13 Março 2013
Enquanto outros podem pedir um santo, eu rezo por um papa inteligente – cuja integridade e coragem farão dele um santo.
A análise é do teólogo inglês John Wijngaards, professor emérito do Instituto Missionário de Londres e atual diretor do Housetop Centre. O artigo foi publicado no sítio National Catholic Reporter, 12-03-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Nós precisamos de um papa santo, dizem muitas pessoas. Talvez. Mas eu não posso me esquecer do conselho de Santa Teresa de Ávila, doutora da Igreja. Diante da escolha entre um confessor santo e um confessor que seja um bom teólogo, confie no teólogo, escreveu ela. A piedade é uma pele sem carne se não tiver o entendimento. É por isso que a recente Declaração de Teólogos Católicos sobre a Autoridade na Igreja pede uma liderança inteligente na Igreja, como eu vou explicar.
Eu estava lecionando Sagrada Escritura no Seminário Maior de Hyderabad, na Índia, em 1968, quando o Papa Paulo VI emitiu a sua encíclica Humanae Vitae. A sua condenação dos meios artificiais de controle de natalidade foi um golpe devastador contra os casais e seus pastores na Índia. Eu fiquei ainda mais chocado quando descobri que esse decisão havia sido tomada a despeito das conclusões da comissão papal. Uma grande maioria havia recomendado que se permitisse o uso responsável de contraceptivos. Como um papa podia ser tão imprudente?, eu pensei. Três meses depois, eu entendi.
Como delegado da Associação Bíblica Católica Indiana, eu participei de um encontro em Roma. O Papa Paulo VI concedeu-nos uma audiência. Eu estava perto dele. Eu vi o seu rosto desfigurado e li a ansiedade nos seus olhos. O papa estava cheio de medo. Ocorreu-me que Paulo VI estava mentalmente paralisado: incapaz de realmente entender as razões intelectuais para mudar postura tradicional da Igreja sobre o controle de natalidade. Seu medo levaria a mais desastres.
No Sínodo dos Bispos de 1971, a Conferência dos Bispos do Canadá pediu um estudo sobre os ministérios femininos na Igreja. A questão também surgiu na Índia. Em um artigo científico para a All India Consultation on New Ministries, em 1975, eu concluí: "Foi o 'mito' social da inferioridade das mulheres que manteve as mulheres fora do sacerdócio ordenado".
O que me era desconhecido é que a Pontifícia Comissão Bíblica tinha, no mesmo ano, relatou a Paulo VI que não havia objeções bíblicas à ordenação de mulheres como sacerdotisas. Outras Igrejas começaram a ordenar mulheres. Fiel à forma, Paulo VI entrou em pânico.
Sua encíclica Inter Insigniores de 1976 tentou fechar a porta. Ela foi acompanhada por um documento da Congregação para a Doutrina da Fé que listou os argumentos tradicionais: Jesus não quis mulheres; isso nunca foi feito antes; as mulheres não podem representar Cristo; e assim por diante. Agora, o que é significativo em tudo isso é que Paulo VI fez tal pronunciamento crucial sobre o papel das mulheres em apenas cinco anos: entre 1971 e 1976. E ele o fez contra o conselho dos seus próprios especialistas nomeados.
A discussão realmente era uma questão nova na época. Quando eu explorei o assunto em 1975, pesquisando em bibliotecas, eu descobri publicações atualizadas quase não existiam. Era um caso para que a teologia reexaminasse as fontes.
Eu não culpo Paulo VI por se sentir surpreso, ou mesmo alarmado. Ordenar mulheres como sacerdotisas implicaria grandes mudanças. Ele estava certo em segurar antes de comprometer a Igreja a um curso definido. Seu erro imperdoável foi o de se recusar a dar tempo para mais estudos e se recusar a manter uma mente aberta. Como ele não entendeu que poderia estar errado, ele recorreu à supressão. Foi um caminho que dois dos seus sucessores seguiriam: o excessivamente determinado João Paulo II e o pensador medieval Bento XVI.
Eu sou um dos 160 teólogos que endossaram a Declaração de Teólogos Católicos sobre a Autoridade na Igreja (www.churchauthority.org). Nós representamos mais de 100 universidades em mais de 20 países. Chegamos à conclusão de que, na raiz da falta de reforma na Igreja hoje, encontra-se um abuso de autoridade inspirado pelo medo e pela falta do que se pode chamar de inteligência coletiva.
No mundo de hoje, temos que depender da inteligência mais ampla dos outros. Submetemo-nos a cirurgias confiando no conhecimento dos médicos, enfermeiros e pesquisadores da medicina. Voamos de uma cidade para outra contando com a competência dos pilotos, engenheiros de aeronaves e controladores de tráfego aéreo. É por isso que o Vaticano II disse às lideranças que envolvessem a inteligência da comunidade de fé mais ampla – o que não aconteceu. Para citar a declaração: os bispos deveriam ser eleitos democraticamente; os leigos deveriam ser envolvidos na tomada de decisão; as conferências episcopais deveriam ter mais autonomia; um Sínodo dos Bispos deveria exercer a autoridade real.
A cena acadêmica da Igreja está repleta de casos de teólogos pioneiros censurados e demitidos de seus cargos de ensino. Eles incluem teólogos morais, biblistas, feministas, teólogos da libertação, historiadores da igreja e ecumenistas. Mas esses são os verdadeiros profissionais a quem nós, como comunidade de fé, precisamos mapear novos caminhos em um mundo complexo.
A perseguição sistemática dos nossos pensadores profissionais põe em perigo a sobrevivência da Igreja.
Os líderes também precisam de inteligência flexível. Eles devem ser capazes de lidar com o que os cientistas chamam de uma "mudança de paradigma": olhar para os fatos a partir de uma perspectiva totalmente nova. Quando Galileu provou que a Terra se movia ao redor do Sol, ele foi silenciado. O obstáculo foi a interpretação literal das Escrituras: "O Sol ficou parado no meio do céu durante um dia inteiro" (Josué 10, 13). A teoria da evolução de Darwin foi rejeitada porque contradizia a história da criação de seis dias. O conflito só foi resolvido pela mudança de paradigma que levou a apreciar as "formas literárias".
Novas intuições científicas exigem uma abordagem revisada sobre a ética sexual. Agarrar-se a conceitos medievais como uma "lei natural" fixa bloqueia novas respostas criativas. A inteligência flexível reexamina as visões tradicionais e capta que uma nova perspectiva sobre questões antigas pode ter a resposta. A última coisa de que a Igreja precisa no nosso tempo é a tenacidade obstinada de mentes fechadas.
A inteligência envolve a pesquisa, o raciocínio, a descoberta de relações inesperadas. Inteligência significa aprendizado. É por isso que, enquanto outros podem pedir um santo, eu rezo por um papa inteligente – cuja integridade e coragem farão dele um santo.
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''Um papa capaz de pensar, disposto a aprender'' - Instituto Humanitas Unisinos - IHU