20 Março 2013
"Francisco me lembra Carlo Maria Martini. Como ex-arcebispo de Milão, ele entendeu que a Igreja, antes de julgar, deve perdoar. Primeiro, vem a misericórdia, depois o juízo", afirma o filósofo italiano Massimo Cacciari.
A reportagem é de Paolo Rodari, publicada no jornal La Repubblica, 20-03-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis a entrevista.
O senhor esperava um papa de nome Francisco?
Eu desejava isso. Eu considerava que a Igreja tinha uma grande necessidade disso. Porque o nome Francisco evoca, naturalmente, a possibilidade de que se abre uma reforma interna da Igreja e, ao mesmo tempo, um novo diálogo com os não crentes, duas missões hoje inevitáveis. São Francisco de Assis saiu do recinto da Igreja e foi ao encontro do mundo. Ele sabia bem o que era o mundo, quais eram as suas práticas, mas, antes de apontar o dedo, perdoava. Ele sabia que Deus é amor e que o amor deve vir antes do juízo. Certamente, ele não traía a Igreja, não traía o que ele acreditava, ele conhecia bem quem era o inimigo da Igreja, mas buscava o abraço antes de qualquer outra coisa.
O Papa Francisco fará o mesmo?
As premissas parecem dizer que sim. Equivoca-se, no entanto, quem pensa que ele irá além do permitido, além da doutrina, digamos. Não esqueçamos que São Francisco, embora pudesse ser confundido com um cátaro por causa da sua pobreza e da pregação às camadas subalternas, nunca abraçou essa heresia. Então, Bergoglio, assim como muitos dos seus coirmãos bispos latino-americanos, não cometerá traições doutrinais. As aberturas da teologia da libertação, em suma, não lhe pertencem. No entanto, na forma, eu acredito que tudo será diferente.
Que gesto do papa mais chamou a sua atenção nesta primeira semana de pontificado?
Sem dúvida, o fato de que, continuamente, ele diz que é o "bispo" de Roma, e nunca o "papa", o "pontífice". É uma mudança substancial. Significa que ele se concebe primus inter pares, uma visão de si que pode ter repercussões enormes sobre toda a cristandade.
No dia 19, na missa de início do pontificado, ele definiu o poder como um serviço. Começa uma época diferente também nas relações entre Igreja e política?
Estou convencido de que, com relação às vicissitudes políticas, especialmente italianas, ele irá manter uma indiferença soberana.
Sobre a mesa do seu pontificado, estão as nada simples relações entre Igreja e contemporaneidade. Desafios delicados, que muitas vezes levam ao confronto. Como Francisco irá agir?
A esperança é de que ele imite Martini. Ele havia entendido que certos desafios que tocam profundamente na vida dos crentes e não crentes, pensemos também apenas no tema da sexualidade, não devem ser enfrentados um a um, de trincheira em trincheira. Se a Igreja agir assim será despedaçada. Ao contrário, deverá tentar superar os obstáculos anunciando Cristo acima de tudo. No Evangelho, não há máximas de comportamento específicas. A mensagem, enfim, nunca se reduz à medida ética.
Ratzinger, nas meditações na Via Sacra de 2005, falou sobre a "sujeira" presente na Igreja. Para muitos, o nome Francisco evoca acima de tudo a vontade de reformar a Igreja do carreirismo e das sujeiras internas. O senhor compartilha esse ponto de vista?
São Francisco nunca saiu da Igreja, porém a subverteu. Ele fez isso na consciência de que a Igreja tende a ser cidade de Deus, sem conseguir sê-lo completamente neste mundo. Na Igreja, existe o pecado, e São Francisco sabia bem disso. Assim, o novo papa certamente tentará erradicar o mal interno, mas fará isso também aqui com misericórdia, consciente de que a Igreja é santa e, ao mesmo tempo, pecadora.
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''Francisco irá surpreender, mas não cometerá traições doutrinais''. Entrevista com Massimo Cacciari - Instituto Humanitas Unisinos - IHU