12 Setembro 2012
"'A Imaginação Econômica' conta a história de uma ideia vencedora - o capitalismo - e de homens que, ao longo de quase dois séculos, contribuíram decisivamente para que ela vingasse, ou lhe fizeram críticas que exigiram esforços subsequentes para que fosse aperfeiçoada.
Nasar optou por um enfoque pouco convencional. O corriqueiro seria começar essa aventura do pensamento no século XVIII, com Adam Smith. A autora, no entanto, praticamente ignora o pai da economia política, o homem que, ao propugnar o princípio da "mão invisível do mercado", abriu o caminho intelectual para a construção do capitalismo", comenta em artigo Oscar Pilagallo, jornalista e autor de "História da Imprensa Paulista" (Três Estrelas) e "A Aventura do Dinheiro" (Publifolha), publicado pelo jornal Valor, 11-09-2012, sobre o livro "A Imaginação Econômica" de
Sylvia Nasar, Companhia das Letras.
Eis o artigo.
O capitalismo ganhou um elogio eloquente no momento em que mais precisava ter relembradas suas qualidades. "A Imaginação Econômica", de Sylvia Nasar, que proclama sem ressalvas relevantes a superioridade do modelo hoje hegemônico, surge quando os países mais desenvolvidos e industrializados ainda lidam com os efeitos da crise financeira iniciada no final da década passada.
No auge da turbulência dos mercados, quando a economia americana alavancada em dívidas gerava mais incerteza do que confiança sobre o futuro, ou quando a União Europeia tinha suas perspectivas colocadas em xeque, não foram poucos os críticos à esquerda que vislumbraram a gênese da derrocada do capitalismo.
Nasar está no polo oposto das interpretações catastróficas. "A grande recessão de 2008, que se prolongou até 2009, a mais grave crise econômica desde os anos 1930, não reverteu os ganhos anteriores de produtividade e renda", avalia a autora. Ela não vê motivos para pessimismo: "A expectativa de vida se mantém em alta. O sistema financeiro não entrou em colapso. Não houve uma segunda grande depressão."
"A Imaginação Econômica" conta a história de uma ideia vencedora - o capitalismo - e de homens que, ao longo de quase dois séculos, contribuíram decisivamente para que ela vingasse, ou lhe fizeram críticas que exigiram esforços subsequentes para que fosse aperfeiçoada.
Nasar optou por um enfoque pouco convencional. O corriqueiro seria começar essa aventura do pensamento no século XVIII, com Adam Smith. A autora, no entanto, praticamente ignora o pai da economia política, o homem que, ao propugnar o princípio da "mão invisível do mercado", abriu o caminho intelectual para a construção do capitalismo.
O livro começa no século seguinte, e justamente com aquele que mais se destacou entre os críticos desse arranjo social: Karl Marx. Como seria de se esperar, é desabonadora a figura do pensador alemão que emerge das páginas de Nasar.
Vivendo em Londres em meados do século XIX, Marx não se deu ao trabalho de dominar a língua inglesa, vivia apartado da intelectualidade local, nunca pisou numa fábrica (a não ser no fim da vida, numa visita monitorada) e dependia, para se sustentar, dos favores do amigo Friedrich Engels, cujo pai tinha uma fábrica em Manchester, "o Vale do Silício da Revolução Industrial".
Marx estava convencido de que, uma vez que o lucro dependia em boa parte da exploração do trabalho, o capitalismo só podia aumentar a miséria. Conceitualmente, a crítica era defensável. O problema, como se depreende do livro de Nasar, é que não estava amparada na realidade. A miséria não estava aumentando. Ela cita estudos que, já na época, mostravam que a crise habitacional de Londres, por exemplo, refletia não uma queda do padrão de vida, mas, ao contrário, resultava do crescimento desordenado de uma cidade marcada pela prosperidade.
Como símbolo do capitalismo, a Londres de Marx tinha equivalência com a cidade degradada descrita tantas vezes por Charles Dickens, povoada por ricos gananciosos, responsáveis pela condição sub-humana da maioria da população. Mas Dickens, apesar de intelectual engajado (Nasar considera "Um Conto de Natal" uma resposta à teoria malthusiana da penúria inevitável da humanidade, pois a população cresceria mais que a oferta de alimentos), era um romancista e, como tal, não tinha obrigação de analisar estatísticas.
A intuição de Marx seria confrontada anos depois por Alfred Marshall, que identificou na competição o motivo pelo qual a renda dos trabalhadores crescia. Para sobreviver, as empresas tinham de melhorar seus produtos, disputando fregueses e trabalhadores, o que acabava melhorando a vida de todos. Do ponto de visto do capitalista, o ganho viria da maior produtividade, e não da exploração do trabalho. Nasar nota que, apesar de a história ter demonstrado que Marshall estava certo, ele nunca alcançou o mesmo prestígio de Marx, que estava errado.
O livro foi recebido como uma atualização do clássico popular "A História do Pensamento Econômico", publicado em 1953 por Robert Heilbroner. Os dois trabalhos, no entanto, têm natureza diferente. O texto de Heilbroner, didático, cronológico e com um resumo das principais ideias em jogo, costuma ser usado como introdução ao tema. Já "A Imaginação Econômica" é idiossincrático na escolha dos personagens, muito centrado em aspectos biográficos e promove saltos temporais que tornam algumas passagens abruptas.
A idiossincrasia é mais problemática pelos nomes deixados de fora do que pelos incluídos. O leitor ganha com a apresentação de Irving Fischer, americano que não integra o panteão dos grandes pensadores, apesar de Milton Friedman considerá-lo o maior economista do último século. Mas perde com a minimização do papel de Adam Smith. Além disso, alguns economistas saem desfigurados do relato, devido à ênfase em aspectos menos importantes de suas carreiras. O próprio Friedman, campeão do livre mercado, se confunde com um entusiasta do New Deal, o programa intervencionista de Franklin Roosevelt, por ter trabalhado como burocrata do governo americano nos anos 1930.
Mais questionável talvez seja a tentativa de entrelaçar biografias e pensamentos. Às vezes, as circunstâncias pessoais são apenas irrelevantes. O fato de Thomas Malthus ser um clérigo tímido com lábio leporino não ajuda a entender sua teoria. Outras vezes, o detalhe da vida pessoal é usado de forma enviesada. Escrevendo sobre Marx, seu alvo eletivo, ela comenta sua deficiência visual: "É de imaginar que efeitos sua miopia exerceu sobre suas ideias". Que efeitos? Nesse caso, a autora parece ter tratado uma metáfora surrada como um dado da realidade.
Alguns perfis, porém, são o ponto alto do livro. John Maynard Keynes, a quem é dedicada grande parte do trabalho, é pintado como o intelectual elegante e sedutor que vivia entre boêmios e artistas de Londres. Tais circunstâncias ajudam a contextualizar sua famosa formulação, segundo a qual "o problema político da humanidade [é] como combinar três coisas: eficiência econômica, justiça social e liberdade individual".
A força narrativa de Sylvia Nasar é maior do que falhas estruturais e pontuais do livro. Ex-jornalista do "New Tork Times" e autora do premiado "Uma Mente Brilhante", biografia do matemático John Nash, que deu origem ao filme homônimo, Nasar mais uma vez se mostra em total domínio de sua arte. Se "A Imaginação Econômica" não pode ser lido como uma história linear do pensamento dessa área do conhecimento, o relato vale por humanizar as teorias áridas, dar vida a estatísticas frias e injetar algum ânimo na "ciência triste".