Von Balthasar e o problema de Deus. Artigo de Rosino Gibellini

Mais Lidos

  • Alessandra Korap (1985), mais conhecida como Alessandra Munduruku, a mais influente ativista indígena do Brasil, reclama da falta de disposição do presidente brasileiro Lula da Silva em ouvir.

    “O avanço do capitalismo está nos matando”. Entrevista com Alessandra Munduruku, liderança indígena por trás dos protestos na COP30

    LER MAIS
  • Dilexi Te: a crise da autorreferencialidade da Igreja e a opção pelos pobres. Artigo de Jung Mo Sung

    LER MAIS
  • Às leitoras e aos leitores

    LER MAIS

Revista ihu on-line

O veneno automático e infinito do ódio e suas atualizações no século XXI

Edição: 557

Leia mais

Um caleidoscópio chamado Rio Grande do Sul

Edição: 556

Leia mais

Entre códigos e consciência: desafios da IA

Edição: 555

Leia mais

05 Mai 2013

Von Balthasar, em seu livro Die Gottesfrage, ilumina ainda mais o fato de Deus continuar sendo sempre um grande problema cultural, filosófico e existencial da modernidade e da contemporaneidade.

A análise é do teólogo italiano Rosino Gibellini, doutor em teologia pela Universidade Gregoriana de Roma e em filosofia pela Universidade Católica de Milão. O artigo foi publicado no blog da Editora Queriniana, 03-05-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.

Deus continua sendo sempre um grande problema cultural, filosófico e existencial da modernidade e da contemporaneidade. Para iluminá-lo ainda mais, há um pequeno livro (pequeno para o tema), Die Gottesfrage, do teólogo suíço von Balthasar, negligenciado por décadas, publicado em 1956, reeditado com correções e acréscimos em 2009, e traduzido pela primeira vez para o italiano com o título La domanda di Dio dell’uomo contemporaneo (Ed. Queriniana, 2013, BTC 162).

A Editora Queriniana havia pedido diretamente a von Balthasar os direitos para a edição italiana, nos anos 1960, para inseri-lo no Giornale di Teologia, que iniciava a sua publicação como Biblioteca de Aggiornamento Teologico em 1966 (agora já chegou aos 360 títulos). Balthasar respondeu que não podia autorizar a edição italiana, embora o livro já houvesse sido publicado na edição francesa pela DDB (Éditions Desclée de Brouwer, Paris), em março de 1958. E, além disso, o livro não está incluído na Opera Omnia, publicada na Itália pela Jaca Book, cujo programa foi fixado diretamente pelo autor.

Eu acredito – é uma hipótese – que isso dependia do fato de que o seu breve livro era dialógico com a modernidade; a imputação do teólogo suíço à teologia católica do pós-Concílio era de que ela era marcada demais pela dialogicidade com o mundo moderno e contemporâneo. O livro se contextualizava em uma fase que von Balthasar já havia vivido com Abbattere i bastioni (1952, publicado em italiano pela Ed. Borla, Turim, 1966), depois superada com Solo l’amore è credibile, de 1963 (publicado em italiano pela Ed. Borla, Turim, 1965), em que ele expressava o projeto de uma teologia expressiva de uma identidade católica integral, como eu ilustro em La teologia del XX secolo (1992, 2007, 253-270).

Agora o editor da nova edição alemã de 2009, junto à editora Johannes Verlag Einsiedeln (Friburgo, Alemanha), Alois Haas, da Universidade de Zurique, observa: "Na sua abundante riqueza cultural e intelectual, o livro de Balthasar merece ser lido na íntegra: mesmo que mais de meio século depois da sua primeira aparição e principalmente na versão integrada nos anos posteriores pelo autor" (p. 6). Mas é instrutivo também o Posfácio à edição italiana de Pierangelo Sequeri, que destaca a relevância recuperada pela "pequena joia" (p. 202) da Gottesfrage de 1956.

Na sua análise da modernidade, Balthasar aceita a teoria dos três estados, enunciada por Comte, libertando-a da sua interpretação positivista. O ser humano, culturalmente, passou da religião para a metafísica, para aportar na ciência como interpretação resolutiva do mundo. Em outras palavras: de uma visão cosmológico-mágica para uma visão antropológica, para chegar a uma visão científico-técnica. Este último destino pode ser qualificado como um destino a uma antropologia radical.

Na época moderna, a filosofia torna-se antropologia (Hegel, Marx, Freud). Feuerbach, nos Princípios da Filosofia do Futuro (1843), declara: "A nova filosofia faz do ser humano o objeto único e universal da filosofia, e assim faz da antropologia a ciência universal" (p. 96). O destino último é a antropologia científico-técnica, de um homo sapiens que se torna faber do seu mundo: "Época, à primeira vista, a-religiosa" (p. 81). Uma prova disso seria o discurso de Paulo no Areópago de Atenas: a contestação apareceria antes não sobre o tema da ressurreição, mas sim sobre a referência à "religião natural", à qual Paulo podia se referir, o que já não está mais disponível para o teólogo contemporâneo.

Essa situação do "homem demiúrgico" (p. 92) da modernidade não liquida, porém, o problema religioso. A teologia não se rende, vai por outros caminhos, torna-se criativa e tenta "moldar algo cristão" (p. 111) na situação atual, apenas aparentemente "a-religiosa". O homo faber "é o 'absoluto' do mundo, que, justamente pelo fato de o mundo ser confiado à sua guarda, demonstra ser um senhor servo e não simplesmente um senhor absoluto. Essa necessidade vai lhe ensinar a rezar e a buscar a Deus. Justamente porque amadureceu tornando-se homem técnico e não tem outra casa do que a sua própria fragilidade, ele está predestinado a se tornar um homem religioso" (p. 45). Mesmo faltando o subsídio da referência a uma "religião natural", "pode-se então dizer também que a forma da religião natural do ser humano moderno consiste essencialmente no fato de ser um livre 'ouvinte da palavra' (Karl Rahner), alguém que está diante de Deus livre e soberano, à espera de que ele mesmo se revele" (p. 91).

O cientificismo (palavra que não se encontra no texto de Balthasar, mas que é usada no Posfácio por Sequeri) afirma que o cristianismo é liquidado pela ciência como interpretação exaustiva da realidade do mundo e do ser humano; mas a reviravolta em direção à antropologia radical, ilustrada por Balthasar, gera "solidão total" (p. 155) e "tragédia do existir" (p. 143). E aqui a teologia pressiona com a pergunta: "Não seria talvez o tempo de que Deus torne a voltar para nós o rosto da sua infinitude, daquele que é o totalmente Outro?" (p. 121).

Justamente, não há nenhum sinal na era da ciência-técnica que remeta para além? Balthasar arrisca dar uma resposta positiva em um intenso capítulo – com base no Evangelho de João – e define esse sinal como "o sacramento do irmão". O mandatum novum do amor recíproco realiza no mundo das trevas "o centro luminoso da humanidade e, consequentemente, convida com urgência [...] os territórios semiobscuros da humanidade, situados ao nosso redor, que estão às margens, a entrar nesse centro luminoso para participar, também eles, do dom da graça do amor recíproco" (p. 164).

A Igreja vai rumo ao mundo com esse sinal de fraternidade: "Enquanto a Igreja sai de si mesma, o mundo volta para casa" (p. 173). Esse "voltar para casa", possibilidade oferecida pelo cristianismo (e pela Igreja), pode sanar a "angústia do mundo" do "ser sem casa" (p. 93), induzida pela irrupção da modernidade.