11 Março 2013
"Onde estão hoje figuras como aqueles cardeais do concílio, tanto liberais como conservadores? Cardeais como Bernardus Johannes Alfrink, Leo Jozef Suenens, Giacomo Lercaro, Giuseppe Siri, Domenico Tardini ou Josef Frings tinham estatura mundial", pergunta Juan Arias, ex-correspondente de jornais espanhois em Roma, durante o Concílio Vaticano II, e atualmente correspondente do jornal El País, no Brasil, em artigo publicado no jornal El País e reproduzido pelo portal Uol, 12-03-2013.
Segundo Arias, "hoje, a política para subir nos escalões da Igreja Católica é o silêncio, passar despercebido, não fazer declarações que possam incomodar Roma. Manter um perfil baixo, opaco".
E continua: "Um catedrático de história me fez ver dias atrás que a Igreja, com tão pouco brilho em suas figuras hierárquicas, talvez esteja padecendo do mesmo mal que a sociedade civil e política, onde tampouco brilham hoje grandes estadistas. E isso não só na Europa, mas em todo o mundo".
Eis o artigo.
"A igreja se intimidou", afirma um teólogo brasileiro. E acrescenta: "Aqui, na América Latina e em todo o mundo".
Referia-se ao fato já denunciado pelo especialista Bernardo Barranco de que os cardeais de hoje são praticamente todos "conservadores e opacos". No passado - basta pensar nos que participaram do Concílio Vaticano II - existiram grandes figuras. Podiam ser conservadores ou liberais, mas se sobressaíam como figuras de fama mundial.
A América Latina sempre teve poucos cardeais, mas, apesar disso, no passado eles se destacaram em todo o mundo. No Brasil, por exemplo, basta lembrar os cardeais Aloísio Lorscheider ou Evaristo Arns, hoje com 91 anos, o mais idoso do colégio cardinalício. Ambos foram figuras que se destacaram no concílio. Distinguiam-se por sua defesa dos direitos humanos e seus anátemas contra os ditadores. Teriam sido dois grandes papas.
Onde estão hoje figuras como aqueles cardeais do concílio, tanto liberais como conservadores? Cardeais como Bernardus Johannes Alfrink, Leo Jozef Suenens, Giacomo Lercaro, Giuseppe Siri, Domenico Tardini ou Josef Frings tinham estatura mundial. E, ainda antes do concílio, figuras como os cardeais Mastai Ferreti (Pio IX), Giuseppe Sarto (Pio X), Achille Ratti (Pio XI) ou Eugenio Pacelli (Pio XII), que acabaram todos papas. Prescindindo de suas ideologias, eram grandes figuras conhecidas fora de seus países.
Os cardeais que elegeram o novo pontífice foram eleitos pelos papas João Paulo II e Bento XVI, todos em uma chave conservadora e sem brilho. E muitos dos cardeais criados por Ratzinger haviam sido consagrados bispos por João Paulo II, personagens também sem grande relevo.
No passado, não só muitos cardeais eram famosos em nível internacional, como, inclusive, simples bispos que nunca chegaram a cardeais. No Brasil, o bispo Hélder Câmara, com suas lutas a favor dos direitos humanos em plena ditadura militar, foi até proposto para o Nobel da Paz. Torturaram e assassinaram seu maior colaborador e sua casa foi crivada de balas.
Nos anos 1980, o Instituto Internacional de Imprensa (IPI na sigla em inglês) me pediu, para sua reunião anual realizada em Berlim com 400 diretores dos maiores periódicos do mundo, que lhes levasse o então bispo brasileiro Hélder Câmara. Não precisei apresentá-lo. Assim que pronunciei seu nome, eclodiu um aplauso na sala. Ele falou durante dez minutos e foi aplaudido de pé pelos 400 diretores de jornais durante 15 minutos.
Onde há hoje na África um cardeal como Laurean Rugambwa, o primeiro negro, que em pleno concílio me deu uma lição quando o entrevistei em Roma? Havia lhe perguntado quais ele considerava os grandes problemas da igreja naquele momento. "Esse é o problema de vocês, ocidentais. Pensam que existem problemas e soluções únicos para todo o mundo", disse-me, e, despedindo-se com um meio sorriso, acrescentou: "Inclusive na minha diocese, na África, os problemas são diferentes em cada tribo. Temos que ser realistas".
No passado, até os cardeais considerados conservadores tinham uma grande personalidade. Não tinham medo de se comprometer. Falavam com a imprensa abertamente. Recordo o cardeal Alfredo Ottaviani, prefeito do então Santo Ofício. Em uma entrevista, chamou a si mesmo de "o cão Cérbero da fé". E era mesmo, mas não tinha medo de reconhecê-lo.
Ou o cardeal Giuseppe Siri, arcebispo de Gênova, feroz antimarxista e teólogo conservador, mas que os trabalhadores do porto genovês chamaram para que os aconselhasse em uma famosa greve. No conclave em que Karol Wojtyla foi eleito, teria podido ser papa se não tivesse dado na véspera uma entrevista criticando algumas afirmações do Concílio Vaticano II. Era um cardeal sem medo.
Hoje, a política para subir nos escalões da Igreja Católica é o silêncio, passar despercebido, não fazer declarações que possam incomodar Roma. Manter um perfil baixo, opaco.
Um catedrático de história me fez ver dias atrás que a Igreja, com tão pouco brilho em suas figuras hierárquicas, talvez esteja padecendo do mesmo mal que a sociedade civil e política, onde tampouco brilham hoje grandes estadistas. E isso não só na Europa, mas em todo o mundo.
Hoje predominam o medo e a mediocridade. Na política e na igreja. Nesta última, sua insistência em manter, por exemplo, o celibato obrigatório, contrário à melhor tradição das primeiras Igrejas cristãs, onde desde Jesus de Nazaré até os apóstolos, papas e bispos eram todos casados e com famílias, está lhe criando graves problemas.
Não me refiro só aos escândalos de abusos de menores. Algo mais: o medo de que alguém da hierarquia possa acabar tendo problemas de sexo faz que, ao escolher os cardeais, se olhe com lupa mais sua vida pessoal que sua preparação teológica, cultural ou pastoral. E assim acabam sendo nomeados já muito mais velhos, pois os jovens bispos poderiam cair na "tentação da carne". O medo, em qualquer instituição, acaba por paralisá-la. Na igreja também.
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Silêncio e medo são as chaves para subir nos escalões da Igreja Católica - Instituto Humanitas Unisinos - IHU