Por: Cesar Sanson | 16 Janeiro 2013
Apesar de as gestões petistas terem um caráter mais democrático, não realizaram uma mudança efetiva do modelo educacional adotado pelos governos tucanos.
A reportagem é de Michelle Amaral e publicada pelo Brasil de Fato, 15-01-2012.
Quando o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva assumiu o governo federal, em 2003, aexpectativa dos movimentos sociais da educação era de que ele promoveria uma mudança histórica no setor. Esperava-se que Lula rompesse com a lógica de privatização da educação e avançasse em uma reforma educacional que priorizasse o ensino público de qualidade para todos. No entanto, apesar de ter um caráter mais democrático e dialogar com os movimentos sociais, as ações do governo Lula (2003-2010) não produziram uma transformação efetiva em relação às administrações anteriores que contemplasse as demandas do setor. Esta é a avaliação de entidades e especialistas ouvidos pelo Brasil de Fato.
Clara Saraiva, da Comissão Executiva da Assembleia Nacional dos Estudantes Livre (Anel), afirma que a gestão do Partido dos Trabalhadores (PT) não conseguiu realizar avanços consideráveis. “Ainda que na aparência tenham aspectos da política do governo Lula que possam ser vistos como algo de avanço, eles vêm carregados de um modelo de educação que vai na contramão das necessidades dos estudantes e dos profissionais de educação”, analisa.
Continuísmo
Isto porque, de acordo com Daniel Cara, coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Lula não rompeu com a lógica imposta pelo governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB). As políticas educacionais adotadas por FHC, entre os anos de 1995 e 2002, consolidaram a participação da iniciativa privada em todas as áreas da educação. A ideia que prevaleceu durante o governo tucano foi a de que a educação devia servir para a formação de mão de obra e para atender às necessidades do mercado. O ensino público não foi priorizado e as demandas dos movimentos sociais, desconsideradas.
Já no governo Lula, segundo Clara, as ações seguiram na mesma direção. Um exemplo é a ampliação do acesso ao ensino superior por meio do Programa Universidade para Todos (Prouni), que contribui para o preenchimento de vagas, muitas vezes ociosas, nas universidades particulares e ainda concede isenção fiscal a essas entidades. Desde sua criação, em 2005, o programa já disponibilizou mais de 1 milhão de bolsas de estudo e renunciou em torno de R$ 3 bilhões de tributos. “Se esse valor de tributação e impostos pudesse ser revertido para o investimento na universidade pública, esses mesmos jovens poderiam ingressar em uma universidade de qualidade superior”, pondera.
A integrante da Anel explica que, mesmo com a reforma universitária iniciada por Lula com a criação do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), em 2007, e continuada por Dilma Rousseff, a partir de 2010, os governos petistas não priorizaram efetivamente a educação superior pública de qualidade. “[As metas do Reuni] vão na direção da precarização do ensino, de lotar salas de aula, aumentar as horas de aula e diminuir as horas de pesquisa e extensão”, alega. A mesma opinião é compartilhada por Marinalva Silva Oliveira, presidente do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes-SN). “O papel do Estado nas políticas públicas tem sido de Estado mínimo e isso resulta na expansão das vagas para alunos, porém ancorada na precarização das condições de trabalho, a qual é materializada na falta de docentes e técnicos administrativos e na falta de infraestrutura adequada para a execução do tripé ensino, pesquisa e extensão”, analisa.
No que diz respeito à educação básica, o professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Roberto Leher, avalia que o governo Lula, por meio das medidas adotadas pelo então ministro da Educação, Fernando Haddad, optou por seguir critérios ditados pelos setores dominantes ao incluir no Programa de Desenvolvimento da Educação (PDE) o Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação, do qual fazem parte grandes bancos, grupos siderúrgicos e corporações de comunicação, como a Rede Globo e o Grupo Abril. “A agenda dos setores dominantes sustenta que a formação da massa da classe trabalhadora deve ser ajustada para o trabalho simples, daí a defesa de competências básicas – minimalistas, podemos dizer – a serem aferidas ferreamente por testes padronizados”, explica o professor. Segundo ele, a presidenta Dilma radicalizou essa opção ao defender o eixo avaliação, metas e remuneração por desempenho nos moldes do Todos pela Educação. “Cabe aos professores aplicar cartilhas e bater metas de desempenho, sem as quais o profissional, agora reduzido a um mero operador de kits pedagógicos feitos por corporações, terá a sua remuneração reduzida”, descreve Leher.
Por isso, pelo continuísmo do modelo de educação implementado pelas gestões tucanas, Clara afirma que é difícil enxergar “qualquer tipo de benefício pontual” nos governos petistas, já que se inserem dentro de “uma lógica mais geral de privatização e precarização do ensino”.
PNE
O professor Roberto Leher afirma que, ao assumir a presidência, Lula dispunha de “uma agenda capaz de promover uma mudança histórica na educação brasileira”. Ele refere-se à Proposta da Sociedade Brasileira para o Plano Nacional de Educação (PNE), elaborada nos Congressos Nacionais de Educação, realizados entre 1996 e 1997, e desconsiderada pelo governo FHC. Fruto de uma intensa mobilização da sociedade civil e da comunidade educacional, através do Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública (FNDEP), o documento foi entregue ao Congresso Nacional como alternativa à proposta oficial do governo para o PNE. As discussões parlamentares sobre o plano consideraram os dois projetos. No entanto, na versão final do PNE (2001-2010), prevaleceu a versão do governo FHC, que vetou nove pontos considerados importantes pelas organizações do setor, entre eles, medidas que garantiam maior financiamento público para a educação. “Na época de elaboração do PNE, os movimentos sociais já defendiam os 10% [do PIB para a educação], mas houve um acordo para que se colocasse apenas 7%. O Fernando Henrique vetou os 7% e o governo Lula manteve o mesmo veto”, explica Clara.
Segundo a integrante da Anel, Lula assumiu o PNE já votado e não produziu nenhuma mudança que contemplasse as demandas dos movimentos sociais. Além disso, deixou de cumprir 2/3 das metas estabelecidas no plano, como a erradicação do analfabetismo, a matrícula de 50% das crianças nas creches e a ampliação das vagas na educação superior pública. De acordo com balanço do Ministério da Educação (MEC), em 2010 apenas 33% das 295 metas estabelecidas pelo PNE do governo tucano haviam sido atingidas. O próximo Plano Nacional de Educação, encaminhado ao Congresso Nacional no final do último mandato de Lula, estabelece 20 metas, entre elas o aumento de investimento público na educação.
Para Daniel Cara, as discussões em torno do texto do novo PNE durante a tramitação na Câmara dos Deputados resultaram em alterações positivas em relação ao plano que foi proposto pelo governo federal. “E isso foi o resultado da mobilização, de um bom trabalho de articulação política, especialmente em relação ao financiamento da educação”, afirma. A proposta inicial do governo Lula estabelecia um patamar mínimo de investimento em educação de 7% do PIB. Após 18 meses de tramitação, o texto aprovado pelos parlamentares prevê a destinação de 10% do PIB para a educação nos próximos 10 anos. O novo PNE também resgata metas do plano anterior, como a erradicação do analfabetismo e a ampliação de vagas em creches em 50%. O texto, agora, aguarda votação no Senado Federal.
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Educação avança de forma tímida - Instituto Humanitas Unisinos - IHU