08 Mai 2013
"Desde o Concílio Vaticano II, vemos a autoridade como escuta, e a obediência como escuta a Deus. Elas se colocam no contexto da escuta a Deus mediante a voz dos pobres", disse a presidente do grupo de irmãs norte-americanas que foi obrigado a se por em revisão por parte dos bispos.
A reportagem é de Joshua J. McElwee, publicada no sítio National Catholic Reporter, 07-05-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Ouvir a Deus, disse a irmã franciscana Florence Deacon, presidente da Leadership Conference of Women Religious (LCWR), inclui ouvir o "Espírito entre todos nós".
"Se o Espírito fala entre todos nós ou está em todos nós, então a autoridade é ouvir os outros também", disse Deacon. "Você ouve a vontade de Deus de inúmeras formas".
Deacon, que também é superiora geral das Irmãs de São Francisco de Assis, em St. Francis, Wisconsin, falou com o NCR às margens do encontro internacional de líderes de congregações femininas.
A entrevista, que durou cerca de 15 minutos, é uma das poucas que a irmã-líder concedeu desde que se tornou a presidente do grupo de irmãs norte-americanas em agosto passado.
A LCWR, que representa cerca de 80% das cerca de 57 mil irmãs norte-americanas, foi obrigada a se revisar em abril passado pela Congregação para a Doutrina da Fé do Vaticano. O arcebispo de Seattle, Peter Sartain, foi nomeado como o "arcebispo delegado" do grupo, que será auxiliado por dois outros bispos norte-americanos e recebeu autoridade sobre as suas funções.
A LCWR tem dito repetidamente que as razões citadas pelo Vaticano para a revisão não eram uma representação precisa do seu trabalho. Falando ao encontro das irmãs no sábado, Deacon disse que a situação da LCWR com o Vaticano indica que há "sérios mal-entendidos" entre as autoridades vaticanas e as irmãs católicas.
O cardeal João Braz de Aviz, chefe da Congregação para os Religiosos do Vaticano, disse durante uma palestra no encontro no domingo que a situação tinha lhe causado "muita dor" e não envolveu consultas com o seu dicastério.
O encontro das irmãs internacionais – a assembleia trienal da União Internacional das Superioras Gerais (UISG) – centrou-se no tema da liderança servidora.
Durante a sua entrevista, Deacon se focou no que ela tem ouvido das suas coirmãs no encontro das religiosas, nos mal-entendidos que alguns têm sobre as irmãs norte-americanas e no sentido do diálogo e da autoridade na Igreja.
Deacon também disse que ela e as lideranças da LCWR planejam se encontrar com Sartain e os outros bispos "em algumas semanas" para continuar o diálogo sobre o mandato vaticano.
O NCR contatou Sartain repetidamente para comentar sobre o seu trabalho como arcebispo delegado da LCWR ao longo dos últimos 14 meses.
A resposta que o arcebispo deu em um e-mail na última segunda-feira foi semelhante a declarações anteriores: "Desde o início desse processo eu dei às lideranças da LCWR as minhas garantias de que eu me comunicaria diretamente com elas e não me comunicaria através da mídia. Eu tenho a intenção de manter esse compromisso".
Eis a entrevista.
Estamos aqui com 800 coirmãs suas, religiosas de todo o mundo que são líderes de suas congregações. Que sentimento lhe deu o fato de estar aqui com elas como presidente tanto da sua própria ordem quanto da LCWR?
Eu realmente me sinto energizada com isso, inspirada e mais profundamente comprometida com o testemunho das religiosas e as contribuições que podemos fazer para viver o Evangelho hoje. Você vê tantos rostos de como a vida religiosa está sendo vivida e sempre em resposta ao seu próprio tempo e à sua própria cultura. Então, para mim, é extremamente afirmativo e muito incentivador. E também muito inspirador.
A senhora também teve um momento, no sábado, em que falou com as irmãs sobre o que estava acontecendo entre a LCWR e a Congregação para a Doutrina da Fé do Vaticano. Qual foi a coisa mais comum que as irmãs internacionais mencionaram à senhora após a sua fala?
Elas estão muito felizes pelo fato de eu ter explicado o relatório para elas – fazer com que elas soubessem realmente o que estava na avaliação doutrinal. Como muitas vezes a mídia sensacionaliza algo ou o tira do contexto, em algumas culturas elas tinham apenas uma ideia muito estranha das religiosas nos Estados Unidos.
