02 Novembro 2013
O Papa Francisco está convidando os católicos a "não permanecer estáticos" e a escolher a forma de fazer a diferença para os outros, disse a líder de um grupo de 600 mil irmãs e freiras católicas de todo o mundo.
A reportagem é de Joshua J. McElwee, publicada no sítio National Catholic Reporter, 30-10-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O papa, disse recentemente a Ir. Carmen Sammut, está dando ao mundo uma "grande esperança".
"É como uma janela se abrindo em direção a algo novo, onde a Igreja é vista mais como povo de Deus, não apenas como hierarquia", disse Sammut. "É fascinante. Você quer saber o que vai acontecer em seguida".
Sammut, que, como presidente da União Internacional das Superioras Gerais (UISG), representa cerca de 1.800 líderes de congregações de irmãs e freiras católicas, falou ao NCR no dia 30 de setembro.
Natural de Malta, Sammut também é a superiora das Irmãs Missionárias de Nossa Senhora da África, uma congregação internacional de mulheres religiosas fundada em Argel, mas que agora tem sua sede em Roma. Ela foi eleita para o cargo da UISG em maio, após a assembleia trienal da União.
Ela passou 28 anos na África antes de ingressar na equipe de liderança da sua ordem, servindo como professora durante esses anos na Argélia, Tunísia e Mauritânia. Ela fala fluentemente maltês, inglês, francês e árabe.
Falando do seu escritório na sede da UISG do outro lado do Tibre, em Castel Sant'Angelo, Sammut falou sobre as questões nas quais ela espera concentrar-se durante o seu mandato de três anos junto ao grupo global das irmãs.
Ela também falou sobre o amplo papel das mulheres religiosas e a situação da relação entre religiosas ao redor mundo e o Vaticano.
Parte do papel da vida religiosa, disse ela, é "encontrar-se com aqueles que, por natureza, não iríamos encontrar".
"Eu não posso deixar de pensar nisso pelo fato de ter vivido boa parte da minha vida com os muçulmanos, diferentes de nós por causa da religião", disse ela. "Por natureza, nós tentamos ir ao encontro daqueles que são como nós. Por vocação, penso eu, temos que ir ao encontro daqueles que não são como nós, ao encontro do outro".
Sammut também mencionou as relações entre o seu grupo e o cardeal João Braz de Aviz, chefe da Congregação para os Religiosos do Vaticano, que falou na assembleia da UISG em maio. Ela disse que o seu grupo havia se reunido com o cardeal recentemente e que tiveram uma discussão "muito franca".
Eis a entrevista.
Qual foi o seu sentimento quando foi eleita presidente da UISG? Qual era a sua esperança ou desejo imediatos?
Eu não sei se eu tinha alguma esperança ou desejo. Eu não pensei em nada, me deu um branco – era como se eu tivesse congelado.
Eu acho que comecei a ter esperanças e desejos quando nos encontramos pela primeira vez – nós dez, o comitê executivo –, quando vimos que vínhamos dos cinco continentes, que éramos muito diferentes, que tínhamos um caminho anterior e experiências de vida religiosa muito diferentes.
Juntas, começamos a ter uma esperança de que poderíamos fazer algo novo, poderíamos ajudar de alguma forma as outras religiosas a implementar o que havia sido dito durante a assembleia, ir em frente.
Assim, algumas das nossas esperanças são de que nós podemos criar uma melhor comunicação com as Constelações. A UISG está dividida em Constelações de acordo com os diferentes países. Por isso, esperamos que possa haver mais comunicação entre nós, para que possamos ver como avançar a ideia da vida religiosa para hoje.
Eu sei que, depois da assembleia, o seu grupo também redigiu um documento orientador, chamado de orientação da missão. Havia algo nele que a inspirou mais ou que você queira trabalhar como presidente?
As orientações são fruto daquilo que tínhamos discutido. E a discussão era sobre "Não será assim entre vós", um tipo de liderança que é mais do que serviço. Para mim, o que eu vi ao ler essas orientações muitas vezes é que elas se concentram naquilo que é muito importante: que a vida religiosa é como o que o papa nos disse, ela é um "êxodo".
Eu senti que ele estava resumindo de alguma forma aquelas orientações. É um êxodo: sempre sair de si mesmo, para fora do ego, em direção a Deus e ao outro. E esses dois não podem ser separados.
Eu senti, sim, que nós estávamos naquele encontro de religiosas para ouvir o que o Espírito está nos dizendo hoje, sem continuar pensando sempre o que éramos ontem. O Espírito está sempre nos pedindo para nos adaptarmos, para mudar, para nos transformar, de modo a responder às demandas de hoje, às demandas das pessoas que sofrem hoje.
Eu vejo isso em ângulos diferentes. Eu vejo aqueles que são os pobres, aqueles que são excluídos, os migrantes, mas também culturalmente, aqueles diferentes de nós culturalmente.
Eu não posso deixar de pensar nisso pelo fato de ter vivido boa parte da minha vida com os muçulmanos, diferentes de nós por causa da religião. É ir sempre ao encontro daqueles que não iríamos normalmente.
Essa é uma das coisas sobre a vida religiosa: encontrar aqueles que, por natureza, não iríamos encontrar. Por natureza, nós tentamos ir ao encontro daqueles que são como nós. Por vocação, penso eu, temos que ir ao encontro daqueles que não são como nós, ao encontro do outro.
Você mencionou o encontro com o papa e de como ele falou sobre esse êxodo. Como presidente desse grupo de irmãs, como você vê o que o papa tem falado?
