22 Junho 2013
Hervé Théry, geógrafo francês, pesquisador no CNRS-Creda e especialista em disparidades no Brasil, leciona na Universidade de São Paulo e falou com o "Le Monde".
A entrevista é de Sophie Landrin, publicada no jornal francês Le Monde e reproduzida no Portal Uol, 20-06-2013.
Eis a entrevista.
O movimento de protestos desencadeado pelo aumento do preço da tarifa dos transportes esclarece algo sobre o estado das cidades brasileiras?
Cerca de 80% dos brasileiros moram em cidades. As cidades são atraentes porque oferecem serviços e empregos, mas carecem de infraestrutura em matéria de transportes, saneamento básico, moradia. São concentrados de desigualdades. São Paulo, que tem 18 milhões de habitantes, 20 milhões se contar suas duas vizinhas, Santos e Campinas, possui somente quatro linhas de metrô. Na zona leste, uma região com quatro milhões de habitantes muito pobres, é servida somente por transportes públicos arcaicos, ônibus em péssimo estado e trens lotados. Para vir trabalhar no centro, esses habitantes levam duas horas de manhã e à noite. Aqui, o aumento das tarifas do transporte foi ainda mais mal visto pelo fato de que o prefeito, eleito pelo Partido dos Trabalhadores, o mesmo do governo federal, havia feito do preço dos transportes seu principal tema de campanha.
No Rio, o teleférico tirou as favelas do isolamento...
Em parte, sim, no centro. Ele facilitou a vida dos moradores, mas também o acesso da polícia a esses bairros.
Pouco transporte coletivo equivale a muita poluição?
Sim, ainda que a situação seja menos catastrófica que na Cidade do México, pois estamos a somente 800 metros de altitude. Cinco milhões de carros circulam todos os dias em São Paulo, e estima-se que surjam mais mil a cada dia. Um dos principais eixos de circulação ao longo do rio Tietê se tornou uma via expressa urbana de onze pistas nos dois sentidos. A poluição não se limita ao ar, ela também atinge a água; os mais pobres muitas vezes moram em zonas inadequadas para construção, sem esgoto, instáveis e sujeitas grandes riscos de desmoronamento.
Então o "milagre" brasileiro não está acontecendo em termos de urbanismo?
O Brasil é um dos países mais desiguais do mundo. Existe um verdadeiro abismo entre os ricos e os pobres. Enquanto na Europa a diferença de riqueza vai de 1 a 5, no Brasil ela é de 1 a 100. Em São Paulo, 10% da população vive em favelas, na periferia. No Rio, são 25% da população em bairros muito mais centrais.
O Estado implanta moradia popular nas cidades?
Não há um aluguel subsidiado, como na Europa. Mas o governo promoveu um programa chamado "Minha Casa, Minha Vida" que envolve a construção de centenas de casas, bonitinhas, iguaizinhas, que praticamente são dadas aos habitantes. Esses conjuntos são construídos muito longe dos centros, pois requerem muito espaço.
O aspecto das cidades do Brasil é muito diferente do de outros países emergentes?
Em relação à Índia e à China, que ainda têm uma população rural numerosa, o Brasil é um país muito mais urbanizado. Ele já possui uma dezena de cidades com mais de 1 milhão de habitantes, muitas vezes com seu centro abandonado pelos ricos, como acontece na América do Norte.
Para onde vão esses ricos?
Por medo dos pobres, as classes médias e os ricos estão se reagrupando em condomínios fechados, como no resto da América do Sul. Alphaville, a primeira nova cidade brasileira construída perto de São Paulo nos anos 1970, foi franqueada no país inteiro. Mesmo nos bairros tranquilos do centro, prédios robustos são cercados por grades de ferro, protegidos por cercas elétricas e sistemas de gaiolas.
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"As cidades brasileiras concentram todas as desigualdades", diz professor francês da USP - Instituto Humanitas Unisinos - IHU