E elas ficaram muito satisfeitas em saber como nós estamos respondendo – confirmando a LCWR cada vez mais pela sua abordagem de oração onde elas estão discernindo e estão em diálogo respeitosamente. E pelo apoio esmagador à nossa abordagem e por uma preocupação real de que isso seja trabalhado pelo bem de toda a Igreja. As irmãs vieram até mim – muitas delas – para oferecer oração e apoio.
Quando elas oferecem oração e apoio – a presidente da contrapartida italiana da LCWR falou logo após a sua palestra, oferecendo-lhes "solidariedade" –, você assume isso como um sinal de solidariedade para com o processo de diálogo? Como você assume isso?
Bem, ela [a irmã dominicana M. Viviana Ballarin, presidente da União das Superioras Maiores da Itália] foi muito cuidadosa na sua fala. Ela disse claramente que estava em solidariedade conosco como religiosas e que era o nosso papel como religiosas que ela estava afirmando. Se você ouviu, ela foi muito cuidadosa para não dizer isso em uma linguagem antagônica. Nós também não queremos colocar isso em uma linguagem antagônica, por isso eu apreciei como ela formulou a sua fala, porque nós queremos resolver isso pelo bem da Igreja.
Existe algo nas respostas que a senhora ouviu aqui ou na sensação que a senhora teve que não esperava quando estava vindo para cá?
Não. Quer dizer, eu sabia que havia mal-entendidos sobre as religiosas, sobre as religiosas norte-americanas. Mas eu tive a oportunidade de estar com as religiosas de todo o mundo e eu descobri que, uma vez que elas nos conhecem, elas apreciam e compreendem que nós também somos mulheres fiéis ao Evangelho, mas estamos vivendo isso da forma como a nossa cultura pede hoje.
Quando a senhora diz que as irmãs internacionais têm um mal-entendido – eu sei que a senhora falou durante a sua palestra algo sobre a forma como a Congregação havia falado sobre a necessidade da LCWR de celebrar a Eucaristia em suas assembleias –, a senhora se refere a coisas como essa? É um mal-entendido com relação àquilo que vocês estão fazendo?
Muitas vezes há essa ideia – quando as pessoas olham para nós externamente, elas não entendem que nós ainda rezamos juntas, que nós ainda vivemos em comunidade, que nós temos muitos dos elementos de uma vida religiosa básica, histórica, mas que nós simplesmente a vivemos de forma diferente.
Elas olham para as nossas roupas e veem-nas talvez como liberdade, em vez do nosso contato com o espírito de nossas fundadoras, que geralmente usavam as roupas da época. É um mal-entendido de como estamos sendo fiéis ao nosso carisma hoje. E, assim que explicamos isso a elas, ou elas têm experiência do que somos, elas nos veem como mulheres fiéis e comprometidas com o Evangelho.
Lembro-me de uma irmã que disse: "As irmãs norte-americanas rezam". Sim, nós rezamos. Mas eles têm essas ideias estranhas, e eu realmente não sei de onde elas vêm. Como eu disse, quando elas se encontram conosco elas nos veem como pessoas comprometidas com a vida religiosa.
Nós não ouvimos nada da Congregação para a Doutrina da Fé, mas o cardeal João Braz de Aviz, da Congregação para os Religiosos, veio e falou por uma hora e meia no domingo. Ele mencionou a LCWR várias vezes, dizendo que a sua Congregação não havia sido incluída em todo esse processo, o que lhe tinha causado algum tipo de dor. Ao ouvir isso, o que a senhora pensou? Vê que há uma desconexão no Vaticano?
Outras pessoas falaram de outras situações que às vezes as pessoas veem como uma conspiração sobre o que está acontecendo. E é realidade que eles não falam uns com os outros. Os dicastérios não falam entre si. E eu ouvi falar de outras situações. Pelo que ele disse, isso é realmente o que aconteceu. Eu acho que, no início, com outras lideranças, eles estavam em comunicação entre si. Mas eu realmente me lembro que ambos os dicastérios tiveram novas lideranças desde que as investigações começaram. Pelo que ouvimos, parece que a nova liderança não estava em comunicação com a outra.
Falando com outras irmãs depois que o cardeal veio, muitas delas disseram que sentiram como se ele tivesse sido muito pessoal, ou mesmo que ele demonstrou um "grande coração". Como a senhora percebe isso?
Isso é válido. Isso ficou muito claro. Isso ficou muito, muito claro – que ele está profundamente entristecido com o que aconteceu. Ele quer que isso funcione, ele quer que haja diálogo. Ele quer que nós confiemos uns nos outros e caminhemos no espírito do Evangelho.
O cardeal também mencionou – dizendo reconhecer que havia muita dor – que ele pensava que poderia ser possível que a senhora ou a presidência da LCWR se encontrassem com o papa. Qual seria a principal coisa que a senhora gostaria de dizer nessa reunião?
Acho que nós gostaríamos de conversar com ele sobre a forma como vemos a nós mesmas como pessoas fiéis ao Evangelho, mulheres fiéis à Igreja, e tentar ajudá-lo a entender que isso é muito doloroso para nós também. E tentar que ele chegue a nos ver como mulheres fiéis ao Evangelho.
Há alguma questão em particular que a senhora gostaria de levantar referente à avaliação ou ao mandato?
Eu acho que seria, em geral, que nós vemos o processo como falho. Essa seria a visão que nós apresentaríamos, que o resultado da avaliação não nos representa como nós nos entendemos e ajudá-lo a nos ver como nós nos entendemos. E ele disse muito claramente, logo no seu primeiro dia, ou logo depois que ele se tornou papa: "Vamos começar um caminho de fraternidade, de amor e de confiança, bispo e povo, juntos".
E isso é realmente o que estamos buscando – um caminho de fraternidade, de confiança e de amor, bispo e povo, juntos. E nós gostaríamos de expandir isso para bispos e o povo, juntos, porque estamos ouvindo o chamado de muitos católicos que querem caminhar com os seus bispos.
Esse encontro realmente tem se focado na liderança servidora. Em muitos dos discursos, houve menções a questões de obediência, poder e autoridade. Bruna Costacurta falou sobre como Ester usou o seu poder. Na manhã de hoje, ouvimos sobre a "autoridade do sofrimento". Tudo isso está levantando novas ideias para vocês sobre a obediência, ou sobre a autoridade ou sobre as estruturas de poder na Igreja?
Tudo isso está explicando esses pontos em um foco diferente, mas eu não sei se isso está levantando novas questões na minha mente. Mas a imagem é linda. É uma forma pela qual eu tenho percebido o poder e a autoridade durante toda a minha vida. O Vaticano II foi há 50 anos. Esses são conceitos do Vaticano II. Para mim, eles não são particularmente novos.
Na manhã de hoje, a Ir. Martha Zechmeister mencionou que a autoridade final para as religiosas continua em Deus.
E em ouvir a Deus. Desde o Concílio Vaticano II, vemos a autoridade como escuta, e a obediência como escuta a Deus. Elas se colocam no contexto da escuta a Deus mediante a voz dos pobres. Eu tenho que voltar e reler Ester, porque essa foi uma grande surpresa para mim, no sentido de como ela [Bruna Costacurta, professora de teologia bíblica da Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma] usou Ester como um símbolo de autoridade bíblica.
O imaginário tem sido novo para mim e eu realmente quero voltar e ver isso. Mas o Concílio Vaticano II falou sobre o Espírito entre todos nós. Se o Espírito fala entre todos nós ou está em todos nós, então a autoridade é ouvir os outros também. Você ouve a voz de Deus expressada na comunidade, assim como a vontade de Deus expressada mediante situações de vida, assim como a vontade de Deus expressada através da escritura. Então, você ouve a vontade de Deus de inúmeras formas. E ouve a Deus através da autoridade estabelecida. Você olha para isso de todas essas formas.
Há aspectos diferentes?
Sim, certamente. E então, se você ouve algumas coisas diferentes, deve haver um discernimento verdadeiro de forma a saber a que o Espírito parece estar chamando você – a que Deus parece estar me chamando neste ponto, neste momento? E então você toma a melhor decisão que você pode e simplesmente a deixa nas mãos de Deus.
Nesse sentido, eu fico pensando nesse discernimento dos diferentes aspectos da autoridade, se isso é parte de como a senhora vê o diálogo. Porque eu sei que tem havido muita conversa sobre o diálogo com os bispos, ou agora com o arcebispo Sartain.
E com outras pessoas. E sobre ouvir o que Deus está nos dizendo nesta situação.
A senhora disse em sua palestra que a LCWR está realmente buscando o diálogo com os três bispos norte-americanos. Essa é a situação agora?
Vamos nos encontrar com eles em algumas semanas, os três deles juntos durante algumas horas – várias horas. Nós vamos ter uma boa chance para estar juntos e dialogar.
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''Se o Espírito está em todos nós, a autoridade é ouvir os outros também''. Entrevista com Florence Deacon - Instituto Humanitas Unisinos - IHU