Por: Cesar Sanson | 17 Outubro 2012
"A era da comida barata, que nós encarávamos como algo garantido, acabou. A oferta de comida continuará, mas não esperem que os preços caiam", diz James Walton, economista-chefe da empresa de especialistas em alimentos IGD.
A reportagem é de Richard Anderson e publicada pela BBC News, 16-10-2012.
Uma onda de secas nos países de maior produção agrícola está provocando o aumento dos preços dos alimentos em todo o mundo, despertando temores de uma crise semelhante à que ocorreu há quatro anos.
Neste ano, os Estados Unidos passaram pela sua pior seca em mais de meio século. Grandes extensões de terra da Rússia também não tiveram chuva suficiente. Até mesmo a temporada de monções na Índia foi seca. Na América do Sul, o índice pluviométrico ficou abaixo da média histórica.
Como resultado, algumas colheitas desabaram, provocando uma disparada, por exemplo, nos preços de cereais, que estão quase no seu patamar mais alto. Em 2008, um fenômeno semelhante provocou tumultos em 12 países e fez com que a ONU convocasse uma reunião especial para lidar com a crise da alta do preço dos alimentos.
A falta de chuva neste ano é o principal fator de risco para que uma crise de natureza semelhante se repita. O foco principal está na produção de milho nos Estados Unidos, mas a produção mundial de soja e de grãos também caiu.
Apesar da seca em diversos países e da queda na produção de commodities como o milho, outros elementos apontam para um cenário menos preocupante.
Exportações e biocombustíveis
Até agora, a crise não se agravou porque – ao contrário do que ocorreu em 2008 – países que são grandes produtores rurais, como a Rússia, não impuseram restrições à exportação de alimentos para beneficiar os preços em seus mercados domésticos. "Grandes produtores estão sofrendo com a seca, mas eles estão honrando seus contratos de exportação", diz James Walton, economista-chefe da empresa de especialistas em alimentos IGD.
Especialistas dizem que o Sistema de Informações do Mercado Agrícola, que foi criado no ano passado para troca de dados de produção rural no mundo, tem tido um papel importante na prevenção de uma nova crise. "Os governos estão evitando tomar medidas restritivas. A oferta não está tão ruim e os estoques também não", diz Abdolreza Abbassian, economista da FAO, a agência da ONU para alimentos e agricultura.
Segundo ele, mesmo a baixa colheita mundial de arroz não está provocando escassez do alimento. Já o trigo está até mesmo superando o nível de 2007. A produção de açúcar no Brasil também está acima do esperado, e a China teve boas colheitas de diversos produtos.
Outra diferença em relação a 2008 é que, hoje, há menos pressão dos mercados de biocombustíveis – um dos fatores relevantes na última crise. Naquela ocasião, preços recordes do barril de petróleo levaram a um aumento na demanda por combustíveis alternativos. Milho e açúcar, por exemplo, passaram a ser comprados por usinas. Nos Estados Unidos, cerca de 40% do milho é usado para produzir etanol.
Agora, o preço do petróleo está bem abaixo dos picos de 2008, e a ONU diz que menos alimentos estão sendo usados na produção de biocombustíveis.
Novo patamar, mas não tão grave
Entidades internacionais têm alertado que o mundo não está perto de uma crise no preço de alimentos tão grave quanto a de quatro anos atrás. "Se fala muito nos preços dos alimentos na ONU, no FMI e no Banco Mundial, mas a sensação geral é que não estamos na mesma situação em que estávamos em 2008", diz Marc Sadler, economista do setor de agricultura do Banco Mundial.
Apesar de os níveis de preços ainda não terem se aproximado dos picos de 2008, muitos dos mesmos fatores da crise anterior estão presentes, e os preços ainda estão acima das médias históricas. O crescimento da população – sobretudo da classe média em países emergentes – está provocando um aumento na demanda por grãos com alto teor de proteína. Os custos de energia também não param de subir.
Com isso, é possível concluir que o nível dos preços vá continuar alto. Os estoques também caíram bastante e não lembram em nada os tempos em que fazendeiros criavam "lagos de leite" para se desfazer da produção em excesso. Hoje em dia, os estoques de milho são metade do tamanho dos registrados na virada do século. Segundo Sadler, estes estoques não devem voltar aos patamares anteriores.
Aquecimento global
A oferta está mais suscetível a choques externos, como as fortes secas registradas nos últimos cinco anos. Além disso, as variações climáticas bruscas estão cada vez mais comuns. Nem todos especialistas relacionam o fenômeno ao aquecimento global, mas muitos alertam que o aumento da temperatura está provocando uma queda no índice pluviométrico.
"A era da comida barata, que nós encarávamos como algo garantido, acabou. A oferta de comida continuará, mas não esperem que os preços caiam", diz Walton. O maior impacto é para as pessoas que moram nos países emergentes, onde a população gasta uma proporção maior de sua renda em alimentos.
"A população global logo vai chegar a nove bilhões, e todos precisam ser alimentados. Se assegurar de que isso será feito é um dos desafios deste século. Não é uma questão de 'podemos ou não'. É uma necessidade", diz Sadler.
Segundo ele, uma das alternativas é investir em formas de reduzir o desperdício. Mas novos investimentos em agricultura também serão necessários para lidar com esse desafio.
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"A era da comida barata acabou" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU