Por: André | 16 Abril 2013
“Era fundamental que Nicolás Maduro ganhasse, e ganhou. Mas ganhou a duras penas, o que exige desentranhar as causas da queda sofrida pelo chavismo e o notável aumento experimentado pela direita”, escreve o cientista político argentino Atílio A. Boron, diretor do PLED, Centro Cultural da Cooperação Floreal Gorini, em artigo publicado no jornal Página/12, 16-04-2013. A tradução é do Cepat.
Eis o artigo.
Era fundamental que Nicolás Maduro ganhasse, e ganhou. Mas ganhou a duras penas, o que exige desentranhar as causas da queda sofrida pelo chavismo e o notável aumento experimentado pela direita. Foi uma vitória que colocou em evidência a debilidade metodológica das pesquisas que de um e de outro lado prognosticavam uma folgada vitória do candidato chavista. Sobre o veredito das urnas, a primeira coisa que se deve dizer é que seu não reconhecimento por parte de Henrique Capriles não é, de modo algum, surpreendente. É o que o manual de procedimentos da CIA e do Departamento de Estado assinala para casos como este, quando se trata de deslegitimar um processo eleitoral em um país cujo governo não se submete aos ditames do império. Se bem que a distância entre um e outro foi pequena, não teve nada de excepcional à luz da história venezuelana: nas eleições presidenciais de 1978, Luis Herrera Campins, candidato do Copei, obteve 46,6% dos votos contra 43,4% de seu rival da Ação Democrática. Diferença: 3,3%, e o segundo reconheceu imediatamente o triunfo de seu adversário. Antes, em 1968, outro candidato do Copei, Rafael Caldera, chegou à presidência com 29,1% dos sufrágios, impondo-se sobre o candidato da AD, Gonzalo Barrios, que obteve 28,2% dos votos. Diferença: 0,9% e assunto concluído. Mais próximo no tempo, contrasta com a autoritária teimosia de Capriles a atitude do então presidente Hugo Chávez que, no referendo constitucional de 2007, admitiu sem mais trâmites sua derrota quando a opção pelo ‘Não’ obteve 50,6% dos votos contra 49,3% do ‘Sim’ à reforma que ele favorecia. Apesar de que a diferença foi de pouco mais de 1%, Chávez reconheceu de imediato o veredito das urnas. Uma lição para o ofuscado perdedor.
Resultados eleitorais muito apertados são mais frequentes do que se pensa. Nos Estados Unidos, sem ir mais longe, na eleição presidencial de 7 de novembro de 2000 o candidato democrata Al Gore impôs-se na votação popular com 48,4% dos votos, contra o republicano George W. Bush, que obteve 47,9% dos votos. Como se recordará, uma fraudulenta manobra efetuada pelo Colégio Eleitoral do Estado da Flórida – cujo governador casualmente era Jeb Bush, irmão de George W. – operou o milagre de “corrigir os erros” em que havia caído um setor do eleitorado da Flórida possibilitando a ascensão de Bush à Casa Branca. Em suma, aquele que perdeu, ganhou, e vice-versa: um exemplo de soberania popular da democracia estadunidense. Nas eleições presidenciais de 1960, John F. Kennedy, com 49,7% dos votos, impôs a Richard Nixon, que colheu 49,6%. A diferença foi de apenas 0,1%, pouco mais de 100.000 votos sobre um total de aproximadamente 69 milhões, e o resultado foi aceito sem dar um ai. Mas na Venezuela, as coisas são diferentes e a direita grita “fraude” e exige a recontagem de cada um dos votos, quando Maduro já concordou em realizar uma auditoria. Chama a atenção, não obstante, a intolerável ingerência do inefável Barack Obama que não disse nenhuma palavra quando roubaram a eleição de Al Gore, mas encontrou tempo, na segunda-feira passada, para dizer, pela boca do porta-voz, que era “necessário” e “prudente” uma recontagem dos votos, dado o resultado “extremamente apertado” das eleições venezuelanas. Admitiria que um governante de outro país dissesse o que tem que fazer diante das pouco transparentes eleições estadunidenses?
