13 Fevereiro 2014
Pode a justiça vaticana, em um caso de pedofilia na Igreja, chegar antes do que a italiana com uma sentença definitiva? E parecer assim ainda mais firme e inflexível? Pode, na era do Papa Francisco. Prova disso é um caso resolvido recentemente pelo Santo Ofício: o do padre Marco Mangiacasale (foto), o sacerdote da diocese de Como, na Itália, já condenado nos dois primeiros níveis do processo penal a três anos, cinco meses e 20 dias de prisão por abusos sexuais de quatro meninas menores de idade.
A reportagem é de Marco Ansaldo e Elena Affinito, publicada no jornal La Repubblica, 12-02-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O ex-pároco e depois ecônomo da paróquia de San Giuliano, com uma sentença assinada pelo papa argentino e pelo prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, Dom Gerhard Ludwig Müller, no último dia 13 de dezembro, foi "reduzido ao estado laical".
O procedimento, que ocorreu depois de uma investigação (Investigatio praevia) do delegado da averiguação, o padre Andrea Stabellini como vigário judicial, equivale, para um sacerdote, à pena máxima aplicável segundo o Direito Canônico. "É como uma condenação à morte ou à prisão perpétua", disse um atento observador de assuntos vaticanos.
E é uma medida que, nesse caso, a Santa Sé tomou não através de um processo tradicional, com as testemunhas e a defesa. Mas até escolhendo a via administrativa, a mais rápida, dado o grau de certeza do Vaticano.
A redução do padre Mangiacasale ao estado laical é a primeira de que se tem notícia para um sacerdote italiano com Francisco. Outro caso, enfrentado no ano passado pelo Santo Ofício, é o do padre australiano Greg Reynolds.
A Congregação para a Doutrina da Fé trabalha intensamente: no biênio 2011-2012, os padres despojados por Bento XVI do seu ministério sacerdotal foram cerca de 400. A fonte comenta, sem se admirar: "Essa é a política, que, em linguagem secular, poderia ser definida como justicialista, introduzida por Ratzinger quando, como cardeal, dirigia o Santo Ofício. Antes como prefeito e depois como pontífice, a fim de reprimir o triste fenômeno, ele introduziu uma legislação inflexível e, em alguns casos, não garantista".
No documento, o Papa Francisco e o prefeito Müller dão a faculdade ao bispo da diocese de Como, Dom Diego Coletti, de divulgar a notícia. No dia 30 de janeiro, uma quinta-feira à noite, Coletti convocou ao seu escritório, das 21h às 22h30min, as famílias envolvidas. Todos de pé, foi feita a leitura das disposições da hierarquia eclesiástica.
"O padre Marco Mangiacasale foi reduzido ao estado laical, não poderá trabalhar como educador nas escolas católicas, nem participar de qualquer modo de grupos ou organizações onde jovens estejam presentes". O documento vaticano já havia sido assinado por Marco Mangiacasale. Os presentes apuseram a sua contra-assinatura. Sentando-se, pediram que o bispo divulgasse a decisão.
"De acordo conosco, é bom divulgar a notícia. Parece-nos certo que os fiéis de San Giuliano saibam como se concluiu o procedimento canônico e que existe uma Igreja limpa, na qual nós acreditamos, capaz de fazer justiça. Dê-nos um presente, Dom Coletti: no sábado, 15 de fevereiro, quando o senhor vier visitar a paróquia, diga-o à comunidade".
A discussão foi longa. E bastante acalorada. Mas nada a fazer. Coletti decidiu manter reserva sobre o caso. Até mesmo em um momento em que, depois da polêmica ONU-Vaticano sobre a pedofilia, o próprio porta-voz papal, padre Federico Lombardi, lembrou que a Igreja aborda a questão "com uma exigência de transparência". O golpe de cena final, na véspera da visita pastoral do bispo de Como a San Giuliano, foi a repentina comunicação do bispo de que não poderia ir, citando motivos de saúde.
Há quem diga que Coletti (que, contatado pelo La Repubblica através da sua secretaria de imprensa, preferiu não falar) se sentiu superado pela sentença da Santa Sé. E podem ser lembradas as suas palavras no momento da condenação do padre Marco, quando disse que o sacerdote "admitiu os seus erros e está seguindo um caminho de reparação do mal cometido". Talvez, dizem no Vaticano, Dom Coletti, "como um pai, visava ainda a recuperar a própria ovelha".
Ao contrário, há quem diga que o bispo de Como talvez agiu excessivamente na defesa do padre Marco, contribuindo, durante anos, para encobrir o caso antes que fosse descoberto graças a uma declaração de uma das meninas ao novo pároco de San Giuliano, padre Roberto Pandolfi.
Marco Mangiacasale, que, à espera da sentença definitiva da Cassazione [Supremo Tribunal de Justiça italiano], já descontou, de 8 de março a 26 de maio de 2012, dois meses de isolamento na prisão de Bassone, em Como, e agora se encontra protegido na casa da irmã, indenizou as famílias, como ordenou a justiça civil. Agora, a justiça vaticana também interveio.
Não há descontos na era da transparência do Papa Francisco.
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O veredito sem apelo de Bergoglio contra o padre pedófilo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU