16 Novembro 2013
Mesmo como divorciados em segunda união é possível estar em comunhão com Deus.
A opinião é do teólogo alemão Klaus Lüdicke, professor da Westfälischen Wilhelms-Universität, em Münster. O artigo foi artigo publicado no sítio Konradsblatt-online.de, 06-11-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
A história se repete? Vem à mente o ano de 1994. No ano anterior, os bispos da região do Alto Reno tinham publicado uma carta pastoral sobre o acompanhamento pastoral, dentre outras coisas dos divorciados em segunda união, segundo a qual a decisão em consciência de tais católicos de se aproximarem da comunhão devia ser respeitada. Cerca de 19 anos atrás, a Congregação para a Doutrina da Fé tinha rejeitado essa carta pastoral e remetido novamente os divorciados em segunda união ao procedimento da nulidade do casamento, declarando que essa era a única maneira para colocar novamente em ordem os seus relacionamentos e se aproximarem da comunhão.
A reedição dos acontecimentos de 20 anos atrás?
Em 2013, está acontecendo a mesma coisa? O escritório pastoral do arcebispado de Friburgo publicou um documento de orientação que retoma as reflexões da carta pastoral de 1993 e explica que as pessoas que, com um (segundo) casamento civil, escolheram uma relação de responsabilidade um pelo outro merecem um reconhecimento moral. A decisão tomada por eles responsavelmente em consciência por essa forma de vida deve ser respeitada pelo padre e pela comunidade, nos casos individuais, até a possibilidade de ter acesso aos sacramentos da reconciliação e da eucaristia.
Muito pouco tempo depois, o L'Osservatore Romano, o jornal da Santa Sé, publicou um longo artigo do atual prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, o arcebispo Gerhard Ludwig Müller, que em junho já tinha se manifestado no Tagespost. Os seus pontos firmes: os divorciados em segunda união continuam excluídos, porque a misericórdia de Deus não é uma dispensa dos mandamentos de Deus e das diretrizes da Igreja. O mandamento de Deus é que o matrimônio é indissolúvel. Estamos, portanto, diante de uma reedição dos acontecimentos de 20 anos atrás?
Não escapou de ninguém que, desde a eleição a papa de Jorge Mario Bergoglio, algo mudou na Igreja. O problema de como a Igreja se posiciona com relação ao divórcio e o segundo casamento, de como se posiciona diante dos divorciados em segunda união permaneceu sempre o mesmo. Mas parece ter aumentado a disponibilidade de enfrentar o problema seriamente. A Conferência Episcopal Alemã instituiu uma comissão que lida principalmente com os aspectos do direito matrimonial, e o Papa Francisco anunciou para outubro de 2014 um Sínodo dos Bispos que terá esse tema na pauta do dia. Não se podia esperar para publicar o "documento de Friburgo"?
A diferença entre pecado grave e venial
Um olhar sobre o Direito Canônico poderia ser útil, porque as comunicações oficiais da Igreja se fundamentam precisamente sobre tal direito, e os teólogos pastorais da Alemanha o sentem como uma pedra no sapato, que impede soluções adequadas. Se o documento de Friburgo reflete o direito vigente, não deveria haver nenhum motivo para esperar.
Assim, um olhar para o Direito Canônico: o direito matrimonial da Igreja está exatamente na base das argumentações do arcebispo Müller sobre a indissolubilidade do matrimônio: quem contraiu matrimônio sacramental e o ratificou com relações íntimas não pode contrair nenhum outro matrimônio que possa ser reconhecido pela Igreja. Nisso o Direito Canônico não deixa nenhuma dúvida. Portanto, para as pessoas que querem celebrar o seu casamento civil também na Igreja, não existe nenhuma possibilidade, a menos que o primeiro casamento não seja nulo, ou não sacramental, ou não consumado. Informações sobre o que isso significa e como isso pode valer são dadas pelos tribunais eclesiásticos. E muitas vezes podem ser úteis.
Mas a questão é outra – e é disso que se discute – se as pessoas que se casaram de novo civilmente têm o direito de se aproximar dos sacramentos. O Código de Direito Canônico reconhece o direito fundamental de todos os fiéis aos sacramentos expressamente e destaca que o direito à eucaristia é possuído por todos aqueles que não estão excluídos com base no direito (cânone 912 do Código de Direito Canônico). Não podem ser permitidas aqueles que, por sentença eclesiástica, são excomungados ou proibidos – tal condenação proíbe que se se aproxime dos sacramentos – ou que persistem como impenitentes em pecado grave (cânone 915).