Eu sinto que a maioria das coisas que ele diz é energizante, porque ele está nos dizendo para ir em frente nesse caminho, para ir em frente com aqueles estão na periferia, como ele os chama. Aqueles que estão em necessidade hoje.
Outro ponto que o Papa Francisco tem repassado várias vezes tem sido a necessidade de a Igreja refletir sobre a situação das mulheres e a teologia das mulheres, sobre e seu lugar na tomada de decisões da Igreja. Isso é o ele tem dito.
Espero que, como UISG, um dia, também sejamos capazes de assumir esse desafio de aprofundar com outros grupos de mulheres e, até mesmo com homens, a resposta a esse chamado do Papa Francisco de aprofundar qual será o papel, a posição das mulheres na Igreja e de que forma elas podem desempenhar a sua parte na tomada de decisões da Igreja.
Eu sei que, nos últimos anos, houve algumas discussões sobre ordens de mulheres que não são internacionais, aquelas de rito diocesano e que tecnicamente se dirigem diretamente ao seu bispo. Isso é algo que você também gostaria de pensar com o papa? Como isso está organizado?
Na verdade, eu não sei muito sobre congregações diocesanas, exceto na África, porque a minha experiência é principalmente com congregações africanas, porque esse é mais ou menos o nosso campo de trabalho. Eu sei que em alguns lugares as congregações diocesanas tem algumas dificuldades.
É algo que a UISG ainda está examinando e explorando?
O grupo executivo da UISG se reúne, mas isso ainda não começou. Temos também duas reuniões por ano com o dicastério [Congregação para os Religiosos do Vaticano], e eu sei que as relações mútuas na Igreja são uma das coisas com as quais eles estão preocupados, assim como nós.
Uma coisa que realmente me surpreendeu no encontro da UISG foi o tempo e a franqueza com a qual o cardeal Braz de Aviz falou. Você conversou com ele desde então?
Tivemos uma reunião há alguns dias. Ele é um homem muito aberto, muito franco e muito profundo. Suas ideias vêm de uma espiritualidade muito profunda. Isso é o que eu verifiquei no último encontro.
As discussões foram sobre o que poderíamos tratar nas reuniões que temos com o dicastério. Há algumas coisas que nós levamos em consideração, como o tema das relações mútuas dentro da Igreja – os bispos, os religiosos e os leigos. É um grande tema que já foi estudado um pouco, mas necessita todo o tempo para ser trazido para a realidade de hoje.
Uma das coisas que estamos falando também é o número de religiosos e religiosas que deixam as congregações a cada ano. Para examinar um pouco por que alguém decide sair. Para tentar descobrir quais são as motivações e o que poderia ser feito por nós e pela Igreja a fim de ajudar.
Acho que o que precisamos ver, antes de tudo, é o que é necessário, e talvez a gente vai descobrir que precisa haver mais discernimento, para que as pessoas não entrem não tendo realmente uma vocação e, somente depois de alguns anos, descubram isso.
Mas, obviamente, uma vocação é um dom de Deus. E é algo muito misterioso. Não sabemos realmente – mas, às vezes, talvez, o discernimento não é bem feito, e assim uma pessoa leva um longo tempo para discernir que esse não é o seu caminho.
Ou, às vezes, pode ser também que uma pessoa não está recebendo apoio suficiente na comunidade.
Eu sei que houve também uma apresentação na assembleia da irmã franciscana Florence Deacon sobre a Leadership Conference of Women Religious (LCWR). Eu sei que se passaram muitos anos e, pelo menos nos EUA, parece que o processo ainda está em andamento. Ainda há discussão sobre isso em termos de efeito global? O que isso significa para as religiosas em outros lugares fora dos EUA?
Para dizer a verdade, eu não sei. A vice-presidente da UISG, a irmã de São José Sally Hodgdon, participou da última reunião da LCWR. Ela disse que parece que as coisas estão andando, sim, e eu acho que elas ficaram felizes com o último encontro. Parecia que, mais ou menos, se está indo na direção certa agora.
Quanto a ter um efeito global, cada continente tem seus próprios problemas particulares. Aquilo que eu pude perceber das pessoas que estavam na minha mesa durante o encontro, da Índia ou de algumas partes da África, é que o grande problema é a formação ou o discernimento da vocação, porque elas têm muitas pessoas: o que fazer com isso, como dar a elas uma educação universitária, e tudo isso.
E, em alguns outros lugares, é a escassez.
De certa forma, todo o mundo é afetado pelo que acontece nos Estados Unidos. Mas, ao mesmo tempo, eu diria também que todo mundo está imerso em seus próprios problemas.
Existe um sentido de diálogo para você com o Papa Francisco? Nos EUA, muitas pessoas parecem ter uma esperança de que algo mudou ou está diferente. Isso é semelhante em todo o mundo?
Para mim, eu tenho esperança. Eu tenho esperança quando eu o ouço falar da sinodalidade, por exemplo; quando eu o ouço falar sobre tomar decisões não somente por si próprio; quando eu o ouço falar também sobre como as mulheres devem ter o seu lugar na tomada de decisões.
Tudo isso me dá esperança. Mas eu estou esperando para ver como isso vai se desenvolver, porque eu não sei. Eu não sei como ele vai desenvolver tudo isso agora. Isso ainda é muito novo e nos dá uma grande esperança e uma abertura.
É como uma janela se abrindo em direção a algo novo, em que a Igreja é vista mais como povo de Deus, não apenas como hierarquia. É fascinante. A gente quer saber o vai acontecer em seguida.
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''Papa nos convida a mudar, a fazer a diferença'' Entrevista com Carmen Sammut, líder religiosa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU