestantes no ano passado. O desgaste do quebra-quebra vinha levando naturalmente a um desgaste dos protestos, que perdia apoio popular.
Na nova tática, voltava para o front o tenente-coronel Ben-Hur, que acabou perdendo o controle de seus policiais em junho, quando eles se refastelaram em agressões contra manifestantes diante das câmeras, evento que acabou se transformando no gatilho para trazer a massa da população aos protestos e catapultar as jornadas de junho. Naquele dia, a PM achou que conseguiria impedir a chegada dos manifestantes na Avenida Paulista. Deu no que vimos. Mas a crença da polícia em sua onipotência estava de volta.
No início, segundo os relatos, os protestos estavam tranquilos e havia cerca de 2 mil pessoas nas ruas, muitas delas vindos dos blocos de carnavais do centro. A PM usou dois mil homens para tentar sufocar os protestos. Agrediu e bateu nos manifestantes para depois celebrar o sucesso da ação. Para usar os termos militares, talvez tenha ganhado a batalha, mas não a guerra. Junho mostrou que as manifestações podem reagir como uma Hidra. Ao cortar uma de suas sete cabeças, novas cabeças aparecem. Em vez de sufocar, violência garante mais fôlego aos manifestantes.
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Ilegalidades nas ações da PM devem inflar atos de março - Instituto Humanitas Unisinos - IHU