Dito isso, como explicar a fuga de votos experimentada pelo chavismo? Evidentemente, não há uma única causa. A Venezuela transitou desde o aparecimento da doença de Chávez (8 de junho de 2011) por um período em que as energias governamentais estiveram em grande medida dirigidas para enfrentar os inéditos desafios que tal situação colocava para um experimento político marcado pelo desbordante ativismo do líder bolivariano e pelo hiperpresidencialismo do regime político construído a partir de 1998. Essa caracterização, em um primeiro momento incomodou Chávez, mas depois, fidalgamente, acabou por reconhecer que era correta. Premonitoriamente, Fidel lhe havia advertido, já em 2001, que devia evitar converter-se “no prefeito de cada povoado”. Em todo o caso, o desconcerto que emanava da forçada inatividade de Chávez impactou fortemente na gestão da coisa pública, com o consequente agravamento de problemas já existentes, tais como: a inflação, o estouro do dólar, a paralisante burocratização e a insegurança cidadã, para mencionar apenas alguns. Problemas, não é demais recordar, aos quais se havia referido mais de uma vez o próprio Chávez e para enfrentá-los havia colocado a necessidade do “golpe de timão” anunciado no primeiro Conselho de Ministros do novo ciclo iniciado depois da vitória de 7 de outubro de 2012, durante o qual o líder bolivariano fez um forte apelo à crítica e à autocrítica, exigindo aos seus colaboradores melhorar radicalmente a eficiência de ministérios e agências, fortalecer o poder comunal e desenvolver um sistema nacional de meios públicos como pré-requisitos necessários para a construção do socialismo. Assinalava em sua intervenção que “às vezes podemos cair na ilusão de que, pelo simples fato de chamar a tudo de socialista... podemos ser levados a pensar e a acreditar que já se atingiu a meta, que já se é socialista, pronto; mudei o nome e já está tudo pronto”. Daí sua forte exortação para fortalecer os conselhos comunais, a socialização da economia, a cultura e o poder. Dizia, com razão, que “não devemos seguir inaugurando fábricas que sejam como uma ilha, rodeadas pelo mar do capitalismo, porque o mar vai tragá-las”. Mas junto com estes problemas da gestão estatal houve outros fatores que também contribuíram para a criação de um mal-estar social e um mau humor público: a direita e o imperialismo trabalharam ativamente, como o fizeram no Chile de Salvador Allende, para sabotar o funcionamento da economia e exasperar o ânimo da população mediante o metódico desabastecimento de produtos básicos, os cortes de energia elétrica, a suspeitosa atividade de grupos paramilitares semeando o terror nos bairros populares e a persistente campanha de denúncias e agravos contra Maduro veiculadas e agigantadas por sua enorme gravitação na gestão dos meios de comunicação de massa, facilitando assim a deserção de um numeroso contingente de eleitores.
A Revolução Bolivariana enfrenta uma situação delicada, mas que está longe de ser desesperadora ou provocar a queda em um angustiante pessimismo. A descarada intromissão de Washington reflete sua urgência para acabar com o pesadelo chavista “agora ou nunca”, consciente de que se trata de uma situação passageira. Diante disso, Maduro, como presidente, tem que responder com serena firmeza, evitando cair nas previsíveis provocações que farão seus inimigos. É inegável que tem diante de si uma sociedade partida ao meio, onde a direita pela primeira vez demonstra ter a capacidade de enquadrar e mobilizar, ao menos no dia das eleições, 50% do eleitorado. Recuperar o predomínio nesse terreno não é impossível, mas dependerá menos da radicalidade dos discursos da situação do que da profundidade e da eficiência das políticas concretas que Miraflores adotar; dependerá, em suma, da qualidade da gestão governamental para enfrentar os principais problemas que angustiam a população, tema sobre o qual Maduro insistiu sensatamente em seu discurso de domingo à noite. Não poderia subestimar, neste caso, o fato de que até 2016 a Assembleia Nacional terá uma folgada maioria chavista (95 sobre 165) e que o novo presidente contará com o apoio de 20 dos 23 governadores da República Boliviariana. A correlação de forças, portanto, segue mostrando um claro predomínio do chavismo, e a resposta de numerosos governos da região e fora dela – como a China e Rússia, entre outros – acrescenta um importante apoio para a necessária governabilidade e para avançar no impostergável cumprimento do testamento político de Chávez, o já aludido “golpe de timão”. Estamos certos de que o bravo povo venezuelano estará à altura das circunstâncias e dos desafios colocados pela atual conjuntura.
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Maduro. Uma vitória necessária. Artigo de Atilio Boron - Instituto Humanitas Unisinos - IHU