10 Janeiro 2013
Especialistas em energia apontam problemas estruturais no sistema elétrico brasileiro e criticam a falta de planejamento. Dizem que o governo deveria diversificar fontes para reduzir a dependência hidrológica e cobrar metas de eficiência das empresas concessionárias.
"Precisamos de planejamento", diz o físico José Goldemberg, ex-ministro da Ciência e Tecnologia. "Agora estamos dependendo de São Pedro. A curto prazo, não há nada a fazer".
A reportagem é de Daniela Chiaretti e publicada pelo jornal Valor, 10-01-2013.
"Temos que sair do binômio hidrelétricas-térmicas e ir para outras fontes", defende Ricardo Baitelo, coordenador da campanha de clima e energia do Greenpeace Brasil. "A térmica é barata de fazer, mas cara quando tem que usar", lembra.
Segundo Baitelo, "cada real gasto para operar usinas térmicas poderia nos fornecer 60% a mais de energia solar ou cinco vezes mais em energia eólica." Ele compara a conta de acionar emergencialmente as térmicas (perto de R$ 500 por MW hora) com a da geração fotovoltaica (R$ 300/MW hora) e da energia eólica (perto de R$ 100/MW hora).
Se o custo de ter acionado as térmicas de outubro a janeiro, estimado em R$ 1,6 bilhão, tivesse sido usado na construção de parques eólicos, poderia significar 450 MW de energia renovável na matriz elétrica brasileira ou 300 MW se a opção fosse por sistemas solares. "A falta de uma política mais ousada para desenvolver o setor de renováveis no Brasil extrapolou a questão ambiental e se tornou uma questão estratégica."
O professor Celio Bermann, do Instituto de Eletrotécnica e Energia da Universidade de São Paulo, aponta a falta de investimentos na manutenção do sistema e, principalmente, a "ausência de esforços para torná-lo mais eficiente." Segundo ele, a perda técnica de energia nas linhas de transmissão é, em média, de 15%. "A energia, que está sendo gerada distante do centro de consumo, chega ao consumidor final com menos 15% de sua capacidade inicial. Considero isso um absurdo." Ele diz que a redução dessas perdas é tecnicamente possível. No Japão, um país pequeno, compara, a perda é de 8%. "Daria para ter uma perda de 10%, o que equivaleria a uma hidrelétrica de 8 mil MW sem o custo de construir uma usina nova."
Bermann defende que o governo defina metas de eficiência para serem cumpridas pelas concessionárias de distribuição e transmissão. "Volto a insistir: a crise que vivemos hoje não é uma questão simplesmente hidrológica. É um problema estrutural. Falta planejamento e falta ação de fiscalização dos órgãos responsáveis."
Ele é o defensor da repotenciação das usinas hidrelétricas existentes. Seria uma modernização do sistema que poderia incluir desde a troca de turbinas a melhorias na fiação. Em suas contas, o ganho de potência em 70 hidrelétricas que operam há mais de 20 anos poderia variar entre 2.300 MW e 8 mil MW, sem ser necessário construir mais usinas.
"O governo poderia estimular, de verdade, outras opções", defende Goldemberg. "Há bagaço de cana à beça em São Paulo e que não está sendo aproveitado." Ele também aponta a falta de manutenção na rede, problema que tende a se agravar com as empresas "sufocadas para reduzir tarifas". O risco é que, nessa situação, cortem despesas. "A primeira coisa que podem fazer é cortar gastos com manutenção preventiva."
Na sua visão, o governo vai na direção errada ao dizer que não há risco de desabastecimento. O melhor seria investir em campanhas que pedissem a cooperação da população para economizar energia. "Quando o governo diz que não vai haver racionamento, encoraja as pessoas a não fazer nada."
"O governo tem que ter mais coragem. Escolher usinas não tão problemáticas como Belo Monte e bancar a decisão", polemiza Goldemberg. "Tem que peitar os ambientalistas e dizer: 'Ok, o que vamos fazer? Vamos prejudicar 30 mil pessoas ou colocar metade da população brasileira no escuro?'"
Os ambientalistas dizem que a diversificação da matriz, com investimentos em eólica, solar e biomassa, e a aproximação dos consumidores ao centro gerador, poderiam resolver dilemas como esse.
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