Se se quiser aplicar essa norma para os divorciados em segunda união, é preciso saber o que a Igreja entende por pecado grave. O Papa João Paulo II, "com a tradição da Igreja", como ele mesmo diz, estabeleceu que o pecado grave – antes se falava de pecado mortal – é a decisão livre, consciente e desejada de um cristão de se separar de Deus e do seu mandamento de amor. Todo comportamento que permaneça abaixo do limiar da separação de Deus não é um pecado grave, mas sim um pecado chamado venial, que não põe fim à comunhão com Deus e que não faz com que se perca o estado de graça (Carta Apostólica do Papa João Paul II Reconciliatio e paenitentia, 1984, n. 17).
Esse esclarecimento do que é um grave pecado que exclui da comunhão com Deus é uma afirmação fundamental da teologia penitencial. Porque uma decisão contra Deus também pode ser tomada indiretamente, no caso em que uma pessoa decide algo que está em total contraste com a vontade de Deus – por exemplo idolatria, ateísmo – e que a teologia moral chamou repetidamente de transgressão aos mandamentos, que, como tais, são pecados graves, incluindo também o adultério e as relações sexuais entre pessoas que não são casadas. Só que falar de transgressões significa apenas dizer uma meia-verdade: falta a especificação de que não é o fato em si que constitui pecado, mas sim a decisão simultânea contra Deus tomada livre e conscientemente.
A qualidade moral de um segundo casamento apenas civil
Se a decisão bem ponderada e tomada em consciência de um segundo casamento (civil) é desejada pelas pessoas envolvidas como uma decisão contra Deus, então elas não são autorizadas a se aproximar dos sacramentos. Se, porém, o seu desejo de projetar a sua união com Deus e com a Igreja é autêntico, não lhes pode ser atribuída a vontade de terem querido se separar de Deus. Portanto, elas não só tem o direito à misericórdia, mas também têm o direito fundamental aos sacramentos, à participação na eucaristia. A decisão sobre o fato de ser ou não digno de receber o sacramento deve ser tomada por elas mesmas de modo responsável diante de Deus, assim como se pode ler na primeira carta aos Coríntios.
Como é possível que o documento de Friburgo e o do arcebispo de Müller podem fazer referência ao direito canônico? Porque os dois documentos tratam essencialmente de questões diferentes. O arcebispo Müller dá amplas motivações – nisso, em total acordo com o seu antecessor, o cardeal Joseph Ratzinger – do fato de que o matrimônio é indissolúvel. E ele tem o direito canônico do seu lado.
Por outro lado, o documento de Friburgo fala da situação dos divorciados em segunda união, reconhece a fé deles e o seu pedido de sacramentos, valoriza a decisão de um casamento civil como assunção de responsabilidade de forma pública e de maneira juridicamente vinculante. Ele descreve a qualidade moral de tal casamento civil tão respeitosamente que a crítica de um pecado grave não se apresenta – com razão.
Não há "motivos intrínsecos" para recusar o sacramento
Então os dois documentos podem simplesmente coexistir? Não totalmente, porque o arcebispo Müller cita o cardeal Ratzinger com as palavras: "Se um matrimônio anterior de fiéis divorciados em segunda união era válido, a sua nova união em circunstância alguma pode ser considerada conforme ao direito, e, portanto, por motivos intrínsecos, não é possível uma recepção dos sacramentos".
Não se explicita quais são esses motivos intrínsecos. Ao contrário, o arcebispo escreve no fim do seu artigo a respeito da relação entre os divorciados em segunda união com Deus: "É importante lembrar, a propósito, que, além da comunhão sacramental, existem outros modos de entrar em comunhão com Deus. A união com Deus é alcançada quando nos voltamos a Ele na fé, na esperança e na caridade, no arrependimento e na oração". Portanto, mesmo como divorciados em segunda união é possível estar em comunhão com Deus. Que motivos intrínsecos poderiam autorizar a Igreja a recusar os sacramentos a essas pessoas?
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Direito fundamental aos sacramentos: canonista alemão defende o documento de Friburgo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU