Por: Cesar Sanson | 11 Fevereiro 2014
Militantes que sempre se identificaram com o partido de Lula e de Dilma Rousseff decidiram atuar em protestos ou fora da política partidária, principalmente por falta de opções no cenário atual.
A reportagem é de Afonso Benites e publicada pelo El País, 10-02-2014.
Quando o PT entra no seu 12º ano de governo, um grupo que costumava militar ao seu lado começa a sentir que tem sido colocado cada vez mais para escanteio. Parte dos militantes da esquerda brasileira estão se distanciando do petismo, mas também sentem-se órfãos por não terem em quem se sustentar no atual cenário político, onde as maiorias dos partidos são de centro ou de uma esquerda radical que quase não tem ressonância na sociedade.
O PT, que nesta segunda-feira comemora 34 anos, nasceu em meio a um momento de confrontação com o regime militar. Agora, mudou seu espectro. Para cientistas políticos e sociólogos, o partido fundado por operários, como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e intelectuais, como o historiador Sérgio Buarque de Hollanda, hoje milita na centro-esquerda.
“É o mesmo movimento pelo qual passaram os partidos de esquerda da Europa. Depois de ficarem no poder por um tempo acabaram migrando para o centro, só que no Brasil demorou um pouco mais”, afirmou o cientista político Carlos Ranulfo, professor na Universidade Federal de Minas Gerais e coautor do livro A Democracia Brasileira – Balanço e perspectiva para o século 21.
Essa migração forçou uma transmutação dos movimentos sociais que sempre acompanharam os petistas nas urnas e nas ruas. Os sindicalistas que eram fortemente representados na esquerdista e oposicionista Central Única dos Trabalhadores (CUT) se dividiram e se difundiram para vários outros grupos como a Força Sindical e a Central Geral dos Trabalhadores do Brasil.
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) e o Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST) claramente se distanciaram do governo Dilma Rousseff. Apesar de estar insatisfeito com os rumos das gestões petista, o MST é mais discreto, não reclama tanto e faz algumas invasões de terra. Enquanto que os sem-teto tecem críticas públicas ao governo federal. Em São Paulo, os sem-teto retomaram com intensidade as invasões de imóveis abandonados, aumentaram seus protestos e até ameaçam invadir operadoras de telefonia.
“Há quem acredite que o PT se transformou naquilo que ele criticava. Seria uma nova forma do neoliberalismo. Além disso, ele conseguiu calar quem seriam seus críticos. A CUT é um caso paradigmático, de movimento de luta que se transformou em apoiador do governo. Foi cooptada”, afirmou o cientista político argentino Gonzalo Rojas, que vive há 14 anos no Brasil e leciona na Universidade Federal de Campina Grande.
Apesar dessa mutação, há estudiosos que ainda enxergam algumas características esquerdistas no PT. “Ele abriu mão do projeto de transformação social que tinha originalmente e, sendo assim, caminhou para a direita. No entanto, em contraste com os principais grupos da oposição, o PT ainda mantém algum grau de preocupação social, mesmo que limitada a políticas compensatórias”, analisou o doutor em sociologia Luis Felipe Miguel, professor da Universidade de Brasília (UnB) e autor do recém lançado livro “Democracia e Representação”.
Manter-se completamente na esquerda após três governos seguidos é algo extremamente difícil, diz Ranulfo. “Uma coisa é fazer oposição. A outra é governar.”
Indo para as ruas
A tal orfandade acontece também porque os partidos que hoje se dizem de esquerda não conseguem angariar apoio social e não têm políticas claras. Esses são os casos de PSTU, PCB, PCO e PSOL. “São partidos muito doutrinários, com pouco peso social.”, diz Miguel. Outros como o PC do B tem se demonstrado cada vez mais pragmáticos.
“Há uma certa esquizofrenia entre o discurso do PC do B e a prática”, afirma Ranulfo. Em alguns Estados os comunistas dessa legenda fazem alianças com governos com partidos de direita ou simplesmente abdicam de atuar na oposição mais radical. Já a Rede, que a ex-senadora Marina Silva tenta criar, e o PSB, do governador do Pernambuco, Eduardo Campos, têm representantes da esquerda, mas não se caracterizam como partidos esquerdistas.
Nesse cenário os militantes da esquerda tem atuado em alguns poucos sindicatos e, mais diretamente, nos protestos sociais. Ou seja, fora da política partidária. É comum ver jovens, e outros nem tão jovens assim, nas ruas das principais cidades do país portando faixas e cartazes contrários à Copa do Mundo, que lutam contra os reajustes das tarifas do ônibus ou pedem a desmilitarização da Polícia Militar.
“Sempre atuei na esquerda. Já atuei em sindicato e sempre votei no PT. Mas hoje ele já não me representa mais. Só me resta ir para as ruas”, disse o servidor público aposentado Flávio Oliveira, de 65 anos, que participou de quatro protestos no ano passado em São Paulo e só não foi no primeiro ato deste ano, no dia 25 de janeiro, porque estava em viagem de férias com os netos. Nesses mesmos protestos foi possível ver também uma ou outra bandeira do PSTU, do PSOL ou do PCB.
E qual seria a alternativa de quem um dia já apoiou o PT, mas não se identifica com as cartas que estão postas na mesa? “Nenhuma. Mesmo descontentes os movimentos sociais ainda preferem ter o PT no governo do que outros. Você já imaginou um partido como o PSDB discutindo a política agrária com o MST? Ou chamando esses movimentos para discutir os rumos de seu partido, ainda que isso fique apenas no discurso? Pode até ser que essa característica da esquerda tenha diminuído bastante nos três mandatos do PT, mas ela ainda existe”, conclui Ranulfo.
O pensamento dele é compartilhado por Miguel: "O MST vai favorecer a vitória de Aécio Neves ou de Eduardo Campos, cujos compromissos com o latifúndio são ainda mais fortes? Com o PT, pelo menos permanecem abertos alguns canais de diálogo. Assim, a ruptura nunca é completa."
O começo do jogo
Nos últimos dias, o PT voltou a apelar ao seu principal líder para dar o pontapé inicial na campanha eleitoral deste ano. Além de reeleger a pouco carismática Dilma Rousseff à presidência, a outra meta dos petistas é conseguir o governo de São Paulo e romper com as duas décadas de mando do PSDB. No sábado passado, o ex-presidente Lula compareceu a um dos primeiro atos de campanha ao governo paulista de Alexandre Padilha, o ex-ministro de saúde de Rousseff.
Apesar de nunca ter efetivamente abandonado a política, desde que deixou o governo e teve de lutar contra um câncer, Lula fez raras aparições públicas para defender seus aliados. As últimas e mais contundentes foram na campanha da própria Rousseff, em 2010, e na de Fernando Haddad para a prefeitura paulistana em 2012.
Nos dois casos, ele atingiu o objetivo e elegeu dois políticos com nenhuma experiência nas urnas para cargos que seriam considerados fundamentais para qualquer partido, principalmente para um que tenta se redescobrir em sua fase adulta.
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Após 12 anos de governo do PT, parte da esquerda brasileira se vê exilada - Instituto Humanitas Unisinos - IHU